As raposas-do-ártico estão recorrendo ao canibalismo enquanto lutam para encontrar comida em um mundo mais quente.
Este é um dos comportamentos nunca antes registrados capturados pela nova série de documentários do ambientalista Sir David Attenborough, Mammals ("Mamíferos"), apresentada pela BBC.
A série foca na forma como estes animais estão se adaptando a um mundo em rápida transformação pelo mamífero mais dominante — nós, os seres humanos.
Também vemos lontras transitando nas estradas movimentadas de Cingapura, e lêmures agarrados a árvores Salvadora persica, na tentativa de se refrescarem em meio ao aumento das temperaturas.
Mammals é uma série desafiadora de assistir, mas também mostra a incrível engenhosidade dos animais mais bem-sucedidos do mundo.
No último episódio da série de seis capítulos, Sir David afirma:
"Se tomarmos as decisões certas, poderemos garantir o futuro não só dos nossos companheiros mamíferos, mas de toda a vida na Terra."
A série foi lançada 20 anos depois da série original A Vida dos Mamíferos. Neste período, a tecnologia evoluiu consideravelmente, permitindo que a Unidade de História Natural (NHU, na sigla em inglês) da BBC e seus parceiros capturassem sequências que nunca imaginaram ser possível antes.
O episódio de abertura da série foi filmado completamente no escuro — revelando como um leopardo-africano usa sua visão especialmente adaptada para atacar macacos que estão dormindo.
“As câmeras térmicas agora são impressionantes, os detalhes que você consegue ver. Você pode ver o pelo, você pode ver os bigodes dos animais, então a tecnologia abriu todo um novo mundo para nós”, explica Scott Alexander, produtor da série.
Para capturar algumas das sequências, a equipe fez um esforço extra. Para o quarto episódio, Cold ("Frio"), cápsulas de dormir foram projetadas especialmente para que a equipe de filmagem pudesse permanecer no gelo em Svalbard, na Noruega, por dias seguidos acompanhando um urso polar.
Como resultado, a equipe foi capaz de flagrar um urso polar caçando renas em terra — um comportamento que eles acreditam que o animal desenvolveu, já que o derretimento do gelo marinho dificultou a caça às focas.
"(Isso) ilustra a flexibilidade que os ursos polares tentam ter para compensar a perda de oportunidade de caçar mamíferos marinhos como presas", diz John Whitman, professor assistente da Old Dominion University, nos EUA, e cientista-chefe de pesquisa da organização Polar Bears International, que prestou assessoria para a série.
Mas, segundo ele, estudos mostram que a nova presa não é suficiente para repor as calorias de que os ursos polares necessitam.
“Portanto, a ação mais importante que pode ser tomada para proteger as espécies de ursos polares [é] a ação contra as mudanças climáticas."
'Evolução em ação'
Nas duas décadas que se passaram desde a última série, o que também chama a atenção é a dimensão da expansão humana. Desde 2000, foram perdidos quase 1,9 milhão de quilômetros quadrados de habitat — cerca de oito vezes o tamanho do Reino Unido —, e uma das principais causas é a produção de alimentos.
“Hoje, quase metade das terras habitáveis do mundo está sendo usada para a agricultura. Em todo o Sudeste Asiático, vastas plantações de palma — de onde se extrai o óleo de palma ou azeite de dendê — estão substituindo florestas outrora intocadas”, alerta Attenborough no segundo episódio, The New Wild ("O Novo Selvagem").
A destruição das florestas significa que há uma diminuição das fontes de alimento para a vida selvagem local, como os macacos-de-cauda-de-porco. Mas, apesar disso, o episódio revela uma história extraordinária de sobrevivência. Uma família de macacos é filmada entrando em plantações de palma e capturando os ratos que agora vivem lá.
“Esses macacos-de-cauda-de-porco eram predominantemente vegetarianos, e estão se tornando carnívoros”, conta a produtora do episódio, Lydia Baines, à BBC News.
“Os animais estão tendo que se adaptar em tempo real, essencialmente é a evolução em ação. (Charles) Darwin ficaria absolutamente fascinado com isso”, ela acrescenta.
Mas nem todos os mamíferos são tão bem-sucedidos. Em um episódio, aprendemos que o aumento das temperaturas no Ártico fez com que o mar congelasse mais tarde e, sem gelo marinho, os ursos polares e as raposas-do-ártico não podem caçar. Para uma raposa, a espera é muito longa — e a equipe especula que ela tenha morrido de fome. A fome leva então as outras raposas a se alimentarem dela.
Em outra cena devastadora, bebês bugios ficam órfãos quando seus pais são eletrocutados após confundirem cabos elétricos com galhos de árvores.
Além de comovente, a filmagem dos animais permitiu avanços científicos.
Christine Cooper, professora de fisiologia animal na Curtin University, na Austrália, trabalhou com a Unidade de História Natural da BBC para ajudar a monitorar equidnas no quinto episódio. Enquanto instalavam transmissores nos animais para a série, os animais foram ouvidos emitindo sons entre si no subsolo — um fenômeno escutado apenas uma vez antes, e não capturado em vídeo.
A descoberta levou a um novo artigo científico de autoria de Cooper e sua equipe. Ela diz que a pesquisa é vital se quisermos proteger as espécies animais.
"Se compreendermos como os animais funcionam e como satisfazem todas as suas necessidades, teremos uma ideia de como podem responder a um mundo em mudança. Então também vamos poder tomar medidas para conservar as espécies", explica.
A série volta a alguns dos mamíferos filmados na série original para ver como as intervenções humanas estão ajudando eles a sobreviver.
A baleia-azul estava criticamente ameaçada de extinção até que a proibição à caça de baleias permitiu que seu número aumentasse. Mammals explora como elas agora enfrentam uma nova ameaça por parte do tráfego marítimo, mas o trabalho de cientistas para rastreá-las está ajudando a implementar medidas de segurança, como faixas de baixa velocidade.
Scott Alexander diz que isso mostra como podemos trabalhar em conjunto com os mamíferos para ajudar uns aos outros.
“Acho que para mim a mensagem [da série] é que o planeta é extraordinário, vamos fazer o que pudermos para proteger o planeta, viver ao lado destes animais e compartilhar esta incrível diversidade”, conclui.
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