Ciência

O fascinante experimento em andamento há 150 anos acompanhado por grupo seleto de cientistas 'espartanos'

Em 1879 teve início um dos experimentos mais longos da história da ciência. Os membros do seleto grupo que participa atualmente dizem que é emocionante fazer parte dessa iniciativa.

O experimento Beal começou em 1879 e continuará pelo menos até 2100 -  (crédito: Derrick Turner/MSU)
O experimento Beal começou em 1879 e continuará pelo menos até 2100 - (crédito: Derrick Turner/MSU)
Uma garrafa descoberta no experimento Beal
Derrick Turner/MSU
O experimento Beal começou em 1879 e continuará pelo menos até 2100

Em uma manhã gelada de abril de 2021, cientistas norte-americanos pegaram num mapa antigo, lanternas, uma pá e um flexômetro para procurar um tesouro precioso enterrado há 145 anos.

No comando do pequeno grupo estava o professor Frank Telewski, biólogo e líder dessa pequena sociedade de pesquisadores da Universidade Estadual de Michigan e guardião do mapa que foi herdado por várias gerações.

A área indicada no mapa foi localizada e um buraco começou a ser aberto com uma pá. A cientista Marjorie Weber — a primeira mulher a se juntar ao grupo — começou a cavar cuidadosamente com as mãos, para evitar que um golpe da pá danificasse aquele tesouro.

Ela sentiu algo duro embaixo da terra, o que fez com que todos comemorassem. Mas logo descobriram que era a raiz de uma árvore. Ela continuou mais um pouco, até encontrar outra coisa: uma pedra. Algo estava errado.

Eles verificaram o mapa e perceberam que haviam errado os cálculos iniciais em cerca de 60 centímetros. Então voltaram a cavar um pouco mais.

E lá estava: uma garrafa de vidro de meio litro cheia de areia e sementes. Weber diz que foi como “ter trazido ao mundo um bebê”.

O tesouro havia sido enterrado em 1879 e após 15 décadas foi retirado do solo por esse grupo de cientistas que trabalhava em uma das experiências mais longas da história das ciências biológicas.

Ela foi iniciada pelo botânico William J. Beal no passado para determinar quanto tempo uma semente permanece viável para germinação.

A missão foi passada entre vários guardiões, muitos dos quais não viram — e talvez não verão — o seu fim. A conclusão está prevista para 2100. Embora até isso possa ser prorrogado.

O professor Lars Brudvig escavando
Derrick Turner/MSU
O professor Lars Brudvig faz parte desse seleto grupo de cientistas

“Fazer parte do experimento Beal de sementes enterradas foi, sem dúvida, um dos destaques da minha carreira”, diz o professor Lars Brudvig, um dos cientistas selecionados do grupo, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

“Desenterrar e segurar a garrafa de 2021, tocada pela última vez pelo próprio Beal 141 anos antes, e depois observar planta após planta germinar a partir dessas sementes… uau. Foi uma alegria e uma honra fazer parte dessa equipe.”

A erva daninha

William J. Beal era um cientista botânico do Colégio de Agricultura da universidade estadual de Michigan. Ele queria ajudar os agricultores locais a aumentar a produção agrícola, eliminando ervas daninhas.

Este tipo de erva daninha parecia crescer descontroladamente e naquela época, no final do século 19, os agricultores tinham que usar enxadas e gastar muito tempo tentando mantê-la distante.

Por isso, Beal quis entender seu comportamento e decidiu investigar por quanto tempo as sementes de ervas daninhas poderiam persistir no subsolo, sendo viáveis ??para germinação.

Para encontrar uma resposta, decidiu encher 20 garrafas de vidro com 50 sementes de 23 espécies de ervas daninhas. Ele as enterrou com a boca para baixo – para evitar a entrada de água – no terreno da Universidade Estadual de Michigan. E para não esquecer a localização exata, ele fez um mapa.

William James Beal
MSU
William James Beal se interessava pelas obras de Charles Darwin, com quem até trocou correspondência

O plano inicial era desenterrar uma garrafa a cada cinco anos para ver se as sementes ainda funcionavam.

Ele foi o responsável por acompanhar o experimento nas primeiras décadas, época em que algumas sementes continuaram germinando.

Já aos 77 anos, ele se aposentou deixou o experimento nas mãos do colega Henry T. Darlington, professor de botânica de 31 anos que teria muitos anos pela frente.

Os 'espartanos' de Beal

Vendo que a viabilidade das sementes foi mantida nos primeiros cinco anos, em 1920 o período passou para 10 anos. E como continuaram germinando, em 1980 a espera foi estendida para 20 anos.

Com o passar das décadas, o experimento teve sete guardiões. Os “espartanos”, como se autodenominam, querem que essas garrafas permaneçam guardadas num local longe de curiosos.

“Não está marcado nem vigiado, mas é bastante seguro e ninguém o encontraria por acaso. Se você passasse por ele, o local se pareceria com qualquer outra parte do nosso campus de mais de 2.000 hectares”, diz Brudvig.

“Usamos um mapa para triangular a localização por meio de pontos de referência importantes.”

Desde 2016, o líder do experimento é Frank Telewski, que nomeou um guardião de uma cópia do mapa caso algo acontecesse com ele.

Em 2021, desenterraram a garrafa número 14 das 20 que Beal colocou no subsolo.

Os membros do experimento na escavação
Derrick Turner/MSU
A garrafa 14 deveria ser lançada em 2020, mas foi adiada um ano por causa da pandemia

As belas adormecidas

Depois de quase 150 anos, algumas sementes continuam germinando, o que deu aos cientistas mais informações sobre a sua dormência ou longevidade.

Ao contrário de décadas atrás, agora os especialistas têm conseguido realizar estudos que não poderiam ter imaginado na época de Beal, como pesquisas de DNA.

Um recente teste de genética molecular confirmou a presença de uma planta híbrida de Verbascum blattaria e Verbascum thapsus, ou verbasco, que foi acidentalmente incluída entre as sementes do frasco número 14.

Aparentemente, Verbascum são as plantas com maior dormência, já que outras perderam a capacidade germinativa nos primeiros 60 anos.

Embora o objetivo inicial de Beal fosse ajudar os agricultores a eliminar as ervas daninhas determinando a longevidade das sementes, após 144 anos ainda não há resposta.

Brudvig diz que as sementes que eles têm são como a Princesa Aurora de “A Bela Adormecida”.

“As sementes latentes estão vivas, mas ‘dormindo’ e aguardando o estímulo certo antes de acordar (germinar). Mas, enquanto a Princesa Aurora espera pelo beijo do seu verdadeiro amor, as sementes no banco de sementes do solo aguardam estímulos como luz solar, temperatura adequada ou condições adequadas de umidade que as farão germinar e começar a crescer", explica.

Uma planta de sementes germinadas
Derrick Turner/MSU
Esta é uma das plantas que germinou depois de quase 150 anos

“Uma questão fundamental é que sementes de diferentes espécies de plantas podem sobreviver num estado dormente durante vários períodos de tempo”, continua Brudvig.

"Em algum momento é tarde demais, mesmo quando recebem o estímulo certo. Para as espécies de plantas testadas no experimento de sementes Beal, aprendemos que este período de tempo oscila de 5 a 140 anos."

Erva daninha nunca morre?

O grupo tem muito cuidado com o manejo das sementes para ter resultados consistentes. Eles desenterram as sementes à noite para evitar que a luz solar as influencie de alguma forma. E em laboratórios são capazes de gerar condições a partir do ambiente natural.

“Usamos uma câmara de crescimento com temperatura, luz e umidade cuidadosamente controladas ao germinar as plantas para este experimento”, diz Brudvig.

Além das questões que Beal colocou originalmente, a experiência continua relevante para responder a questões adicionais que o botânico se propôs a resolver.

Frank Telewski
Derrick Turner/MSU
Frank Telewski é o atual líder dos “espartanos” e detentor do mapa.

“A relevância da experiência também cresceu ao longo do tempo, de formas que não tenho a certeza que Beal poderia ter imaginado há quase 150 anos”, afirma o cientista.

Por exemplo, tanto as espécies raras de plantas nativas como as invasoras problemáticas podem permanecer latentes no solo, por vezes durante muitos anos, aumentando potenciais benefícios e desafios para a gestão dos ecossistemas nativos.

Saber mais sobre isso pode ajudar nos esforços para restaurar ecossistemas nativos, como pastagens e florestas, de áreas de culturas antigas.

“Nossas descobertas ajudam a documentar quais espécies de plantas, como Verbascum, podem ser ervas daninhas problemáticas para um projeto de restauração como esse, e quais outras espécies podem não ser, dependendo de quanto tempo um campo foi cultivado antes de ser restaurado”, explica Brudvig.

Ainda serão necessárias várias gerações de espartanos para chegar à garrafa número 20, que deverá ser desenterrada no ano 2100. Mas os cientistas não descartaram a possibilidade de prolongar o período entre cada escavação.

Germinarão mais de 220 anos depois? As ervas daninhas nunca morrem, como diz o ditado?

Essas descobertas caberão a outras gerações.

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BBC
Darío Brooks - BBC News Mundo
postado em 21/03/2024 05:45 / atualizado em 21/03/2024 09:56
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