Lisboa — Se havia alguma chance de o acordo entre o Mercosul e a União Europeia sair neste ano, ela foi enterrada, diante dos protestos de agricultores que tomam contra da Europa. As manifestações já atingem pelo menos 15 dos 27 países que formam o bloco europeu, com ações cada vez mais violentas, como as registradas nesta quinta-feira (01/02), em Bruxelas, na Bélgica. Centenas de produtores rurais, com seus tratores, atearam fogo em pneus, atiraram pedras e ovos em policiais e fecharam várias estradas do país, com tratores e caminhões. Também em Portugal, o dia foi marcado por rodovias bloqueadas e muitos ataques ao governo.
Segundo os agricultores, a Comissão Europeia deve interromper imediatamente as negociações com o Mercosul, pois a facilitação para a importação de produtos de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai vai massacrar o setor agrícola europeu, por causa da concorrência desleal. A França, onde as manifestações dos ruralistas duram 15 dias, já tinha se colocado contra o andamento das conversas do bloco europeu com o Mercosul. Agora, esse posicionamento foi endossado pela Irlanda e deve receber apoio de Áustria, Bélgica e Holanda. Diante desse quadro, não há como a Comissão Europeia continuar dialogando com os sul-americanos. O Brasil já foi avisado disso.
O acordo entre o Mercosul e a União Europeia vem sendo discutido há mais de 20 anos. Desde que retornou ao Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou como um de seus principais objetivos o fechamento do pacto comercial entre os dois blocos econômicos. Para isso, tratou diretamente sobre o tema com vários chefes de Estado e com a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, que sempre apoiou o fechamento de um tratado, assim como Portugal e Espanha. No entanto, esse discurso favorável ao acordo perdeu força ante as manifestações crescentes do setor agrícola, que é muito organizado e faz barulho com seus tratores e caminhões fechando estradas e paralisando cidades.
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Os ruralistas europeus mais radicais também fazem ataques diretos ao Brasil, hoje um dos maiores produtores de alimentos do mundo. A gritaria contra a entrada maciça de mercadorias brasileiras na União Europeia a preços muito competitivos ficou clara nos protestos desta quinta-feira em Bruxelas. O coro nesse sentido ainda é fraco, porque a Europa não tem hoje como sobreviver sem os produtos brasileiros, em especial, grãos e carnes. O Brasil já se tornou o quinto maior exportador para a Espanha, que enfrenta uma seca severa, com forte queda na produção agrícola.
Demandas são muitas
Os agricultores belgas, que se posicionaram em frente ao Parlamento Europeu, escolheram esta quinta-feira para protestar em Bruxelas, por causa da reunião de cúpula extraordinária que tem como tema principal a Ucrânia. Depois de muitas negociações, os 27 países aprovaram um novo pacote de apoio à economia da Ucrânia, de 50 bilhões de euros (R$ 280 bilhões). O único voto contrário a esse socorro era o do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que acabou cedendo. Esse apoio bilionário colocou mais fogo nos protestos dos ruralistas, que se sentem desprestigiados e pouco ouvidos pela União Europeia.
Para tenta acalmar os ânimos e indicar que está disposta a negociar, a Comissão Europeia atendeu a um dos pleitos dos agricultores e suspendeu a entrada em vigor de parte do pacote verde, que passou a valer neste ano e tem como objetivo fazer a transição da região para um plantio mais sustentável. Estava previsto que os ruralistas não poderiam mais cultivar em 4% das terras aradas, para que o solo se regenerasse. Mas as reclamações foram tantas, que os dirigentes europeus preferiram recuar nesse ponto.
Mesmo assim, as queixas dos produtores continuam elevadas. Em Portugal, eles fecharam as estradas um dia depois de o governo anunciar um pacote de 400 milhões de euros (R$ 2,5 bilhões) de apoio ao setor.
Apesar de o tema agricultada não estar previsto na agenda da reunião de cúpula da Comissão Europeia, o presidente da França, Emmanuel Macron, deixou claro que os protestos dos ruralistas seriam tratados em paralelo no encontro. No entender dele, não interessa para nenhum governo da região que as manifestações continuem. Para o francês e outros governantes, o setor agrícola tem razão em boa parte de suas reivindicações, e, por isso, deve ser ouvido e atendido na medida do possível. A demandas são muitas e variam de um país para o outro, indo da redução dos preços dos combustíveis à oferta de crédito mais barato.
Os líderes europeus também estão atentos às eleições parlamentares deste ano. Em junho, serão escolhidos 720 representantes dos países que vão compor o Parlamento e definir os futuros líderes da região. Os agricultores têm encontrado eco nos partidos de extrema direita de vários países, o que pode impulsionar as candidaturas de radicais que são contra o bloco, atacam a política ambiental e a presença de imigrantes na Europa. Os governos, acredita Macron, não podem se omitir agora sob o risco de colherem péssimos frutos logo ali na frente.
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