Em 2006, o engenheiro e escritor chinês Liu Cixin publicou um romance que logo se tornou um best-seller: O Problema dos 3 Corpos.
O livro é sobre um grupo de cientistas que interage com uma civilização distante.
Além do drama humano contido na história, Liu baseou sua história em um conhecido problema da mecânica orbital ou astrodinâmica, o dos três corpos.
Este problema, levantado desde que os seres humanos começaram a compreender o conceito de gravidade, mostra como é difícil prever o movimento de três corpos que pertencem ao mesmo sistema orbital.
Agora, o problema dos três corpos está em voga novamente, com a estreia na Netflix de uma série de mesmo nome, baseada no livro de Liu.
Vamos ver do que se trata.
Gravidade
“Isaac Newton sabia que se você tiver um sistema envolvendo dois objetos (um único planeta orbitando uma estrela, por exemplo), então, com um pouco de compreensão de como funciona a gravidade, podemos calcular como ambos vão se mover”, explica à BBC o astrofísico Chris Lintott, professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Mas, se um terceiro objeto for adicionado a este sistema, como uma lua, por exemplo, o sistema se torna imprevisível, acrescenta Lintott.
E por que isso é importante?
Depois que Isaac Newton apresentou a Lei da Gravitação Universal em 1687, o que se seguiu foi uma exploração de como suas ideias revolucionárias se aplicavam a todos os campos da física, incluindo a astronomia.
De acordo com Lintott, as leis de Newton foram capazes de prever com precisão, por exemplo, o movimento da Terra em torno do Sol.
O mesmo aconteceu com o movimento da Lua ao redor da Terra.
Mas em outras partes do Universo, existem sistemas orbitais compostos por mais de dois corpos.
E é justamente aqui que começa o problema.
“Ao incluir um terceiro objeto, você gera o caos”, diz Lintott.
Torna-se “impossível prever qual será o movimento orbital destes três corpos celestes”.
Este problema se deve ao princípio de conservação de energia do Universo, que afirma que a energia não é criada nem destruída, explica o astrofísico Charles Horowitz ao portal Vox.
Ele observa que, devido a este princípio, uma vez que um planeta entra no sistema gravitacional de uma estrela, não pode “criar” energia extra para escapar do seu campo gravitacional.
E permanece lá de forma estável até o infinito.
“Mas o que acontece se outra estrela chegar a este sistema: dado que ambas as estrelas podem gerar energia suficiente para expulsar o planeta ou corpo celeste que estão orbitando.”
“Com estes ingredientes, como estabilizamos três objetos gravitacionais ou prevemos quais poderiam ser suas órbitas?”, questiona Horowitz.
Entre a estabilidade e o caos
Tanto na série da Netflix quanto no livro de Liu, os personagens interagem com um planeta (San-Ti) que possui um sistema solar de três sóis que oscila entre eras estáveis ??e caóticas.
Quando San-Ti gira em torno de um sol, é uma era estável.
Mas quando outro sol arrebata o planeta, ele perambula num campo gravitacional no qual intervêm as três estrelas, o que provoca o caos.
Na imensidão do Universo, há muitas regiões onde se encontram sistemas de três corpos — especialmente onde estrelas estão se formando.
E, devido a esta complexidade, tornam-se difíceis de estudar.
“Nesses tipos de zonas, onde também existem muitas galáxias, há mais sistemas de três corpos do que sem (três corpos), o que torna a análise preditiva difícil”, observa Horowitz.
Existe uma solução?
O Sol, a Terra e a Lua constituem um sistema de três corpos.
“Mas, como o Sol exerce uma força gravitacional maior sobre a Terra, e a Terra faz o mesmo em relação à Lua, cria-se um par de sistemas de dois corpos, com órbitas estáveis ??e previsíveis”, explica o professor de física Jonathan Blazek, em um artigo da Northeastern University, nos EUA.
“Por enquanto”, acrescenta Blazek.
O professor se refere ao fato de que embora o nosso sistema solar pareça estável, “nada garante que vai continuar assim num futuro distante, porque no fundo é um sistema multicorpo”.
A série, em que a maioria dos personagens são cientistas, propõe como lidar do ponto de vista prático com a incógnita dos três corpos.
Na vida real, o problema ainda não tem resposta.
Os cientistas obtiveram previsões estatísticas baseadas em simulações de computador.
Mas são apenas isso: cenários possíveis do que um computador acredita que vai acontecer sob determinadas circunstâncias.
Resolver o problema dos três corpos poderia ajudar a entender, por exemplo, como a presença de um terceiro objeto influencia a formação e fusão de buracos negros, explica Lintott.
Blazek observa, por sua vez, que resolver esse problema pode ser o segredo para compreender melhor a evolução do Universo.
“Não sabemos se daqui a alguns bilhões de anos as órbitas vão permanecer como são hoje”, diz o professor.
“É muito provável que haja uma certa instabilidade que mude o aspecto das coisas no sistema solar.”
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