Houve um tempo em que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) fazia o máximo para evitar menção direta à Rússia ao conduzir as suas manobras militares. Até por medo de provocações. No entanto, a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia mudou isso.
Agora, os exercícios da aliança militar têm Moscou em mente. Um dos principais objetivos declarados do Steadfast Defender – o maior exercício militar da Otan desde a Guerra Fria – é deter a Rússia. O exercício, em vigor durante os próximos meses, envolve 90 mil militares e ocorre em todo o lado oriental da Europa.
Steadfast Defender é também o primeiro teste para os novos planos militares da Otan. Ele foi concebido para movimentar tropas e equipamento com velocidade e escala para apoiar qualquer aliado sob ataque. Trata-se de uma afirmação do próprio objetivo da Otan: a ideia de que um ataque a um membro provocaria uma resposta de todos.
Apesar de o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump questionar o comprometimento do seu país com a aliança militar caso seja eleito em novembro, os EUA continuam sendo a espinha dorsal das operações militares. O país forneceu enormes recursos à Otan para provar isso.
A primeira fase do exercício está ocorrendo na remota região selvagem de Finnmark, no norte da Noruega. A área não fica muito longe da fronteira de 190 quilômetros da Noruega com a Rússia. No cenário do exercício, Finnmark é invadida por um inimigo fictício chamado Occasus.
Eivor, uma estudante de medicina norueguesa de 21 anos e soldado em tempo parcial, diz que os seus avós tiveram de fugir desta mesma área quando os nazistas a invadiram, durante a Segunda Guerra Mundial.
"Prefiro ficar aqui e lutar", diz. Ela diz que não espera que os russos invadam "mas é claro que você sempre tem que ficar atento".
É o primeiro grande exercício da Otan com forças da Suécia e da Finlândia participando como membros de pleno direito.
Há uma sensação de entusiasmo entre as suas tropas por se tornarem parte da maior aliança militar do mundo.
Eles também se mostram mais dispostos a identificar uma ameaça.
Preparando-se para um ataque à praia de um fiorde, um fuzileiro naval finlandês disse que não fazia sentido que o seu país "ficasse sozinho contra a Rússia". Outro acrescenta: "A Otan meio que assusta a Rússia". Um colega fuzileiro naval sueco diz que se sente "super seguro" agora que o seu país finalmente aderiu à Otan.
É um sentimento compartilhado também pelos políticos desses países.
Os ministros da defesa da Suécia, Finlândia e Noruega celebraram sua nova unidade nórdica enquanto assistiam a parte do exercício – uma passagem simbólica da fronteira de tropas da Finlândia para a Noruega para expulsar os invasores fictícios.
Eles sorriam enquanto posavam para fotos em frente a um lançador de foguetes.
O ministro da Defesa da Suécia, Pal Jonson, não teve medo de tocar nas feridas provocadas pela Rússia. Ele descreveu a adesão da Suécia e da Finlândia como "a maior de todas as consequências não intencionais" para Moscou.
A Rússia, disse ele, estava desesperada para impedir a adesão dos dois países anteriormente não alinhados. E fracassou.
A adesão da Finlândia acabou aproximado fisicamente a Rússia da Otan – com uma fronteira compartilhada de quase 1,3 mil km, que os aliados também terão agora de estar prontos para defender.
Quão real é a ameaça?
Ninguém está dizendo que a Rússia é uma ameaça iminente. Até porque as suas forças estão atualmente na Ucrânia. Mas há uma percepção de que a longo prazo a Rússia também poderia ter como alvo um país da Otan.
Um dos mais graduados comandantes militares da Suécia não tem dúvidas de que as ambições de Moscou vão além da Ucrânia.
O tenente-general Carl-Johan Edstrom diz que é uma questão de tempo – "Tenho certeza de que a Rússia é uma ameaça, sim, e precisamos ser mais fortes nos próximos cinco a dez anos".
A Otan diz ele, deve usar essa janela para fortalecer suas forças armadas.
Vários outros chefes militares europeus e políticos também alertaram que acreditam que a Rússia poderá atacar um aliado da Otan na próxima década.
O vice-almirante Doug Perry, um dos principais chefes militares dos EUA que supervisiona o exercício, diz que está claro para ele que "o continente europeu já está em guerra".
Por enquanto, isso está limitado à Ucrânia. Mas ele diz que a Otan precisa "avaliar o comportamento russo e a capacidade russa", disse. "Devemos estar preparados".
Ele acredita que a recente adesão da Finlândia e da Suécia à Otan é reflexo dessa ameaça.
As nações nórdicas, como os Estados bálticos, parecem ter uma noção mais aguda do perigo. É o que acontece quando se vive mais perto da Rússia.
São eles que aumentam os gastos com defesa mais rapidamente do que outros. São também os Estados que muitas vezes compreendem os custos da guerra – tendo vivido a amarga experiência da invasão no passado.
Todos os Estados nórdicos têm alguma forma de recrutamento da população, o que significa que cada geração tem experiência militar e muitos continuam a servir nas reservas.
Mas nem todos na Otan estão tão bem preparados. Em outras partes da Europa, incluindo o Reino Unido, os exércitos têm dificuldade para recrutar.
Entre as tropas profissionais que participam deste exercício da Otan, estão membros da guarda nacional da Noruega – na sua maioria, soldados em tempo parcial.
Neste exercício, eles agem como inimigos, movendo-se rapidamente pelas colinas cobertas de neve em skidoo (equipamentos para deslocamento na neve) e dormindo ao ar livre em temperaturas congelantes. A maioria é jovem.
"Temos muitas pessoas com experiência militar e isso torna tudo mais seguro, porque estamos em todos os lugares", diz Josefine, professora de jardim de infância de 21 anos.
Elisabeth, enfermeira de 20 anos, diz que "é importante ter pessoas que realmente queiram defender a Noruega, para que todos possamos nos sentir seguros".
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