Lisboa — Dentro de pouco mais de um mês, precisamente em 10 de março, os portugueses vão às urnas para selar o destino do país. A disputa promete ser a mais acirrada nos 50 anos de democracia de Portugal, com os eleitores extremamente divididos, num quadro muito parecido com o que se viu no Brasil em 2018, que resultou na eleição de Jair Bolsonaro, e na Argentina, no ano passado, com a vitória de Javier Milei. A descrença com o sistema político é crescente e grupos radicais tentam demonizar a democracia.
Nesse contexto, acredita o cientista político Christian Lynch, do movimento Política Viva, ainda que hoje seja improvável, não se pode descartar a possibilidade de a extrema-direita, representada pelo partido Chega, alcançar o poder em Portugal. Pela mais recente pesquisa de intenção de votos, a legenda comandada por André Ventura tem 21% da preferência da população, contra 29% do Partido Socialista (PS) e 27% do Partido Social Democrata (PSD). “Chance sempre tem. É preciso saber se haverá resiliência ou não do sistema político português”, diz.
Para Lynch, não se pode piscar um segundo em relação aos movimentos da ultradireita populista, pois todas as vezes em que se desacreditou, aconteceu o pior. Na maior parte da campanha de Bolsonaro à Presidência da República, muita gente desdenhou da capacidade de vitória dele. Portanto, acredita o cientista político, é preciso estar sempre atento aos sinais e avaliar o que ocorreu no Brasil. “Portugal, com seu sistema semiparlamentarista, tem um diferencial que reduz o poder do chefe de governo, já que o presidente pode impor limites, ao contrário do modelo presidencialista, em que o eleito assume o controle total do Executivo”, assinalou ele, que participou de um ciclo de debates do Cícero Bristot.
Há, inclusive, exemplos muito próximos de Portugal, em que, mesmo com sistemas parlamentaristas, a extrema-direita chegou ao poder. “Isso foi possível na Itália e em países da Europa Oriental. Foi possível até na Inglaterra, embora de uma forma muito mais suave”, ressalta. “O movimento da direita populista se baseia, principalmente, na crença de uma crise do sistema político, que torna possível a um homem, por sua vontade, resolver tudo. É o culto da vontade política, de se querer passar por cima da política, que são as negociações. Portugal tem algo semelhante acontecendo. Então, toda atenção é pouca”, alerta.
Apoio dos brasileiros
A boa notícia, acredita o autor do livro O populismo reacionário: ascensão e legado do bolsonarismo, é que a crise portuguesa, que tem a corrupção como peça-chave, não parece ser tão grande, como na Argentina e no Brasil. “Então, não sei se o Chega consegue fazer maioria, ser hegemônico no Parlamento nessa eleição. Acho improvável, a julgar pelas sondagens”, afirma. No entender de Lynch, mesmo que o partido de André Ventura faça uma boa bancada — hoje, tem 12 deputados —, será obrigado a negociar com outras siglas. “O que ele vai fazer? Vai ficar na oposição, mesmo que o PSD, de centro-direita, seja o vitorioso? Vai impor condições ao PSD? Tudo isso há de se ver depois”, destaca.
Expectativas à parte, o estudioso alerta ser preciso que as pessoas conscientes e comprometidas com a democracia, que têm comprometimentos institucionais, mostrem os riscos que se está a correr e os exemplos de outros países. “Isso já aconteceu no Brasil, na Argentina, nos Estados Unidos, na Hungria, na Polônia, na Itália”, lista. A seu ver, os eleitores podem fazer escolhas que sejam conservadoras, mas sempre dentro de um conservadorismo compatível com o Estado democrático de direito. “É fundamental mostrar que o conceito de democracia mobilizado pelos populistas reacionários não é compatível com a democracia que conhecemos e prezamos. As pessoas acham que os riscos são apenas para os ciganos, os imigrantes, os católicos, mas são para todos, basta ser crítico do governo”, enfatiza.
Ele chama a atenção, ainda, para o grande número de brasileiros que vivem em Portugal, sobretudo, no Norte do país, apoiando o Chega. “Acho que esses brasileiros são bolsonaristas que ficam particularmente felizes porque estão em um lugar em que, aparentemente, não existem negros, não existe tudo aquilo que eles odeiam no Brasil. Eles estão identificados com uma elite branca dominante que haveria em Portugal”, afirma. E vai além: “Quando comparam a elite portuguesa com a brasileira, eles pensam que estão num lugar melhor, porque estão na Europa, onde não se têm as vicissitudes da população, especialmente a mestiça”.
Na opinião de Lynch, os brasileiros apoiadores da extrema-direita em Portugal acreditam ser europeus. “Isso é engraçado, pois eles se identificam com o elemento que seria outrora colonizador, assim como os trumpistas se identificam, nos Estados Unidos, com o elemento colonizador norte americano”, diz. “O problema é que, em Portugal, não se tem esse reconhecimento por parte da extrema-direita. O Chega, partido de André Ventura, considera os brasileiros cidadãos de segunda categoria. Eles não participam da família portuguesa do ponto de vista histórico, cultural ou religioso. Então, são refugados e vivem na contradição”, conclui.
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