Lisboa — A comerciante Maria de Fátima Jardineiro, 61 anos, se diz desiludida com a política portuguesa. Não se vê representada por nenhum partido, muito menos pelos candidatos que, nas últimas semanas, saíram às ruas atrás de votos para assumir o governo de Portugal. Ela faz parte de um grande contingente de cidadãos indecisos, que podem decidir o destino do país europeu, caso saiam de casa para cumprir o dever cívico neste domingo (10/3) de fim de inverno, de muita chuva e neve. Os especialistas são unânimes em dizer que os 18% dos eleitores que ainda não sabem em que vão votar serão fundamentais para selar o resultado das urnas, já que as duas principais forças, a Aliança Democrática (AD) e o Partido Socialista (PS), aparecem empatados dentro das margens de erro em todas as pesquisas. "Vou votar, mas não acredito em ninguém, nem em nenhum partido", diz Fátima.
A prevalecer o que apontam as sondagens eleitorais, depois de oito anos de governo socialista, Portugal pode dar uma guinada à direita. A Aliança Democrática, liderada pelo Partido Social Democrata (PSD), tem 29% da preferência dos portugueses, índice que sobe para 35% quando incluídos os indecisos, segundo o último levantamento feito pelo Ipespe, instituto brasileiro contratado pela CNN local. Confirmada essa votação, a AD terá a principal bancada da Assembleia da República, com grande chance de assumir o governo, tendo Luís Montenegro como primeiro-ministro. Haverá, no entanto, a necessidade de uma coligação para formar maioria no Parlamento. Montenegro já conseguiu o apoio da Iniciativa Liberal (IL), que aparece com 5% e 6% das intenções de votos, ainda insuficiente para chegar ao Palácio de São Bento. O fator decisivo será o Chega, de ultradireita, com 13% e 15% na mesma pesquisa e que deve ao menos duplicar a bancada. Mas o partido é repudiado pelo líder da Aliança Democrática.
"Que a maioria da Assembleia da República será de direita, não temos dúvida", diz o professor Hugo Ferrinho Lopes, pesquisador de doutorado da Universidade de Lisboa. Ele acredita que é um caminho natural, dada à tradição de alternância de poder em Portugal. "Mas o jogo está em aberto, pois nunca se viu, em nenhuma eleição, um índice tão elevado de indecisos. Para onde eles forem, a vitória está garantida", acrescenta. Presidente do Fórum Brasil Europa e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vitalino Canas vê uma tendência de a AD ganhar a atual disputa, sobretudo, por causa das dificuldades enfrentadas pelo PS. O partido se viu envolvido em denúncias de corrupção dentro do governo, o que resultou no pedido de renúncia de António Costa do cargo de primeiro-ministro. Foi esse movimento que levou o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a dissolver o Parlamento e convocar novas eleições.
Como o quadro eleitoral está muito incerto, Canas não descarta a possibilidade de as urnas levarem a um fato inédito em Portugal: a Assembleia da República ter a maioria dos deputados de direita, mas o país ser governado pela esquerda. "É um retrato do que vemos no Brasil atualmente, onde o governo é de esquerda, mas o Congresso é majoritariamente de direita", ressalta. Para que isso aconteça, a Aliança Democrática, mesmo tendo a maior votação, não teria o apoio suficiente para fazer o primeiro-ministro. Já o PS conseguiria atrair aliados que lhe dariam a maioria necessária. "Quando analisamos as pesquisas, vemos que entre 38% e 40% dos eleitores aprovam o atual governo do PS. Esses números incluem os indecisos. Portanto, se votarem no partido, podem garantir a vitória à esquerda", explica.
É nessa possibilidade que o atual líder do PS e candidato a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos, está se apegando. Ele tem martelado que as sondagens eleitorais podem errar mais uma vez, por conta do voto útil. Em 2022, todos os levantamentos apontavam para a vitória do PSD, mas o Partido Socialista conseguiu maioria absoluta. Ou seja, não precisou compor com nenhuma outra legenda para governar Portugal. "Se o PS conseguir o governo, será um fato histórico no país. Desde a redemocratização, nenhum novo líder — Nuno Santos sucedeu Costa recentemente — conseguiu uma vitória depois de seu partido governar. Sempre prevaleceu a alternância de poder", assinala o professor Ferrinho Lopes.
Saúde e imigração
Além de tentar conquistar os votos dos indecisos, os partidos têm a dura missão de reduzir a abstenção. Nas eleições de dois anos atrás, 48,6% dos eleitores se recusaram a comparecer aos locais de votação — em Portugal, o voto não é obrigatório. Na avaliação do professor Vitalino Canas, há chance, inclusive, de essa abstenção aumentar, devido ao evidente descontentamento dos portugueses com os partidos e os políticos. "Estamos cheios de tantas promessas não cumpridas", afirma Fernanda de Souza, 62. "Nenhum partido vai resolver os problemas do país. Nenhum dos candidatos corresponde às nossas expectativas", complementa. O açougueiro Felipe Pedroso, 57, endossa: "Os partidos e os políticos só pensam nos próprios interesses, não no país".
Tal descontentamento também é destacado pelo comerciante João Manoel Jardineiro, 62. Ele, porém, assegura que vai votar. "Não tenho grandes expectativas, mas vou cumprir meu dever cívico", frisa. Para ele e a maioria dos portugueses, Portugal precisa de um choque de gestão, especialmente nas áreas da saúde e da edução. Há queixas ainda em relação aos baixos salários, ao custo de vida, que subiu muito depois da pandemia, e aos elevados preços da habitação, esse o nó mais recente a ser desatado pelo futuro governo. A chegada em massa de estrangeiros no país, liderados pelos brasileiros, que são mais de 400 mil, provocou uma explosão nos valores dos alugueis e de compra de imóveis.
A esses problemas, a ultradireita, sob o comando de André Ventura, tem adicionado a questão da imigração. Os extremistas têm difundindo, com um certo sucesso, por meio das redes sociais, a mentira de que há um movimento para acabar com a supremacia branca do povo europeu, destruir sua cultura e roubar seus empregos. Não por acaso, os casos de xenofobia e de racismo dispararam em Portugal e a maioria das vítimas é de brasileiros. Curiosamente, há uma leva de cidadãos oriundos do Brasil apoiando abertamente o Chega, sob o argumento de que a xenofobia não é contra os brasileiros, mas contra os imigrantes muçulmanos, que se recusam a absorver os valores ocidentais. Candidato a deputado pelo Chega, o brasileiro Marcus Santos diz abertamente ser a favor do controle migratório.
Dados da Comissão Nacional Eleitoral apontam que há 10,8 milhões de eleitores em Portugal, número maior do que a população, de 10,4 milhões. Para o professor Vitalino Canas, esses dados mostram que há erros claros nas estatísticas, devido a falhas no sistema de controle dos votantes. "Muita gente morre e continua na lista ativa de eleitores. Creio que mais de 1 milhão dos registros estão nessa condição", frisa. Há, ainda, a visão de que muitos eleitores estão fora de Portugal. Apenas no Brasil são 240,1 mil. Outros 395,2 mil estão na França. O sistema político do país europeu é semiparlamentarista. Se o vencedor das urnas não conseguir formar maioria, o presidente da República poderá convocar novas eleições.
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