A última vez em que vi Igor Girkin foi há cinco anos, na escadaria de uma agência de notícias em Moscou.
"Você toparia me dar uma entrevista?", perguntei.
"Não", ele respondeu bruscamente e saiu correndo.
Eu o vi novamente nesta quinta-feira (25). Sem escadaria. Desta vez, Girkin estava enjaulado e cercado pela polícia no Tribunal da Cidade de Moscou.
Juntamente com outros meios de comunicação, fomos autorizados a filmá-lo durante apenas um minuto antes do final do seu julgamento.
Um cão farejador latia insistentemente. Girkin achou isso divertido. O veredito, nem tanto.
Minutos depois, ele foi considerado culpado pela acusação de extremismo e foi condenado a passar quatro anos em uma colônia penal russa.
Esta não foi sua primeira condenação.
Em Haia, à revelia, Girkin foi em 2022 considerado culpado pelo assassinato de 298 pessoas: passageiros e tripulantes do voo MH17 da Malaysian Airlines.
Um jato Boeing foi abatido sobre o leste da Ucrânia em 2014 por forças controladas pela Rússia, nos primeiros estágios da ofensiva russa naquele país.
Das 298 pessoas que estavam no voo, 196 eram dos Países Baixos.
Girkin foi um dos três homens condenados à prisão perpétua pelo ataque — um julgamento que ele ignorou.
Um ano depois de termos nos encontrado na escadaria, consegui falar com Girkin por telefone e perguntei sobre Haia.
“Não reconheço a autoridade do tribunal holandês nessa matéria”, me disse ele.
“Sou militar e não vou aceitar que um tribunal civil num país estrangeiro tenha autoridade para condenar uma pessoa que participou de uma guerra civil em outro país, apenas porque os seus civis foram mortos."
"Você sabe quem derrubou [o avião]?"
"Os rebeldes não derrubaram o Boeing. Não tenho mais nada a dizer."
"Se não foram os rebeldes, foram os soldados russos?", perguntei.
"É isso. Adeus", e desligou.
Agora, ele vai para a prisão. Mas não por assassinato em massa. E não para a prisão perpétua.
Críticas públicas a Putin
Girkin, também conhecido pelo seu pseudônimo Igor Strelkov, é um ex-oficial da FSB, a agência de segurança secreta russa. Ele trabalhou no serviço de segurança interna da Rússia.
Em 2014, desempenhou um papel fundamental nos combates na região ucraniana de Donbass: um conflito arquitetado e orquestrado por Moscou.
Ele organizou e comandou milícias pró-Rússia no leste da Ucrânia.
O tribunal holandês decidiria mais tarde que a Rússia controlava as forças separatistas que lutavam no leste da Ucrânia e que Girkin ajudou a levar para a Ucrânia o sistema de mísseis Buk, utilizado para abater o voo MH17.
Após a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em 2022, o ultranacionalista Girkin se tornou um proeminente blogueiro pró-guerra.
E se tornou cada vez mais crítico em relação à forma como as autoridades russas estavam travando o conflito: não de forma suficiente, ele opinava.
Ele fundou um movimento nacionalista linha-dura chamado The Club of Angry Patriots ("O Clube dos Patriotas Furiosos", em tradução literal).
Os seus problemas começaram quando ele começou a descontar essa raiva em Vladimir Putin.
As críticas públicas ao presidente russo transformaram-se em insultos. Num post do ano passado, Girkin descreveu Putin como “uma não-entidade” e “um covarde desperdício de espaço”.
Poucos dias depois, ele foi preso. E agora foi julgado e condenado.
É claro que uma pena de quatro anos é leve em comparação a outras penas recentes impostas pelos tribunais russos.
No ano passado, o ativista pró-democracia Vladimir Kara-Murza foi condenado a um quarto de século atrás das grades depois de ter sido condenado por traição — um caso que ele e os seus apoiadores insistem ter tido motivação política.
Como os Angry Patriots reagiram à pena de prisão de Girkin?
Algumas dezenas de apoiadores se reuniram em frente ao Tribunal da Cidade de Moscou para gritar "Liberdade para Strelkov!", mas havia pouco sinal de otimismo em suas vozes.
“Eles levaram um patriota nacional russo a julgamento”, disse um dos manifestantes.
"Espero que nosso povo acorde e lute. Infelizmente, não vemos muita resistência. Todo mundo parece estar se escondendo."
Também na multidão estava o coronel aposentado e ultranacionalista Vladimir Kvachkov.
Dizendo que “a Rússia será sempre inimiga do Ocidente anglo-saxônico” e assegurado que a dissolução do Reino Unido era inevitável, Kvachkov afirmou que Girkin estava sendo punido por “lutar contra o sistema”.
Nos últimos anos, o “sistema” se concentrou em limpar o cenário político russo de críticos e desafiantes pró-democracia e pró-Ocidente.
A pena de prisão para Girkin sugere que as autoridades russas decidiram agora reprimir os críticos do extremo oposto do espectro políticos: os chamados ultrapatriotas.
O motim do ano passado levado a cabo pelos mercenários Wagner liderados por Yevgeny Prigozhin pode ser a razão.
A gestão Putin tem sobrevivido às revoltas nesse lado do espectro. Mas os acontecimentos recentes devem ter alertado o Kremlin para os perigos potenciais dos movimentos nacionalistas.