O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez novas declarações nessa sexta-feira (23/02) sobre a ofensiva de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza.
Em evento no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Lula afirmou "ser favorável à criação do Estado palestino livre e soberano".
"Quero dizer mais: o que o governo de Israel está fazendo contra o povo palestino não é guerra, é genocídio, porque está matando mulheres e crianças", declarou.
No domingo passado (18), em viagem a Adis Abeba, na Etiópia, Lula fez declarações sobre o conflito que reverberaram nos últimos dias.
O presidente brasileiro afirmou na ocasião que o que estava ocorrendo em Gaza não era "uma guerra, mas um genocídio" — comparável a "quando o Hitler resolveu matar os judeus", em referência ao Holocausto.
"Não tentem interpretar a entrevista que dei na Etiópia, leiam a entrevista. Leia a entrevista em vez de ficar me julgando pelo que disse o primeiro-ministro de Israel", disse Lula no Rio.
"Se isso não é genocídio, eu não sei o que é genocídio."
No dia seguinte às falas na Etiópia, o líder brasileiro foi declarado persona non grata pelo governo de Benjamin Netanyahu.
Persona non grata é uma expressão em latim cujo significado literal é algo como "pessoa não agradável" ou "não bem-vinda". Na diplomacia, a expressão se aplica a um representante estrangeiro que não é mais bem-vindo em missões oficiais em determinado país.
O embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, foi convocado pelo governo Netanyahu para prestar esclarecimentos sobre as declarações de Lula.
Na segunda-feira (19), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, reuniu-se com o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine.
As convocações de embaixadores por governos são uma forma de países manifestarem insatisfação. No entanto, essas reuniões costumam acontecer em gabinetes. O governo brasileiro viu a reunião no memorial do Holocausto como uma forma de insulto ao país.
Nas redes sociais, Israel Katz, ministro das Relações Exteriores de Israel, afirmou na segunda (19), em texto escrito em português, que a declaração de Lula foi um "grave ataque antissemita que profana a memória dos que foram mortos no Holocausto".
A decisão de declarar Lula persona non grata foi anunciada por Katz após encontro com o embaixador Frederico Meyer no Yad Vashem, o memorial oficial de Israel em Jerusalém para lembrar as vítimas do Holocausto.
Na terça, Katz postou novamente um texto em português nas redes sociais.
"Que vergonha. Sua comparação é promíscua, delirante. Vergonha para o Brasil e um cuspe no rosto dos judeus brasileiros", escreveu Katz, dirigindo-se a Lula.
Depois, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, fez fortes críticas à reação do governo israelense às falas de Lula.
Após sair de uma reunião no Rio de Janeiro (RJ) ligada ao G20, Vieira acusou a chancelaria israelense, representada porKatz, de distorcer declarações, de mentir e de usar "linguagem chula e irresponsável".
Essas atitudes representariam uma "vergonhosa página da história da diplomacia de Israel", disse o ministro brasileiro nesta terça (20).
"As manifestações do titular da chancelaria do governo Netanyahu, de ontem e de hoje, são inaceitáveis na forma, e mentirosas no conteúdo", afirmou Vieira.
"Uma chancelaria dirigir-se dessa forma a um chefe de Estado, de um país amigo, o presidente Lula, é algo insólito e revoltante."
"Em mais de 50 anos de carreira, nunca vi algo assim", disse Vieira.
O ministro brasileiro afirmou ainda acreditar que a postura do governo Netanyahu não corresponde ao "sentimento" da população israelense e atenderia a um esforço para "tirar proveito" da situação na política doméstica.
Seria também uma "cortina de fumaça" para encobrir "o real problema do massacre em curso em Gaza".
"Isso tem levado ao crescente isolamento internacional do governo Netanyahu, fato refletido nas deliberações em andamento na Corte Internacional de Justiça. É este isolamento que o titular da chancelaria israelense tenta esconder", declarou Vieira, acrescentando que o Brasil reagiria "com diplomacia".
Mais de 29,5 mil palestinos, incluindo civis, mulheres e crianças, morreram durante os mais recentes ataques de Israel à Faixa de Gaza. O país iniciou uma guerra contra o Hamas em outubro após a morte de mais de 1.200 pessoas e o sequestro de 253 reféns em um ataque do grupo em Israel.
Enquanto isso, no Brasil, parlamentares de oposição protocolaram na quinta (22) um pedido de impeachment contra Lula por conta das declarações.
Em outra frente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pediu na terça (20) uma retratação de Lula pela fala sobre o Holocausto.
"Estamos certos de que essa fala equivocada não representa o verdadeiro propósito do presidente Lula, que é um líder global conhecido por estabelecer diálogos e pontes entre as nações, motivo pelo qual entendemos que uma retratação dessa fala seria adequada, pois o foco das lideranças mundiais deve estar na resolução do conflito entre Israel e Palestina", disse Pacheco durante sessão na Casa.
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As declarações
Durante sua viagem, Lula questionou a decisão de alguns países de suspender verbas à agência da ONU que dá assistência aos palestinos, a UNRWA.
A suspensão havia acontecido porque Israel acusou funcionários da agência de envolvimento com o Hamas. A denúncia desencadeou uma investigação interna, demissões e reações internacionais.
Lula afirmou que a ajuda humanitária aos palestinos não pode ser suspensa e disse que, se confirmado que houve erros na UNRWA, deve haver responsabilização.
“Quando eu vejo o mundo rico anunciar que está parando de dar a contribuição para a questão humanitária aos palestinos, eu fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente?”, disse o presidente no domingo (18/2).
“E qual é o tamanho do coração solidário dessa gente que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio?”, afirmou .
"O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus."
“Não é uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um Exército altamente preparado e mulheres e crianças. Se teve algum erro nessa instituição que recolhe o dinheiro, apura-se quem errou. Mas não suspenda a ajuda humanitária para o povo que tá há quantas décadas tentando construir o seu Estado”, disse o presidente.
Lula também reiterou que condena o Hamas e os ataques realizados pelo grupo.
"O Brasil condena o Hamas, mas o Brasil não pode deixar de condenar o que Israel está fazendo na Faixa de Gaza", disse.
No sábado (17), Lula havia se encontrado com o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Mohammad Shtayyeh.
O Palácio do Planalto afirmou que o presidente brasileiro condenou ataques do Hamas durante a reunião e reiterou a necessidade de paz no Oriente Médio e necessidade da criação de um Estado Palestino. Shtayyeh agradeceu a Lula pela solidariedade com o povo palestino, segundo o governo brasileiro.
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A resposta do atual primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, veio inicialmente com a divulgação de um comunicado criticando a fala de Lula e a convocação do embaixador brasileiro em Israel para uma reunião.
“A comparação entre Israel e o Holocausto dos nazistas e de Hitler está ultrapassando a linha vermelha”, afirmou Netanyahu no comunicado. "Israel luta por sua defesa e garantia do seu futuro até a vitória completa."
Ele disse ainda que a "banalização do Holocausto é a uma tentativa de prejudicar o povo judeu e o direito de Israel de se defender".
Nesta terça (20), o porta-voz do governo americano Matthew Miller afirmou que os Estados Unidos "obviamente" discordam das declarações de Lula.
"Temos sido bem claros de que não acreditamos que um genocídio vem ocorrendo em Gaza. Nós queremos ver o conflito encerrado assim que isso seja viável, queremos ver um aumento da assistência humanitária de uma forma sustentável para civis inocentes em Gaza, mas não concordamos como esses comentários", disse Miller, respondendo a um jornalista.
Por que a fala causou tanta controvérsia?
O genocídio de mais de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial é um tema bastante sensível.
A fala de Lula gerou uma forte reação de instituições judaicas, que afirmam que comparar a situação dos palestinos afetados pelos ataques de Israel com o genocídio de judeus feito pelos nazista é uma forma de "banalizar o Holocausto".
A Conib (Confederação Israelita do Brasil) emitiu uma nota de repúdio à fala de Lula, na qual defendeu as ações de Israel.
"Os nazistas exterminaram 6 milhões de judeus indefesos na Europa somente por serem judeus. Já Israel está se defendendo de um grupo terrorista que invadiu o país, matou mais de mil pessoas, promoveu estupros em massa, queimou pessoas vivas e defende em sua carta de fundação a eliminação do Estado judeu", diz o comunicado da entidade.
"Essa distorção perversa da realidade ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes", afirmou.
O presidente do Museu do Holocausto em Jerusalém, Dani Dayan, afirmou que a fala de Lula é "vergonhosa" e uma "combinação de ódio e ignorância".
Já ministros do governo defenderam Lula nas redes sociais.
"Todo meu apoio às preocupações do presidente Lula em relação ao conflito que vem cruelmente atingindo civis na Faixa de Gaza, vítimas do governo de extrema-direita de Israel", escreveu Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) na rede social X.
"A fala do presidente Lula sobre o que está acontecendo em Gaza é corajosa e necessária. Já são mais de 20 mil mortos palestinos através de ataques promovidos por Israel. Que esse posicionamento incentive outros países a condenarem a desumanidade que estamos vendo dia após dia", disse Sônia Guajajara (Povos Indígenas), também no X.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, por sua vez, acusou o governo isralense de espalhar notícias falsas sobre a posição de Lula.
"Em nenhum momento o presidente fez críticas ao povo judeu, tampouco negou o holocausto. Lula condena o massacre da população civil de Gaza promovido pelo governo de extrema-direita de Netanyahu [...]", escreveu Pimenta na rede X (antigo Twitter).
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Como fica a relação diplomática entre Brasil e Israel?
O Brasil sempre teve relações diplomáticas amigáveis tanto com Israel quanto com autoridades palestinas, sendo defensor da solução do conflito através da convivência de dois Estados: Israel e um Estado palestino.
Após os ataques do Hamas em Israel, o Brasil condenou as ações do grupo. Desde então, o Brasil vem criticando também a contraofensiva israelense.
A posição oficial brasileira é em favor de um cessar-fogo na região.
O Brasil também apoiou o caso da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça no passado.
A África do Sul acusou Israel de genocídio contra os palestinos na ação, que foi autorizada a continuar pela Corte em janeiro.
O tribunal instruiu Israel a impedir os seus militares de cometerem atos que possam ser considerados genocidas, a prevenir e punir o incitamento ao genocídio e a permitir a assistência humanitária ao povo de Gaza.
Mas o tribunal não chegou a apelar a Israel para que suspenda imediatamente as suas operações militares em Gaza, como era desejo do país africano.
A convocação do embaixador brasileiro em Israel para reunião após a fala de Lula é vista por analistas como uma "medida drástica".
O ex-embaixador do Brasil em Londres e diplomata Rubens Barbosa afirmou à GloboNews que a fala de Lula foi "improvisada" e que o Itamaraty não compartilha dessa visão.
"É uma situação delicada. Eu não creio que esse incidente possa afetar as relações entre o Estado de Israel e o Estado brasileiro, porque há muitos interesses em jogo, inclusive na área de Defesa", disse Barbosa à GloboNews.
Enquanto isso, a situação em Gaza continua dramática. A Organização Mundial de Saúde disse que o hospital Nasser deixou de funcionar após um ataque israelense.
As Forças de Defesa Israelense disseram que sua operação era “precisa e limitada” e acusou o Hamas de “usar cinicamente hospitais para o terror”.
Os esforços para chegar a um cessar-fogo entre Israel e o Hamas têm acontecido no Cairo, mas os mediadores do Qatar disseram que o progresso recente "não é muito promissor".
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