Bombardeios realizados pelo Paquistão — único país muçulmano detentor de armamentos nucleares — contra supostos "esconderijos terroristas" na província do Sistão-Baluchistão, no leste do Irã, deixaram nove mortos e elevaram a tensão no Oriente Médio e na Ásia Central. A operação militar ocorreu dois dias depois de ataques perpetrados pelo Irã contra o grupo extremista Jaish Al-Adl, que operava em território paquistanês. Ela acontece no contexto da guerra travada entre Israel e o movimento fundamentalista palestino Hamas, na Faixa de Gaza, e dos atentados cometidos pelos rebeldes separatistas xiitas huthis contra embarcações no Mar Vermelho.
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Ao longo da semana, o Irã também disparou mísseis e usou drones em bombardeios na região do Curdistão iraquiano e na Síria. Nesta quinta-feira (18), 10 civis também morreram em ofensivas aéreas travadas pela Jordânia na Síria — os alvos seriam traficantes de drogas.
O Ministério das Relações Exteriores do Paquistão confirmou o lançamento de "uma série de ataques militares coordenados" e "com precisão contra esconderijos terroristas na província do Sistão-Baluchistão, no Irã". "Vários extremistas morreram", acrescentou o comunicado da chancelaria, segundo o qual as forças de Islamabad agiram "à luz de informações confiáveis que permitiram impedir atividades terroristas em grande escala".
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez rápido comentário sobre a tensão entre Islamabad e Teerã. "Como vocês podem ver, o Irã não é particularmente querido na região", declarou. "Para onde — para onde isso vai, estamos trabalhando agora. Eu não sei aonde isso vai."
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, externou "profunda preocupação" pelos ataques e instou o Irã e o Paquistão a "evitarem uma escalada". "O secretário-geral está profundamente preocupado com a recente troca de ataques militares entre Irã e Paquistão", disse, em nota, Stéphane Dujarric, porta-voz de Guterres. "O chefe da ONU urge ambos os países a praticarem contenção máxima para evitar uma escalada maior das tensões."
Trocas diplomáticas
De acordo com o paquistanês Hasan-Askari Rizvi, estrategista militar da Universidade do Punjab (em Lahore), os ataques de Teerã com mísseis e drones a um vilarejo próximo da fronteira entre Irã e Paquistão surpreenderam a todos, principalmente pelo fato de os canais diplomáticos entre os países estarem sempre abertos. Teerã e Islamabad têm trocado informações sobre grupos terroristas que se movem em ambas direções por meio da fronteira porosa.
"Parece-me que o establishment militar iraniano, especialmente o 'Pasdaran' (Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica), tomou a decisão de empreender ações militares na Síria, no Iraque e no Paquistão para responder a pressões iranianas causadas pelo atentado em Kerman, no aniversário de morte do general Qasem Soleimani. Eles querem mostrar à opinião pública que os terroristas vêm de fora do país e que o Irã tem capacidade de lidar com eles tanto internamente quanto no exterior", explicou Rizvi ao Correio.
Em relação ao Paquistão, Rizvi afirmou que insurgentes do Baluchistão utilizam o território iraniano como esconderijo e alguns extremistas baseados no Irã também invadem o lado paquistanês. "Depois do último incidente, Paquistão deu, inicialmente, uma responsa diplomática. Os dois chanceleres conversaram ao telefone. No entanto, as autoridades do regime teocrático islâmico insistiram que a ação era contra terroristas, não contra o Paquistão. Na noite de ontem (quarta-feira), Islamanbad lançou uma operação área contra os insurgentes do Baluchistão dentro do território iraniano", relatou o estrategista militar paquistanês.
Ele acrescentou que o Paquistão chamou o embaixador de volta; e o Iraque retirou seu representante de Teerã, mas não teria condições de responder militarmente. "A Síria ficará quieta. O Paquistão respondeu por meios militares e diplomáticos. Teremos que esperar pela reação do Irã. Nosso país ofereceu, novamente, canais diplomáticos para lidar com a questão do terrorismo", disse Rizvi. "A preferência do Irã é pela diplomacia e pelo diálogo. Se os iranianos insistirem na ação militar, a situação pode se deteriorar."
Especialista em segurança nacional, o paquistanês Ahmed Quraishi lembrou que o regime dos aiatolás tornou-se fonte constante de tensões e danos regionais desde a tomada de poder do xá Reza Pahlavi, em 1979. "Sob os aiatolás, o único papel do Irã é o de ser um 'valentão' regional", ironizou, por e-mail. "A Guarda Revolucionária planejou um grande golpe publicitário, alegando atingir as instalações do serviço de espionagem israelense Mossad no Iraque, na Síria e no Paquistão e angariar simpatia da opinião pública árabe. Calcularam mal a resposta do Paquistão, que estragou a festa."
EU ACHO...
"As atividades militares do Irã minam a interação diplomática entre Teerã e Islamabad. A ação iraniana contra os três países isolou ainda mais o Irã. A maioria dos Estados árabes e do Golfo Pérsico têm reservas quanto à política externa iraniana. Paquistão, Iraque e Síria tinham boas relações de trabalho com o Irã. Agora, Bagdá e Islamabad terão restrições, a menos que o Irã mude suas políticas. Estes incidentes mudam o foco da guerra Gaza-Israel, pelo menos temporariamente."
Hasan-Askari Rizvi, estrategista militar da Universidade do Punjab (em Lahore)