A operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) na quinta-feira (8/02) contra Jair Bolsonaro (PF), ex-ministros militares e aliados do ex-presidente foi baseada em investigações que apontaram que uma tentativa de golpe de Estado teve o envolvimento de Bolsonaro.
De acordo com a decisão do ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a operação Tempus Veritatis, a PF obteve evidências de que:
- Bolsonaro tinha conhecimento da existência de uma minuta de decreto com medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PF) e mantê-lo no poder;
- militares organizaram manifestações contra o resultado das eleições e atuaram para garantir que os manifestantes tivessem segurança;
- e que o grupo em torno de Bolsonaro monitorou os passos de Moraes, incluindo acesso à sua agenda de forma antecipada.
A investigação da PF aponta para uma suposta organização criminosa que teria tentado abolir o Estado Democrático de Direito.
A operação de quinta-feira envolveu, entre outras medidas, ordens de prisão contra quatro ex-assessores de Bolsonaro e da entrega do passaporte do ex-presidente.
Trata-se de um desdobramento do inquérito das "milícias digitais", que tramita no STF e que investiga um grupo ligado a Bolsonaro com o objetivo de promover ataques a autoridades. Bolsonaro é um dos investigados no inquérito.
A investigação também contou com informações repassadas pela colaboração premiada firmada pelo ex-Ajudante de Ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid.
Foram alvo de mandados de busca e apreensão o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha, e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL.
A operação é a que se aproximou de mais integrantes do chamado "núcleo duro" do governo Bolsonaro até o momento.
Os documentos divulgados pelo STF após a sua deflagração trazem informações sobre como funcionaria o esquema supostamente montado nos gabinetes do Palácio do Planalto para impedir que Lula tomasse posse.
Entenda a seguir os argumentos da PF e de Moraes que embasaram a operação.
Bolsonaro e a 'minuta do golpe'
Os investigadores da PF apontam que Bolsonaro não apenas teve conhecimento de uma minuta que previa sua manutenção no poder como sugeriu alterações no documento que teria recebido de seu então assessor especial para assuntos internacionais, Filipe Garcia Martins e pelo advogado Amauri Feres Saad.
Além de manter Bolsonaro no governo, o decreto previa a prisão de ministros do STF como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
"Conforme descrito, os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro JAIR recebeu uma minuta de decreto apresentado por Filipe Martins e Amauri Feres Saad para executar um Golpe de Estado, detalhando supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo e ao final decretava a prisão de diversas autoridades, entre as quais os ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do Presidente do Senado Rodrigo Pacheco e por fim determinava a realização de novas eleições", diz um trecho da representação da PF feita ao STF.
Ainda de acordo com a PF, após receber o documento, Bolsonaro sugeriu mudanças.
"Posteriormente foram realizadas alterações a pedido do então Presidente permanecendo a determinação de prisão do Ministro Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições", diz o documento.
A PF afirma ainda que após as mudanças terem sido feitas, Bolsonaro concordou com a versão do documento e convocou uma reunião com militares.
"Após a apresentação da nova minuta modificada, Jair Bolsonaro teria concordado com os termos ajustados e convocado uma reunião com os Comandantes das Forças Militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderirem ao Golpe de Estado", diz a PF ao STF.
Segundo a PF, a minuta teria sido apresentada por Bolsonaro aos então comandantes das três forças militares (Aeronáutica, Marinha e Exército) em uma reunião no dia 7 de dezembro de 2023.
De acordo com trecho de parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) com base nos dados colhidos pela PF, a reunião teria o objetivo de pressionar os comandantes militares a aderirem a um suposto golpe no mesmo dia, a fim de apresentar-lhes a minuta e pressioná-los a aderir ao golpe de Estado.
Esta não é a primeira vez que a PF encontra evidências sobre minutas prevendo a manutenção de Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições de 2022. Em 2023, a PF encontrou uma minuta prevendo a convocação de novas eleições na casa do ex-ministro da Justiça durante o governo Bolsonaro, Anderson Torres.
Desde então, Bolsonaro vem negando ter conhecimento sobre a existência do documento.
"Não tomei conhecimento desse documento, dessa minuta. Nas perícias, só encontraram digitais do delegado da operação e de um agente, de mais ninguém. Papéis, eu recebia um monte. Então, é óbvio que não tem cabimento você dar golpe com respaldo da Constituição", disse Bolsonaro em junho de 2023.
Militares organizaram manifestações e segurança de manifestantes
De acordo com a decisão de Alexandre de Moraes, a PF conseguiu obter informações que apontam que parte das manifestações contrárias ao resultado das eleições de 2022 em Brasília teriam sido organizadas por militares próximos ao então presidente Jair Bolsonaro.
As manifestações e acampamentos realizados em Brasília logo após as eleições resultaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
De acordo com a PF, essas ações eram organizadas pelo chamado "núcleo operacional" da organização investigada.
Segundo os investigadores, esse grupo ficou encarregado de planejar e executar "medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quarteis militares, incluindo mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília".
As ações seriam executadas por militares como o major do Exército Rafael Martins, alvo de um dos mandados de prisão expedidos pela PF.
"No dia 12/11/2022, o major Rafael Martins participou de reunião em Brasília/DF juntamente com Mauro Cid e outros militares investigados para tratar de assuntos relacionados a estratégia golpista", diz um trecho da representação da PF.
Os investigadores obtiveram trocas de mensagens entre Mauro Cid e Rafael Martins em que o major faz uma estimativa de custos para as ações organizadas por ele de R$ 100 mil e repassa o valor para Cid.
Em outro trecho das mensagens, Martins é orientado por Cid a trazer pessoas do Rio (provável menção à cidade do Rio de Janeiro) para Brasília e questiona Cid sobre se as Forças Armadas garantiriam a permanência delas nos locais selecionados.
A PF diz ainda que Mauro Cid teria orientado Martins a destinar os manifestantes para pontos estratégicos como o Congresso Nacional e o STF.
"O ajudante de ordens do Presidente Jair Bolsonaro (Mauro Cid) confirma que os alvos seriam o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal e sinaliza que as tropas garantiriam a segurança dos manifestantes", diz a PF.
Em outro trecho da representação feita ao STF, a polícia avalia que as manifestações não teriam tido origem apenas na mobilização popular.
"Logo após, os dois (Rafael Martins e Mauro Cid) trocam mensagens de chamamento para as manifestações do feriado de 15/11/2022 (Proclamação da República), o que demonstra que os protestos convocados não se originavam da mobilização popular, mas sim da arregimentação e do suporte direto do grupo ligado ao então Presidente Jair Bolsonaro, como estratégia de demonstração de 'apoio popular' aos intentos criminosos", diz o documento encaminhado ao STF.
Grupo monitorou voos de Moraes
Os investigadores da PF apontam ainda que militares e assessores próximos de Bolsonaro monitoraram os passos de Alexandre de Moraes e avaliam que esse monitoramento poderiam ainda estar em andamento.
Segundo a PF, o monitoramento de Alexandre de Moraes seria importante para o grupo porque se um golpe de Estado fosse dado, uma das medidas a serem implementadas era a prisão de Alexandre de Moraes, que, na ocasião, também era o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A investigação demonstra, também, a existência de um núcleo de inteligência, formado por assessores próximos ao então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, que teria monitorado a agenda, o deslocamento aéreo e a localização de diversas autoridades, dentre elas o Ministro Relator do presente inquérito (Alexandre de Moraes), com o escopo de garantir sua captura e a detenção nas primeiras horas do início daquele plano, como acentuado pela Polícia Federal", diz um trecho da decisão de Alexandre de Moraes.
A PF suspeita, ainda, que o grupo investigado pudesse ter acesso a informações privilegiadas sobre a agenda de Moraes e o uso de equipamentos tecnológicos para fazer o monitoramento do ministro.
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