Depois de ter sido derrotado em sua tentativa de reeleição em 2020, o ex-presidente americano Donald Trump vem dominando a disputa pela indicação do Partido Republicano para concorrer à Presidência novamente.
Trump teve um desempenho avassalador nas eleições primárias realizadas na terça-feira (05/03), a chamada Super Terça, consolidando sua liderança na corrida pela nomeação do partido.
Os candidatos de cada partido só serão oficializados no meio do ano. Mas, caso as projeções atuais se confirmem, a eleição de 5 de novembro será uma repetição do pleito de 2020, colocando o republicano Trump contra o democrata Joe Biden.
Com mais de oito meses até a votação, pesquisas de intenção de voto neste momento devem ser interpretadas com cautela, mas várias delas indicam vantagem de Trump sobre o atual presidente, enquanto outras mostram empate.
Caso Trump volte à Casa Branca, há a expectativa de que retome e amplie diversas das medidas adotadas em seu governo, incluindo um endurecimento de restrições à imigração e uma agenda mais isolacionista na diplomacia e protecionista no comércio exterior.
Declarações de Trump na campanha e entrevistas de seus assessores mais próximos à imprensa americana sugerem ainda que o republicano planeja ampliar os poderes presidenciais e transformar a maneira como algumas agências e departamentos do governo operam.
Críticos lembram que, quando Trump era presidente, alguns membros de seu gabinete e da bancada republicana no Congresso ofereceram resistência às suas propostas mais controversas. Outras medidas foram bloqueadas na Justiça.
Agora, porém, muitos desses servidores e políticos já deixaram o poder, e a Suprema Corte tem hoje uma composição mais conservadora, graças a três juízes nomeados pelo próprio Trump.
Isso reduziria os obstáculos para Trump implementar medidas consideradas drásticas por alguns.
Política externa
Espera-se que a política externa em um eventual novo mandato de Trump siga uma agenda mais isolacionista.
O republicano mantém o slogan America First ("A América Primeiro", em tradução livre), que animou sua campanha em 2016, e fala em "rejeitar o globalismo e abraçar o patriotismo".
Durante seu governo, ele retirou os Estados Unidos do Acordo do Clima de Paris, do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP, na sigla em inglês) e do acordo nuclear com o Irã. Também tentou retirar tropas americanas da Síria e um terço dos 36 mil soldados estacionados na Alemanha.
Caso volte à Casa Branca, Trump deverá reavaliar alguns dos compromissos militares do país. Muitos analistas descrevem seu estilo diplomático como "transacional", no qual ganham mais peso questões comerciais ou sua relação pessoal com determinados líderes.
Certos aliados, como Israel, devem continuar contando com o apoio americano. Em seu governo, Trump reconheceu oficialmente Jerusalém como capital de Israel e transferiu a embaixada americana, até então localizada em Tel Aviv, para a cidade.
Outros países, porém, lidam com incertezas. "Para os aliados mais próximos dos Estados Unidos, incluindo Europa, Japão, Coreia do Sul e Austrália, a perspectiva de um segundo mandato de Trump é fonte de grande tensão", resumiu em editorial no mês passado o jornal britânico Financial Times.
O mesmo texto ressalta, porém, que outros países, entre eles "muitas das chamadas potências médias, que buscam um caminho entre a China e os EUA", têm visão mais positiva.
Otan e Ucrânia
Trump diz, sem dar detalhes, que é preciso "concluir o processo iniciado no meu governo, de fundamentalmente reavaliar o propósito e a missão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)".
Quando era presidente, ele ameaçou retirar os Estados Unidos da Otan, criticando aliados europeus por não investirem o suficiente em suas próprias defesas e dependerem excessivamente da ajuda americana. Agora, há o temor de que decida levar a ideia adiante.
"Seria um choque", diz à BBC News Brasil o cientista político Jonathan Hanson, da Universidade de Michigan. "Abalaria todo o ambiente de segurança da Europa."
A Otan é considerada a mais importante aliança militar dos Estados Unidos. Criada em 1949, no contexto da Guerra Fria, é formada por 31 países que concordam em ajudar uns aos outros em resposta a um ataque contra qualquer Estado-membro.
Trump pode decidir também cortar ou reduzir a assistência à Ucrânia, que não é membro da Otan, mas depende da ajuda americana para lutar contra a invasão russa. Ele diz que pretende "obter imediatamente a cessação total das hostilidades".
Os Estados Unidos já enviaram mais de US$ 75 bilhões (cerca de R$ 371 bilhões) em ajuda militar, financeira e humanitária desde fevereiro de 2022, quando forças russas invadiram a Ucrânia. Vários republicanos no Congresso têm se oposto ao envio de mais dinheiro.
Em entrevistas, Trump disse que vai "resolver a guerra em 24 horas", mas não detalhou o plano nem esclareceu qual seria a solução para as partes do território ucraniano ocupadas pela Rússia após a invasão.
Imigração
Trump pretende expandir e endurecer algumas das medidas adotadas em seu governo para combater a imigração ilegal. Em vários comícios, ele prometeu "realizar a maior operação de deportação da história americana".
As deportações poderiam atingir pessoas que vivem no país há décadas e até mesmo imigrantes legais que "abrigam simpatias jihadistas".
Trump também planeja adotar uma nova versão da sua proibição da entrada de pessoas de determinados países de maioria muçulmana.
O republicano afirma que vai "acabar com a fraude nos pedidos de asilo". Esses pedidos na fronteira seriam recusados, sob a alegação de que os imigrantes podem trazer doenças como sarna ou tuberculose.
O status de proteção temporária concedido a imigrantes de certos países poderia ser revogado, assim como vistos de estudantes que participaram de protestos contra Israel ou manifestaram opiniões "antiamericanas".
Trump planeja usar uma lei do século 18 para deportar sumariamente suspeitos de pertencerem a cartéis de narcotraficantes ou gangues criminosas e também quer ampliar o uso de "remoção acelerada", que permite deportações mais rápidas, sem o processo normal de audiências e recursos.
Outra proposta é enviar soldados para atuar na fronteira, com o auxílio da Guarda Nacional e de polícias locais enviadas por alguns Estados e municípios.
O uso de forças militares em solo doméstico é proibido, mas Trump poderia invocar a Lei de Insurreição, que abre uma exceção.
Dinheiro do orçamento militar poderia ser redirecionado para a construção de campos onde os imigrantes aguardariam deportação. Trump pretende ainda acabar com o direito automático à cidadania para nascidos em território americano cujos pais são imigrantes ilegais.
Stephen Miller, que foi responsável por algumas das políticas de imigração no governo Trump e deve ter papel importante em um eventual novo mandato, disse ao jornal The New York Times que o republicano usará "o vasto arsenal de poderes federais para implementar a mais espetacular repressão à migração".
Assim como ocorreu durante seu governo, espera-se que muitas das medidas sejam contestadas na Justiça. Apesar de ter prometido "deportações em massa" na campanha de 2016, os números de pessoas expulsas do país em seu mandato foram semelhantes aos de governos anteriores.
Agora, no entanto, o cenário é considerado mais favorável. Somente em dezembro, quase 250 mil imigrantes entraram nos Estados Unidos de forma ilegan vindos do México, e cerca de três quartos dos americanos consideram o problema "grave".
Esse fluxo sobrecarrega cidades na região, mas o problema é sentido mesmo em metrópoles longe da fronteira e governadas por democratas, como Nova York ou Chicago. Com isso, não apenas republicanos, mas também alguns democratas vem defendendo uma resposta mais dura à crise.
Comércio exterior
"America First" também é o lema da política de comércio exterior proposta por Trump, que inclui a ampliação da guerra comercial com a China iniciada em seu governo e "um sistema de tarifas básicas universais sobre a maioria dos produtos estrangeiros."
As tarifas aumentariam gradualmente, "dependendo de quanto os países desvalorizam suas moedas".
Trump também pretende pedir que o Congresso aprove uma lei para impor automaticamente tarifas recíprocas a qualquer país que taxar produtos americanos.
Trump diz que as medidas têm o objetivo de fortalecer a indústria nacional, gerar mais empregos, especialmente para trabalhadores sem diploma universitário, aumentar a renda das famílias e aumentar as receitas do governo.
Muitos trabalhadores nos Estados Unidos estão frustrados com o livre comércio global, diante do fechamento de fábricas e da estagnação de salários. Além disso, há preocupações com a dependência americana da China em determinados bens essenciais.
Mas a imposição de tarifas poderia desencadear uma guerra comercial global e prejudicar a economia americana, aumentando os preços para os consumidores e fabricantes que usam insumos estrangeiros, com possíveis reflexos negativos em empregos e salários.
"Não creio que seja um desenvolvimento positivo para a economia mundial se dividir em blocos mais protecionistas", diz Hanson, lembrando que Biden continuou muitas das políticas do governo Trump nessa área.
"Avançamos nessa direção e penso que, até certo ponto, ambos os partidos empurraram os Estados Unidos para uma direção mais protecionista", afirma Hanson. "E creio que vamos ver respostas (de outros países)."
China
Biden manteve as tarifas impostas por Trump à China e adotou novas restrições, entre elas a proibição de exportação de certas tecnologias com aplicações militares. As novas propostas de Trump, porém, iriam além.
O republicano afirma que, por "questão de segurança econômica e nacional", pretende "eliminar completamente a dependência americana" da China, terceiro maior parceiro comercial dos Estados Unidos, atrás do Canadá e do México.
Em 2022, as trocas comerciais de bens e serviços entre as duas maiores economias do mundo totalizaram US$ 758,4 bilhões (cerca de R$ 3,76 trilhões), com déficit de US$ 367,4 bilhões (cerca de R$ 1,82 trilhão de reais) para os Estados Unidos.
Trump propõe revogar o status comercial de "nação mais favorecida" (MFN, na sigla em inglês) da China. Esse status, usado no comércio internacional, garante que o país beneficiado não será tratado de forma menos favorável do que outras nações.
Com o status rebaixado, produtos chineses poderiam ser sujeitos a tarifas de até 60%. Segundo o Conselho Empresarial EUA-China, a revogação do status chinês teria impacto na economia americana, resultando na perda de mais de 700 mil empregos e US$ 1,6 trilhão (R$ 7,94 trilhões) nos Estados Unidos em cinco anos.
Trump promete ainda "um plano de quatro anos para eliminar gradualmente todas as importações de bens essenciais da China, desde produtos eletrônicos até aço e farmacêuticos" e planeja impedir contratos federais para "empresas que terceirizem para a China".
O republicano diz que vai proibir a propriedade chinesa de infra-estrutura crítica nos Estados Unidos e pretende "impedir que empresas americanas invistam na China e que a China compre a América, permitindo apenas investimentos que sirvam aos interesses americanos".
Funcionamento do governo
Trump promete "conduzir uma revisão completa das burocracias federais para limpar a podridão e a corrupção de Washington" e diz que "o Departamento de Estado, a burocracia de defesa, os serviços de inteligência e todo o resto precisam de ser completamente reformulados".
O republicano planeja reduzir regulamentações e "trazer agências reguladoras independentes de volta à autoridade presidencial", exigindo que "apresentem quaisquer regulamentos em consideração para revisão pela Casa Branca".
Trump anunciou que irá "exigir que todos os funcionários federais passem em um novo teste de serviço público" e há o temor de que possa tentar reduzir proteções aos servidores públicos, para facilitar a demissão de funcionários de carreira e substituí-los por pessoas mais leais.
Após sofrer impeachment duas vezes, quando foi absolvido pelo Senado, e enfrentando 91 acusações em quatro processos criminais, o ex-presidente se apresenta como vítima de perseguição política e sugere que poderia usar o Departamento de Justiça para se vingar de adversários.
O candidato e outros republicanos consideram o Departamento de Justiça politizado. Mas analistas advertem que uma eventual redução da independência do departamento quebraria normas em vigor desde as reformas adotadas após o escândalo de Watergate, na década de 1970.
"Acho preocupante que Trump fale abertamente em usar o Departamento de Justiça para processar inimigos políticos", diz Hanson. "Isso quebra a norma pela qual os poderes de investigação criminal do Departamento de Justiça deveriam ser protegidos da política."
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