Israel x Hamas

Lula sobre Holocausto: oposição pede impeachment e governo se diz 'indignado' com Israel

Ministro de Relações Exteriores israelense afirmou que a comparação feita por Lula "é um grave ataque antissemita" que fere a memória daqueles que morreram no Holocausto.

Reuters
Fala de Lula foi feita durante uma entrevista após a cúpula

Após declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que comparou as ações de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto nazista, o líder brasileiro foi declarado persona non grata pelo governo de Benjamin Netanyahu. No Brasil, Lula está sendo alvo de um pedido de impeachment de alguns parlamentares.

Persona non grata é uma expressão em latim cujo significado literal é algo como "pessoa não agradável" ou "não bem-vinda".

Na diplomacia, a expressão se aplica a um representante estrangeiro que não é mais bem-vindo em missões oficiais em determinado país.

Nas redes sociais, o ministro de Relações Exteriores israelense, Israel Katz, afirmou que Lula não será bem-vindo no país até que se retrate por suas palavras.

A decisão foi anunciada por Katz após encontro com o embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, no Yad Vashem, o memorial oficial de Israel em Jerusalém para lembrar as vítimas do Holocausto. O diplomata brasileiro foi convocado pelo governo Netanyahu para prestar esclarecimentos sobre as declarações de Lula.

No Brasil, as declarações de Lula também tiveram repercussões. Um grupo de deputados — liderado por Carla Zambelli (PL-DF) — tenta conseguir apoio para um pedido de impeachment contra Lula. Nesta terça-feira (20/2), haverá uma entrevista coletiva para a imprensa sobre o pedido de impeachment.

Na segunda-feira, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, reuniu-se com o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine. O governo brasileiro manifestou insatisfação com a reação de Israel às declarações de Lula.

A reunião aconteceu depois da reunião do embaixador brasileiro com o chanceler israelense no memorial do Holocausto.

As convocações de embaixadores por governos são uma forma de países manifestarem insatisfação. No entanto, essas reuniões costumam acontecer em gabinetes. O governo brasileiro viu a reunião no memorial do Holocausto como uma forma de insulto ao país.

Nesta terça-feira, o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, está embarcando para o Brasil — ele foi chamado pelo próprio governo brasileiro para discutir a crise.

A crise foi provocada por declarações feitas por Lula durante uma entrevista em Adis Abeba, na Etiópia, onde participou neste fim de semana de uma reunião da cúpula da União Africana.

O presidente já havia falado a respeito da situação dos palestinos em seu discurso no evento, mas a declaração durante a entrevista gerou uma forte reação do governo israelense.

A BBC News Brasil procurou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e o Ministério de Relações Exteriores brasileiro para um posicionamento sobre as declarações do chanceler israelense, mas não obteve resposta até a mais recente atualização desta reportagem.

Mais de 28,8 mil palestinos, incluindo civis, mulheres e crianças, morreram durante os mais recentes ataques de Israel à Faixa de Gaza. O país iniciou uma guerra contra o Hamas em outubro após a morte de mais de 1.200 pessoas e o sequestro de 253 reféns em um ataque do grupo em Israel.

Leia mais, a seguir, sobre o que Lula falou sobre o conflito e quais foram as reações provocadas.

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Lula e Netanyahu em encontro em Jerusalém em 2009

As declarações

Durante sua viagem, Lula questionou a decisão de alguns países de suspender verbas à agência da ONU que dá assistência aos palestinos, a UNRWA.

A suspensão havia acontecido porque Israel acusou funcionários da agência de envolvimento com o Hamas. A denúncia desencadeou uma investigação interna, demissões e reações internacionais.

Lula afirmou que a ajuda humanitária aos palestinos não pode ser suspensa e disse que, se confirmado que houve erros na UNRWA, deve haver responsabilização.

“Quando eu vejo o mundo rico anunciar que está parando de dar a contribuição para a questão humanitária aos palestinos, eu fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente?”, disse o presidente.

“E qual é o tamanho do coração solidário dessa gente que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio?”, afirmou.

"O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus."

“Não é uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um Exército altamente preparado e mulheres e crianças. Se teve algum erro nessa instituição que recolhe o dinheiro, apura-se quem errou. Mas não suspenda a ajuda humanitária para o povo que tá há quantas décadas tentando construir o seu Estado”, disse o presidente.

Lula também reiterou que condena o Hamas e os ataques realizados pelo grupo.

"O Brasil condena o Hamas, mas o Brasil não pode deixar de condenar o que Israel está fazendo na Faixa de Gaza", disse.

No sábado (17), Lula havia se encontrado com o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Mohammad Shtayyeh.

O Palácio do Planalto afirmou que o presidente brasileiro condenou ataques do Hamas durante a reunião e reiterou a necessidade de paz no Oriente Médio e necessidade da criação de um Estado Palestino. Shtayyeh agradeceu a Lula pela solidariedade com o povo palestino, segundo o governo brasileiro.

Por que a fala causou tanta controvérsia?

O genocídio de mais de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial é um tema bastante sensível.

A fala de Lula gerou uma forte reação de instituições judaicas, que afirmam que comparar a situação dos palestinos afetados pelos ataques de Israel com o genocídio de judeus feito pelos nazista é uma forma de "banalizar o Holocausto".

A Conib (Confederação Israelita do Brasil) emitiu uma nota de repúdio à fala de Lula, na qual defendeu as ações de Israel.

"Os nazistas exterminaram 6 milhões de judeus indefesos na Europa somente por serem judeus. Já Israel está se defendendo de um grupo terrorista que invadiu o país, matou mais de mil pessoas, promoveu estupros em massa, queimou pessoas vivas e defende em sua carta de fundação a eliminação do Estado judeu", diz o comunicado da entidade.

"Essa distorção perversa da realidade ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes", afirmou.

O presidente do Museu do Holocausto em Jerusalém, Dani Dayan, afirmou que a fala de Lula é "vergonhosa" e uma "combinação de ódio e ignorância".

Já ministros do governo defenderam Lula nas redes sociais.

"Todo meu apoio às preocupações do presidente Lula em relação ao conflito que vem cruelmente atingindo civis na Faixa de Gaza, vítimas do governo de extrema-direita de Israel", escreveu Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) na rede social X.

"A fala do presidente Lula sobre o que está acontecendo em Gaza é corajosa e necessária. Já são mais de 20 mil mortos palestinos através de ataques promovidos por Israel. Que esse posicionamento incentive outros países a condenarem a desumanidade que estamos vendo dia após dia", disse Sônia Guajajara (Povos Indígenas), também no X.

Qual foi a resposta de Israel?

A resposta do atual primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, veio inicialmente com a divulgação de um comunicado criticando a fala de Lula e a convocação do embaixador brasileiro em Israel para uma reunião.

“A comparação entre Israel e o Holocausto dos nazistas e de Hitler está ultrapassando a linha vermelha”, afirmou Netanyahu no comunicado. "Israel luta por sua defesa e garantia do seu futuro até a vitória completa."

Ele disse ainda que a "banalização do Holocausto é a uma tentativa de prejudicar o povo judeu e o direito de Israel de se defender".

Já durante o encontro desta segunda com o embaixador brasileiro em Jerusalém, o chanceler israelense Israel Katz afirmou que a comparação feita por Lula "é um grave ataque antissemita" que fere a memória daqueles que morreram no Holocausto.

O chanceler também afirmou que Lula não seria bem-vindo em Israel até que se retratasse por suas declarações.

Por sua vez, o encontro e as afirmações feitas pelo governo israelense provocaram mais uma resposta brasileira: a convocação do embaixador de Israel no Brasil.

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, se reuniu então com o embaixador Daniel Zonshine no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, também na segunda-feira.

Vieira classificou a reação de Israel a fala de Lula como "inaceitável".

Segundo o portal G1, o encontro tratou sobre o desconforto do Brasil com a postura do chanceler israelense na sua reunião com o embaixador do Brasil em Israel.

De acordo com o Itamaraty, a forma de tratamento dada ao embaixador brasileiro foi "nada diplomática", pois a declaração de Katz foi dada em um lugar público, em hebraico. E depois da tradução é que embaixador brasileiro teve conhecimento dos termos usados contra o presidente Lula.

O governo brasileiro também chamou o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, para consultas. Ele embarca para o Brasil nesta terça-feira (20/2).

Como fica a relação diplomática entre Brasil e Israel?

O Brasil sempre teve relações diplomáticas amigáveis tanto com Israel quanto com autoridades palestinas, sendo defensor da solução do conflito através da convivência de dois Estados: Israel e um Estado palestino.

Após os ataques do Hamas em Israel, o Brasil condenou as ações do grupo, que deixaram mais de 1.200 mortos e 253 reféns.

Desde então, o Brasil vem criticando também a contraofensiva israelense, que já deixou 28,8 mil mortos na Faixa de Gaza.

A posição oficial brasileira é em favor de um cessar-fogo na região.

O Brasil também apoiou o caso da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça no passado.

A África do Sul acusou Israel de genocídio contra os palestinos na ação, que foi autorizada a continuar pela Corte em janeiro.

O tribunal instruiu Israel a impedir os seus militares de cometerem atos que possam ser considerados genocidas, a prevenir e punir o incitamento ao genocídio e a permitir a assistência humanitária ao povo de Gaza.

Mas o tribunal não chegou a apelar a Israel para que suspenda imediatamente as suas operações militares em Gaza, como era desejo do país africano.

A convocação do embaixador brasileiro em Israel para reunião após a fala de Lula é vista por analistas como uma "medida drástica".

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28,8 mil pessoas morreram após ataques israelenses em Gaza

O ex-embaixador do Brasil em Londres e diplomata Rubens Barbosa afirmou à GloboNews que a fala de Lula foi "improvisada" e que o Itamaraty não compartilha dessa visão.

"É uma situação delicada. Eu não creio que esse incidente possa afetar as relações entre o Estado de Israel e o Estado brasileiro, porque há muitos interesses em jogo, inclusive na área de Defesa", disse Barbosa à GloboNews.

Enquanto isso, a situação em Gaza continua dramática. A Organização Mundial de Saúde disse que o hospital Nasser deixou de funcionar após um ataque israelita. As Forças de Defesa Israelense disseram que sua operação era “precisa e limitada” e acusou o Hamas de “usar cinicamente hospitais para o terror”.

Os esforços para chegar a um cessar-fogo entre Israel e o Hamas têm acontecido no Cairo, mas os mediadores do Qatar disseram que o progresso recente "não é muito promissor".

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