A última publicação na rede social foi feita na quarta-feira (14/2). "A colônia Yamal decidiu quebrar o recorde para bajular Vladimir (Putin) e agradar às autoridades de Moscou. Acabaram de me dar 15 dias em uma cela de punição. Ou seja, esta é a quarta cela de castigo em menos de dois meses", escreveu Alexei Navalny, por meio de sua assessora. O principal opositor russo morreu na colônia penal IK-3, a 1.900km a nordeste de Moscou, onde cumpria sentença de 19 anos de prisão.
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"Em 16 de fevereiro de 2024, no centro penitenciário nº 3, o prisioneiro Navalny A. A. passou mal, após uma caminhada e quase imediatamente perdeu a consciência", anunciou o serviço penitenciário da região do Ártico. A morte de Navalny, a 19 dias das eleições que devem consolidar o poder de Putin, escandalizou a comunidade internacional. As potências ocidentais e as antigas repúblicas soviéticas culparam diretamente o presidente russo.
A mulher de Navalny, Yulia Navalnaya, participava da Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha, quando recebeu a notícia. "Se for verdade, eu quero que Putin, seu séquito e seus amigos no governo saibam que serão responsabilizados pelo que fizeram ao nosso país, à minha família e ao meu marido. E esse dia chegará muito em breve. Quero apelar à comunidade internacional, a todos nesta sala, ao mundo, para nos unirmos e derrotarmos este mal, este regime terrível, que está na Rússia", discursou. "Putin deve carregar a responsabilidade pessoal."
Dmitri Peskov, porta-voz do governo Putin, rejeitou as acusações. "Não há nenhuma informação sobre a causa dessa morte e, no entanto, essas declarações se multiplicam. Nós as consideramos totalmente inaceitáveis", disse. "Em vez de fazer acusações grosseiras, valeria mais dar demonstrações de moderação e aguardar os resultados oficiais da investigação médica", reagiu o Ministério de Relações Exteriores da Rússia.
O destino trágico de Navalny foi o desfecho de uma vida marcada pela perseguição política. Em agosto de 2020, ele entrou em coma depois de ingerir um chá no aeroporto de Tomsk, na Sibéria. Amostras da bebida continham o agente nervoso da categoria Novichok. Após o tratamento, ele deixou a Alemanha e retornou para a Rússia. Foi preso assim que desembarcou em Moscou e condenado a três anos e meio de prisão — cumulativamente, cumpria sentenças de três décadas. Na cadeia, fez greve de fome e denunciou o péssimo tratamento. Em 2017, um médico o avisou que ele perderia 80% da visão de um olho depois de um homem jogar um líquido verde em seu rosto.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, acusou o Kremlin. "Não sabemos exatamente o que ocorreu, mas não há dúvida de que a morte de Navalny foi consequência de algo que Putin e seus criminosos fizeram. (...) Não se enganem. Putin é responsável pela morte de Navalny. O que aconteceu com Navalny é mais uma prova da brutalidade de Putin", assegurou. Segundo o democrata, Navalny "enfrentou corajosamente a corrupção, a violência e todas as coisas ruins que o governo Putin estava fazendo".
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, foi além. "(A morte de Navalny) É uma tragédia que faz o mundo inteiro lembrar-se de que Putin é um monstro", declarou à emissora CBC. O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, se disse "profundamente entristecido" e sublinhou que Navalny lutou pela democracia. "Aparentemente, pagou por sua coragem com a vida. Essa terrível notícia mostra (...) o tipo de regime que está no poder em Moscou", escreveu na rede social X. Alvo de um mandado de prisão por parte do Kremlin, a premiê da Estônia, Kaja Kallas, classificou a morte de Navalny como "uma lembrança sombria do regime desonesto ao qual somos confrontados".
Legado
Em entrevista ao Correio, Yan Rachinsky — um dos fundadores da ONG russa Memorial, ganhadora do Nobel da Paz em 2022 — destacou o legado de Navalny. "O principal, talvez, foi o apelo à atividade política, à solidariedade e à defesa dos próprios direitos. Navalny deixa um exemplo de coragem muito importante", disse.
Diretora do Centro pelas Liberdades Civis, ONG sediada em Kiev laureada com o Nobel da Paz no mesmo ano, Oleksandra Matviichuk afirmou à reportagem que Navalny foi "um exemplo único de político destemido na Rússia, onde a liberdade de pensamento é proibida". "A sociedade russa, em sua maioria, consiste em conformistas passivos. Em breve, esquecerão este assassinato político", previu. "A morte de Navalny também é responsabilidade dos cidadãos russos indiferentes, bem como de países democráticos que fazem negócios com Putin e fecham os olhos à repressão na Rússia", criticou.
Professor de história da Universidade de São Paulo (USP), Angelo Segrillo afirmou que, apesar da indignação da comunidade internacional, Putin mantém a situação controlada dentro da Rússia. "O país vive, praticamente, um estado de sítio. As pessoas não podem protestar. Não vejo a possibilidade de a morte de Navalny afetar a campanha para as eleições de 5 de março, ainda que aumente a pressão externa", comentou.
Segrillo lembrou que Navalny fez várias greves de fome por ter sido colocado em isolamento. "Agora, ele enfrentava uma condição de detenção inóspita, no Polo Norte, e reclamava de falta de medicamento", observou o professor da USP. "Navalny fez uma caminhada em uma temperatura de quase 40 graus abaixo de zero e pode ter sofrido um infarto. Na véspera, ele não apresentava problemas. Provavelmente, ele se enfraqueceu depois das greves de fome."
DUAS PERGUNTAS PARA...
Yan Rachinsky, fundador e presidente do Conselho da ONG russa Memorial, ganhadora do Nobel da Paz em 2022
O senhor culpa Putin pela morte de Navalny?
A morte de Navalny é um acontecimento trágico. É claro que a responsabilidade recai principalmente sobre as autoridades russas e Vladimir Putin.
Como vê toda a perseguição judicial sofrida por ele?
As numerosas acusações falsificadas contra Navalny e as sentenças ilegais não foram uma coincidência. Os intermináveis envios infundados para a cela de punição também não são um acidente. A prisão dos advogados de Navalny também foi uma manifestação do medo das autoridades, do desejo de isolá-lo, de privá-lo de suas últimas conexões com o mundo externo.(RC)
Coragem e carisma
Mensagem em vídeo
Alexei Navalny deixou uma mensagem para o caso de ser vítima de assassinato. A gravação faz parte do filme Navalny, vencedor do Oscar de melhor documentário em 2023. "Escutem. Tenho algumas coisas bem óbvias para lhes dizer. Vocês não têm permissão para desistir. Se decidirem me matar, isso significa que somos incrivelmente fortes. Precisamos utilizar esse poder. (...) A única coisa necessária para o triunfo do mal é as boas pessoas nada fazerem. Então, não sejam inativos", declarou.
A última audiência
O opositor russo teve a última audiência com um juiz de Moscou na quinta-feira, por meio de videoconferência. Navalny aparentava estar bem fisicamente e chegou a demonstrar bom humor "Meritíssimo. Eu enviarei o número de minha conta para que o senhor me envie dinheiro de seu enorme salário de juiz federal. Estou ficando sem dinheiro graças às suas decisões", brincou, sorrindo. O guarda do tribunal e o magistrado também sorriram. Menos de 24 horas depois, Navalny estava morto.
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