O glitter que você usa durante o Carnaval pode ter tudo a ver com o oceano.
As pequenas partículas brilhantes que adornam o corpo dos foliões são feitas de plástico, material que não é biodegradável.
Quando se lava o corpo ou rosto coberto de glitter, as peças escorrem pelo ralo. Pequenas demais para serem filtradas no sistema de tratamento de esgoto, acabam parando em rios e mares.
O plástico é o maior poluente do oceano. E o glitter é um "microplástico", como são chamadas as partículas desse material com menos de 5 milímetros.
Nem todas têm o tamanho que o glitter tem originalmente: parte delas são grandes produtos de plástico que chegaram a esse tamanho depois de sua deterioração por forças mecânicas no oceano ou radiação solar.
No oceano, essas partículas de microplástico podem ser ingeridas pela fauna marinha.
Por conta dos possíveis danos ambientais, o produto se tornou alvo de proibições em vários países.
No Brasil, há dois projetos de Lei na Câmara dos Deputados, que foram juntados por serem semelhantes, que tentam barrar a venda de glitter com microplástico. As propostas, apresentadas em 2019 e em 2020, seguem à espera de parecer da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviço.
Trilhões de partículas
Pesquisas recentes mostram que microplásticos prejudicam o início da cadeia de alimentação aquática, como os plânctons, um alimento dos peixes, que, por sua vez, alimentam os humanos.
"Também afetam ostras e mexilhões", explicou Trisia Farrelly, especialista em ecologia urbana na Universidade de Massey, na Nova Zelândia.
"Os microplásticos ingeridos por esses organismos podem afetar seu crescimento e atrapalhar sua alimentação como um todo - e consequentemente impactar toda a cadeia de alimentação."
Não há estudos sobre o glitter nesse contexto, especificamente, porque não é fácil identificar a origem de um microplástico. Mas o material é contabilizado entre os microplásticos que poluem o oceano - são entre 15 e 51 trilhões de partículas, segundo um estudo de 2015 conduzido por pesquisadores do Imperial College London, de Londres, em parceria com especialistas da Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Holanda, e outros países.
Para Joel Baker, do Centro de Águas Urbanas da Universidade de Washington, não se pode medir o impacto dos microplásticos no oceano. "Não sabemos se há um problema, mas não é um absurdo ser cuidadoso e não querer colocar coisas no meio ambiente que o degradem."
Parte dos microplásticos são os microbreads, ou grânulos, como os presentes em pastas de dentes e esfoliantes.
"É plástico feito para ter uma vida muito curta. Você limpa seu rosto ou seus dentes, enxágua e eles vão direto para o ralo", diz Farrelly.
O uso de grânulos em produtos como esses foi proibido em vários países como Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e na União Europeia. No Brasil, seu uso ainda é permitido.
No ano passado, a União Europeia proibiu a venda de produtos com microplásticos de modo geral, como glitter, em seus países. Na região, a estimativa era de que 42 mil toneladas de pequenas microesferas eram liberadas anualmente.
Diante da proibição em diversos países, uma das principais alternativas adotadas por empresas, até mesmo no Brasil, é a fabricação de glitter biodegradável a partir de celulose, também metalizada com uma camada de alumínio.
"Precisamos pensar no impacto que causamos", disse Sherri Mason, professora de química da Universidade do Estado de Nova York em Fredonia e especialista em poluição de plástico em ecossistemas aquáticos.
Ela observa que, embora seja uma iniciativa positiva, "glitter biodegradável não dará conta da demanda que temos". "Então eu insisto que temos que reduzir o uso de glitter."
Farrelly, da Nova Zelândia, diz que "o glitter, em si, não é o problema". "O glitter é uma parte do problema. E se está chamando atenção para o problema maior, então ótimo."
Como o glitter é produzido?
O glitter de plástico como o conhecemos é produzido a partir de placas de PET ou PVC que são metalizadas com alumínio e, depois, tingidas com cores diferentes.
Depois desse processo, explica o americano Joe Coburn, um dos proprietários da fábrica de glitter RJA-Plastics GmbH, as placas de plásticos são revestidas novamente com uma camada transparente para tentar "segurar" sua cor e dar consistência ao alumínio.
Essas placas são então cortadas em pequenas partículas e passam por uma máquina que tem um cilindro com 60 dentes rotativos de corte e uma faca - uma espécie de combinação entre um triturador de galhos e um triturador de papel.
Hexágono e outras curiosidades
"Matematicamente, o formato das partículas que causa menos desperdício é o hexágono", diz Coburn. Por causa disso, este é justamente o formato em que a maior parte das partículas de glitter, segundo ele, são trituradas.
"E isso também faz com que as diferentes partículas de glitter nunca caiam no mesmo ângulo. Quando não estão uniformes, brilham mais, porque há mais chances de receberem luz em diferentes partes."
Ele também explica que há diferenças entre a durabilidade das cores: um vermelho intenso não se mantém dessa cor ao longo do tempo tão facilmente quanto o glitter verde claro. E o tamanho também varia: o menor tipo de glitter já produzido pela empresa tem 0.02 mm.
*Esta reportagem foi publicada originalmente em 28 janeiro 2018 e atualizada em 6/2/2024
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