Os adversários políticos são "parasitas", e os imigrantes "envenenam o sangue" dos Estados Unidos, além de destruirem o tecido social. Horas depois de um discurso polêmico para marcar a vitória-relâmpago no caucus republicano de Iowa, com 51% dos votos, Donald Trump — que prometeu realizar a maior operação de deportação da história — retornou ao banco dos réus. Desta vez, o ex-presidente de 77 anos começou a ser julgado por difamação em um processo movido por E. Jean Carrol, 80. Em 2023, a escritora tinha ganhado outro processo por agressão sexual.
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Jornalistas que tiveram acesso à sala de audiências da Corte Federal de Manhattan relataram que Trump e Carroll evitaram a troca de olhares. Em junho de 2019, a escritora mencionou o magnata em um artigo no qual denunciou ter sofrido uma agressão sexual. Trump reagiu ao afirmar que Carroll não fazia o seu tipo. "Nunca vi essa mulher na minha vida (…) não faço ideia de quem ela seja", comentou o ex-presidente. Carroll pede à Justiça uma reparação de US$ 10 milhões (cerca de R$ 48,7 milhões) por danos à sua reputação profissional.
Os problemas judiciais não parecem incomodar os planos de Trump de retornar à Casa Branca em 2025. Professor de ciência política da Universidade de Iowa, Tim Hagle admitiu ao Correio que a vitória dele em seu estado não era algo inesperado. "Ainda que Trump não seja oficialmente o titular da Casa Branca, é como se fosse um ex-presidente concorrendo a um segundo mandato não consecutivo. É claro que Trump tem problemas jurídicos adicionais que não teve nas campanhas anteriores. O aspecto moral em relação à figura de Trump varia. Certamente, há pessoas que não gostam dele desde 2015. No entanto, na política, você não tem que gostar de alguém para concordar com as posições políticas da pessoa."
Segundo Hagle, o mesmo ocorre com Trump: um lado (os democratas e a esquerda) buscam demonizá-lo; por outro lado, muitos dos simpatizantes gostam de seu estilo agressivo de reagir à mídia e à esquerda.
"Perseguição política"
Hagle concorda que tantos indiciamentos criminais soam ruins para um candidato. "A diferença aqui é que os apoiadoes de Trump acreditam em perseguição política, e isso apenas serviu para fortalecer a sua base. Além disso, os indiciamentos são questionáveis até mesmo para observadores neutros", ponderou. O professor da Universidade de Iowa considera que o caso julgado pela Corte Federal de Manhattan, em Nova York, parece exagerado e politicamente motivado. "O mesmo vale para o caso na Geórgia (a suposta pressão exercida sobre o procurador do Estado para reverter o resultado das eleições). O indiciamento na Flórida sugere inconsistência com o modo com que outros presidentes tiveram problemas pelo tratamento dispensado a documentos secretos. Por causa de tudo isso, os seus apoiadores uniram-se em torno dele, em vez de o abandonarem."
Dennis J. Goldford — cientista político da Drake University (em Des Moines, Iowa) — entende que a vitória de Trump no caucus confirma não apenas o status de favorito, como também o fato de o Partido Republicano se tornar, em sua maioria, pró-Trump. "Não é o mesmo partido de uma década atrás. Para os simpatizantes do ex-presidente, suas dificuldades jurídicas são falsas e politicamente motivadas. A aparição na Corte não mudará a lealdade de seus apoiadores", disse ao Correio.
Goldford alerta que, caso Donald Trump vença nas eleições de 5 de novembro, ainda sujeito a julgamento, os EUA estarão em uma "situação constitucional sem precedentes". "Há uma política de que um presidente em exercício não pode ser julgado. Opositores de Trump argumentam que a razão pela qual ele concorre à reeleição é se manter fora da prisão. Não sou alarmista, mas creio que vivemos tempos extraordinariamente preocupantes ou mesmo perigosos."
EU ACHO...
"Há, certamente, uma divisão mesmo entre republicanos sobre como Trump modificou o Partido Republicano. Pode ser bom para partidos serem chacoalhados um pouco para que não se estagnem. Por outro lado, eles não querem retornar a algo que não mais reconhecem. É dificil prever o efeito de Trump e de sua abordagem a longo prazo. O partido parece estar mais disposto a lutar contra a esquerda agora, mas resta saber se isso continuará depois que Trump deixar a cena política."
Tim Hagle, professor de ciência política da Universidade de Iowa