CONFLITO ARMADO

A estratégia militar da Rússia para deixar a Ucrânia sem energia elétrica

Nos últimos dias, a Rússia tem efetuado uma série de ataques para deixar a Ucrânia sem energia elétrica. A BBC News foi à cidade de Kharkiv, ao leste do país, para verificar como a dramática situação na cidade, que ficou dias sem energia.

Um gerador de energia em uma rua de Kharkiv -  (crédito: Joyce Liu/BBC)
Um gerador de energia em uma rua de Kharkiv - (crédito: Joyce Liu/BBC)

No centro de Kharkiv, cidade no leste da Ucrânia, é possível ouvir o barulho dos geradores em todas as ruas.

Há dez dias, a segunda maior cidade da Ucrânia está mergulhada na escuridão depois do sistema de energia ter sido destruído por um ataque massivo de mísseis russos. Foi o maior ataque aéreo à cidade desde o início da guerra, em 2022.

Enquanto Kharkiv trabalha para restaurar a energia elétrica, a Rússia tem realizado uma série de ataques adicionais em toda a Ucrânia visando justamente os sistemas de transmissão.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, classificou os ataques como "terror de mísseis" da Rússia.

Zelensky também renovou os seus apelos aos aliados de seu país por mais sistemas de defesa aérea como proteção.

As autoridades de Odessa, no Mar Negro, no sul do país, dizem que o sistema energético local foi o último a ser atingido durante a noite, com mísseis e drones, causando apagões parciais.

Em Kharkiv, os danos são mais graves.

O prefeito de Kharkiv, Igor Terekhov, disse que levará semanas para restaurar o fornecimento total. Segundo ele, isso só vai acontecer se as forças armadas da Rússia não atacarem novamente os mesmos alvos.

O bombardeio inicial desligou até a sirene que alertam a população sobre iminentes ataques aéreos. Agora, momentos antes de novos bombardeios, a prefeitura está enviando mensagens sonoras aos celulares dos moradores.

Um gerador de energia em uma rua de Kharkiv
Joyce Liu/BBC
Um gerador de energia em uma rua de Kharkiv

Esses alertas de mísseis podem durar horas na cidade todos os dias – durante um deles, no sábado à noite, a onda de choque de um ataque explodiu dezenas de janelas em um prédio de apartamentos.

Os russos está tentando cada vez mais atacar a rede elétrica da Ucrânia.

"Os danos são muito graves", disse o prefeito Igor Terekhov à BBC News.

"Precisamos de tempo para consertá-lo", acrescentou, sugerindo que isso significaria mais alguns meses, pelo menos.

O Ministério da Defesa da Rússia confirma que os seus últimos ataques se concentraram no fornecimento de energia elétrica à Ucrânia.

O órgão diz que o objetivo é perturbar o trabalho da indústria de defesa do país - e acrescentou que "esses objetivos foram alcançados."

A prefeitura de Kharkiv disse à BBC que o setor industrial da cidade, que necessita de grandes volumes de energia elétrica, também foi afetado pelos apagões.

Gerador em porta de salão de cabelereiro
Joyce Liu/BBC
Comércio local depende de geradores para funcionar

Períodos de blackout

O impacto dos apagões na vida da população é flagrante.

A prefeitura iniciou períodos de blackout para economizar energia, anunciando um cronograma. No sábado, esses cortes de energia duraram seis horas, mas no domingo foram reduzidos para quatro.

Um salão de cabeleireiro em uma rua secundária de Kharkiv é um dos muitos pequenos negócios com um gerador zumbindo do lado de fora da porta. No sábado, ele funcionou por sete horas, permitindo que o salão continuasse aberto.

O mesmo se aplica aos cafés e empresas do centro da cidade, embora muitos tenham folhas de madeira nas janelas para cobrir uma lacuna onde o vidro já foi estilhaçado ou para protegê-lo de futuras explosões.

Algumas das placas são pintadas com desenhos de pássaros e flores.

"Estamos trabalhando na geração de energia desde segunda-feira", disse Natalia, proprietária do salão.

"Claro que é muito difícil, principalmente porque aqui somos todas mulheres e quando terminamos o trabalho tarde da noite fica muito escuro", conta a empresária.

A Rússia já atacou a rede elétrica da Ucrânia antes, no primeiro ano da guerra.

Enquanto os engenheiros lutavam para fazer reparos de emergência, os moradores tremiam no escuro em suas casas ou se dirigiam para "pontos de encontro" em busca de calor e energia.

Espero por uma 'noite tranquila'

Kharkiv às escuras
Joyce Liu/BBC
Kharkiv vive momentos de apagão com ataques russos

Está muito mais quente agora, mas o impacto dos bombardeios ainda é significativo; quando a noite cai, áreas inteiras de Kharkiv permanecem às escuras.

Isso afeta o humor das pessoas tanto quanto torna a vida estranha.

"Os russos têm novas armas", diz uma estudante chamada Liza, em das praças centrais de Kharkiv.

No local, há muita conversa sobre se as novas bombas usadas por Moscou poderão causar ainda mais devastação à Ucrânia.

"As pessoas estão deprimidas e pensando em deixar Kharkiv por um tempo. Notamos que nosso exército está passando por dificuldades", diz a estudante.

As autoridades da cidade estão determinadas a manter o ânimo da população tanto quanto possível.

Poucas horas depois do último ataque com mísseis neste fim de semana, dezenas de trabalhadores estavam limpando ruas e prédios, serrando madeira para vedar as janelas.

O metrô da cidade voltou a funcionar e os trólebus e bondes elétricos foram substituídos por ônibus comuns.

Em Odessa, dois distritos estavam com apagão parcial na manhã deste domingo. No início da tarde, a energia elétrica foi restaurada.

"Há alguns dias tivemos um apagão total, que foi grave", disse Masha, moradora de Odessa. "Ontem não havia semáforos no centro da cidade e a iluminação pública era limitada, para economizar energia."

No domingo, disse ela, havia gente circulando pela cidade, como sempre. As autoridades dizem que as restrições ao consumo de energia foram suspensas em todo o país.

Quando perguntei à proprietária do salão de Kharkiv, Natalia, se ela estava preocupada com os últimos ataques, ela citou a reputação de sua cidade:

"Somos invencíveis", ela brincou.

Ela então nos desejou uma "noite tranquila", ou seja, sem explosões.

Em Kharkiv, hoje em dia, isso é cada vez mais raro.

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BBC
Sarah Rainsford - Enviada da BBC News a Kharkiv (Ucrânia)
postado em 31/03/2024 19:46 / atualizado em 01/04/2024 07:30
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