“Eu chorando, Presidente @LulaOficial? O senhor diz porque sou mulher?"
O duro questionamento da líder da oposição venezuelana María Corina Machado feito na quarta-feira (3/7) foi uma resposta a um comentário do presidente brasileiro sobre as eleições no país vizinho.
Em uma entrevista coletiva, após encontro com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, Lula foi questionado sobre a comparação que fez pouco antes da reunião entre o pleito venezuelano e o processo eleitoral no Brasil, quando afirmou que "se o candidato da oposição tiver o mesmo comportamento do nosso aqui, nada vale".
Jornalistas pediram então que o presidente explicasse melhor o paralelo entre as duas eleições.
Lula então negou que tivesse feito uma ligação entre a situação no Brasil e na Venezuela e lembrou que foi impedido de concorrer nas eleições de 2018.
“Ao invés de ficar chorando, eu indiquei outro candidato, e ele disputou as eleições”, disse o presidente.
María Corina Machado está impedida por uma decisão da Justiça de disputar a eleição com Nicolás Maduro, que governa a Venezuela há 11 anos e é aliado de Lula.
Ela rebateu a fala de Lula na rede social X (antigo Twitter): "O senhor não me conhece. Estou lutando para fazer valer o direito de milhões de venezuelanos que votaram por mim nas primárias e os milhões que têm direito de votar em umas eleições presidenciais livres nas quais derrotarei o Maduro”.
A opositora disse ainda na mensagem que Lula "está validando os atropelos de um autocrata que viola a Constituição e o Acordo de Barbados, que o senhor diz apoiar".
O acordo em questão foi firmado entre o governo venezuelano e a oposição, com a mediação da Noruega e apoio do Brasil, para dar garantias para a realização de eleições presidenciais no país.
"A única verdade é que Maduro tem medo de me enfrentar porque sabe que o povo venezuelano está hoje na rua comigo", concluiu Machado.
O Planalto negou depois que Lula estivesse se referindo a Machado.
"O presidente não fez afirmação sobre ninguém especificamente. Ele não disse que ninguém ficou chorando. Apenas que ele não chorou, relatando a situação que ele próprio viveu", disse o governo em nota à imprensa.
"O presidente Lula apoiou a primeira presidenta mulher Brasileira, Dilma Roussef em 2010, então o comentário mostra que ela não conhece o presidente e faz uma ilação sem base.”
Quem é María Corina Machado
María Corina Machado é hoje o principal nome da oposição venezuelana.
Ainda em 2011, após um discurso em que ela, na época uma congressista, questionou o falecido Hugo Chávez durante um discurso, o então presidente venezuelano respondeu com desdém.
"Sugiro que ganhe as primárias”, disse Chávez. "Está fora do ranking para discutir comigo (…) Águias não caçam moscas."
Doze anos depois, em outubro de 2023, Machado venceu com mais de 90% dos votos as eleições primárias da oposição venezuelana, tornando-se pela primeira vez líder do movimento de oposição ao chavismo, liderado por Maduro desde 2013.
Dezenas de milhares de venezuelanos que vivem no exterior, que por anos ficaram excluídos do processo eleitoral, desta vez participaram das primárias da oposição. E a participação de quase 1,5 milhão de eleitores superou as expectativas.
As eleições foram realizadas sem apoio estatal, com censura aos meios de comunicação locais e obstáculos logísticos, técnicos e orçamentários.
Os organizadores consideraram as eleições um "sucesso", no entanto, porque mostraram a vitalidade do eleitorado de oposição e a vontade de muitos venezuelanos de participar de um processo democrático.
A questão, no entanto, é que Machado está impossibilitada de concorrer a cargos públicos, a unidade da oposição é frágil e a vontade do governo de Nicolás Maduro – e das Forças Armadas – continua a ser a mais importante variável na equação política venezuelana.
Em 26 de janeiro de 2024, o Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela (TSJ), acusado de agir sempre a favor do governo Maduro, emitiu uma decisão confirmando que Machado está inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos. Ela é alvo de diferentes acusações, como corrupção e formação de quadrilha.
Pouco depois da decisão do TSJ, Machado acusou Maduro de descumprir o Acordo de Barbados, firmado na ilha caribenha em 2023, quando o governo venezuelano garantiu um calendário para as eleições de 2024, inclusive com participação e observação de órgãos internacionais.
Em troca, foram levantadas algumas sanções financeiras que impediam o governo venezuelano de receber receitas provenientes da venda de petróleo.
Mas a decisão que desqualificou Machado fez com que os Estados Unidos anunciassem o restabelecimento de sanções.
A votação está marcada para 28 de julho. O anúncio foi feito em 5 de março, data da morte de Chávez, e a eleição será realizada no dia do nascimento do padrinho político de Maduro, que está no poder há 11 anos.
Os candidatos da oposição têm até 25 de março para se inscrever. Mas ainda não está claro se o partido de Machado tentará insistir na sua candidatura ou se procurará apoiar outro candidato.
Mas como Machado chegou aonde está hoje?
'A Dama de Ferro'
María Corina Machado Parisca tem 56 anos e três filhos. Ela é a mais velha de quatro irmãs em uma família liderada por um renomado empresário do setor metalúrgico que teve suas empresas expropriadas por Chávez. Sua mãe é uma renomada psicóloga e tenista.
Engenheira industrial com especialização em finanças, Machado trabalhou em diversas empresas do setor industrial antes de passar a atuar em organizações de combate à pobreza e de fiscalização eleitoral.
Aproximou-se do Partido Republicano dos Estados Unidos, ligação que a levou à Casa Branca, onde se encontrou com o presidente George W. Bush para falar sobre a situação venezuelana, que despertava crescente interesse na época devido à proximidade de Chávez com Fidel Castro.
Pelo chavismo, sempre foi vista como colaboradora do “golpe imperialista”. Ela foi acusada de receber ilegalmente dinheiro de fundações americanas, o que lhe rendeu a proibição de sair do país por três anos.
Em 2010, no entanto, ela chegou à Assembleia Nacional como deputada independente e com um discurso anticomunista e crítico às expropriações.
Foi nesse período, em 2012, que disputou as primárias da oposição, perdendo por ampla margem para Henrique Capriles, que concorreu, mas se retirou do pleito na última hora.
Em 2014, junto com Leopoldo López, Machado promoveu um movimento de protesto para retirar Maduro do poder, o que lhe custou o cargo na Assembleia por acusação de conspiração golpista.
De lá para cá, Machado tornou-se uma das lideranças mais radicais da oposição: promoveu protestos em 2017 e 2019, passou a classificar o governo como uma ditadura, rejeitou todas as tentativas de negociação com o chavismo, defendeu o uso da força para destituir Maduro e se opôs aos principais partidos da oposição, que acusou de serem “colaboradores”.
Quando muitos viam sua liderança diminuir, ela manteve-se firme nas suas posições e ações, costurando uma base de apoio e recusando-se a deixar o país, opção que muitos opositores acabaram por escolher.
Sua trajetória política somada provavelmente à tradição metalúrgica de sua família, rendeu-lhe o apelido de “dama de ferro”.
À medida que as lideranças de Capriles, López e Juan Guaidó foram se desgastando, ela surgiu como a opção mais óbvia para enfrentar Maduro.
Durante a campanha, Machado apresentou propostas como a abertura da economia aos investimentos internacionais, a privatização de algumas empresas de um Estado que espera encolher, a ida aos bancos de desenvolvimento em busca de empréstimos e a promoção da exploração privada das reservas de petróleo, consideradas as maiores do mundo.
Machado realizou uma campanha meteórica por todo o país sob o lema “até o fim”, apesar das perseguições e das diversas agressões que sofreu - chegaram a atirar sangue animal contra ela.
Essa resiliência talvez teimosa, que não é nova nem incomum nos políticos venezuelanos, finalmente deu frutos a Machado.
Mas há um problema: a candidata está inelegível devido às diferentes acusações de que é alvo e que ela nega.
O que vem pela frente
Com o capital político que conquistou nas primárias, Machado terá espaço para influenciar a estratégia de uma oposição cujo desafio continua ser manter a unidade.
Embora um dos pontos do acordo assinado em Barbados proponha “um caminho para que os inelegíveis e os partidos recuperem os seus direitos políticos”, especialistas não esperam que isso aconteça no caso de Machado, que segundo as pesquisas de intenção de voto derrotaria Maduro.
A candidata ainda não deu pistas sobre como espera dar continuidade ao processo.
Mas Luis Vicente León, um dos mais influentes especialistas em pesquisas de opinião e analistas políticos do país, projeta três cenários além da improvável autorização das autoridades para que ela possa ocupar cargo político.
“Um é que Machado exija que o povo defenda-a nas ruas e isso gere novos conflitos e deslegitimação eleitoral; a outra é que Machado sinta-se com o direito de escolher quem será o candidato, com o perigo de que os outros não aceitem, o que gerará outra fratura", afirma o diretor da empresa de pesquisas Datanalisis.
"Um terceiro cenário é que a oposição tenha que escolher um candidato substituto, o que nos levaria ao ponto inicial, mas com uma Machado fortalecida”,
O que quer que venha a acontecer na definição do candidato impactará na mesa de negociações do chavismo e da oposição, onde os Estados Unidos são, na prática, uma das partes envolvidas devido à questão das sanções.
Machado critica há anos esses processos de diálogo com um governo que considera “ilegítimo” e “criminoso”.
A questão é se agora, como líder, ela irá moderar a sua postura. O mundo, e especialmente a Casa Branca, estará de olho.
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