As chegadas de imigrantes à fronteira do México com os Estados Unidos atingiram níveis recordes durante a presidência de Joe Biden, o que vêm representando uma grande dor de cabeça política para o democrata em ano de eleição.
As pesquisas sugerem que mais de dois terços dos americanos desaprovam a forma como Biden lida com a questão.
Seu provável rival nas eleições presidenciais de novembro, Donald Trump, condenou nesta semana um projeto concebido conjuntamente por republicanos e democratas que estabelece leis mais duras para diminuir o fluxo migratório na fronteira. Trump diz que a legislação deveria ser ainda mais rigorosa.
Mas não são apenas os republicanos que estão descontentes com o tema. Os prefeitos democratas das cidades que enfrentam essa questão também manifestam insatisfação.
Mais de 6,3 milhões de pessoas foram detidas ao entrarem ilegalmente nos EUA sob Biden, um número superior ao de Trump, Barack Obama ou George W. Bush.
As razões para esse aumento são complexas, com alguns fatores que precedem o atual governo ou estão fora do alcance dos EUA.
Para tentar esclarecer o tema, perguntamos a especialistas o que está acontecendo.
1. Demanda reprimida após o bloqueio
O número começou a aumentar em 2018, em grande parte impulsionado pelos moradores da América Central, que fugiam de uma série de crises complexas, incluindo violência de gangues, pobreza, repressão política e desastres naturais.
As detenções caíram novamente no verão de 2019, o que as autoridades dos EUA atribuíram ao aumento da fiscalização por parte do México e da Guatemala.
A redução mais drástica ocorreu no início de 2020, quando as restrições da pandemia levaram a uma significativa queda de mais de 53% entre março e abril daquele ano.
Desde que essas medidas foram derrubadas no início de 2021, os números têm aumentado constantemente, atingindo um máximo histórico de pouco mais de 302 mil em dezembro de 2023.
“Foi quando começamos a ver um aumento novamente, principalmente de centro-americanos, depois que as restrições de mobilidade [lá] e em toda a região começaram a diminuir”, diz Ariel Ruiz Soto, analista político do Instituto de Política de Migração, com sede em Washington.
“Foi também aí que aconteceu a maior mudança e começamos a ver fluxos muito mais diversificados, começando pela Venezuela, mas também pela Colômbia, Equador e locais mais distantes.”
Os imigrantes vêm agora de lugares tão distantes como a África Ocidental, a Índia e o Oriente Médio.
De fora das Américas, o maior aumento vem da China. Mais de 37 mil cidadãos chineses foram detidos na fronteira entre os EUA e o México no ano passado, cerca de 50 vezes o número de há dois anos.
Entre as razões dadas para esse crescimento de chineses estão os problemas econômicos no país asiático após a pandemia e aumento da repressão política sob o presidente Xi Jinping.
2. Tendências migratórias globais
Os aumentos no número de imigrantes observados na fronteira entre os EUA e o México nos últimos anos também ocorrem num momento em que, globalmente, a migração para os países ricos atinge o seu ponto mais alto.
Estatísticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgadas no final do ano passado, mostram que 6,1 milhões de novos imigrantes permanentes se mudaram para os seus 38 Estados membros em 2022 — um aumento de 26% em relação a 2021 e 14% superior ao de 2019.
O número de pessoas que receberam asilo nos EUA duplicou em 2022, impulsionado em grande parte por migrantes da Venezuela, Nicarágua e Cuba. Os EUA estão agora atrás apenas da Alemanha em níveis de migração humanitária.
“Estamos sofrendo com deslocamentos de todo o mundo a um nível nunca visto na história, e as pessoas estão aparecendo na nossa fronteira sul por uma variedade de razões diferentes”, explicou Jorge Loweree, diretor-gerente de programas do Conselho Americano de Imigração, um grupo sem fins lucrativos, localizado em Washington.
“Existem quatro Estados falidos só no nosso hemisfério.”
3. De Trump a Biden
A mudança na Casa Branca em 2021 também contribuiu, dizem alguns especialistas.
Mesmo que nunca se tenha tornado realidade, a promessa do ex-presidente Trump de construir um muro fronteiriço e acelerar as deportações, além das notícias sobre a separação de crianças e seus pais detidos, considerada por muitos como cruel, deram a impressão de que os EUA estavam fechando a sua fronteira.
Sob o presidente Biden, houve uma mudança de tom e de política. As deportações diminuíram e o alardeamento de políticas anti-imigração mais duras terminaram.
Os imigrantes foram colocados em liberdade condicional nos EUA para aguardar as datas dos tribunais de imigração — um processo que muitas vezes pode levar anos.
As pessoas que tentaram cruzar a fronteira durante esse período disseram à BBC que achavam que entrar e permanecer nos EUA seria mais fácil agora.
E coiotes, contrabandistas que vendem as travessias ilegais, aproveitaram uma mudança na presidência para criar um sentimento de urgência de que interessados deveriam se apressar para cruzar a fronteira.
"Parte disso é que eles acham que podem simplesmente vir. Acho que é exatamente isso que estão dizendo a eles", disse Alex Cuic, advogado de imigração e professor da Universidade Case Western Reserve, em Ohio.
“Eles sentem que há um caminho para vir até aqui”, acrescentou. “É quase como um convite.”
Por outro lado, alguns ativistas de imigração criticaram a administração Biden e os legisladores dos EUA de ambos os partidos por não terem conseguido aprovar uma reforma imigratória significativa.
A última grande revisão do sistema ocorreu há mais de 30 anos e agora o projeto de lei multipartidário apresentado ao Congresso nesta semana parece com chances diminuídas de sucesso devido à oposição parlamentares republicanos mais linha dura.
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