O social-democrata Bernardo Arévalo deve assumir a Presidência da Guatemala no próximo domingo (14/1), depois de enfrentar uma perseguição judicial implacável, a qual atribui à sua promessa de resgatar a frágil democracia da Guatemala da elite corrupta que, segundo ele, se mantém no poder.
Este ex-diplomata e sociólogo, de 65 anos, que denunciou essa ofensiva como uma tentativa de "golpe de Estado", será empossado no Teatro Nacional Miguel Ángel Astúrias, em sessão solene de um Congresso que lhe será adverso.
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Desde que passou para o segundo turno, em junho, contrariando todas as previsões, conseguiu se desviar das tentativas do Ministério Público de suspender sua imunidade e anular o resultado eleitoral, mas deve enfrentar a suspensão de seu partido, Semilla, e o risco de que seus deputados tenham pouca margem de manobra.
Apoiado por Estados Unidos, União Europeia, pelos países latino-americanos e por organizações internacionais, Arévalo substituirá o direitista Alejandro Giammattei, a quem seus apoiadores acusam de apoiar a procuradora-geral Consuelo Porras, ponta de lança da investida judicial.
A tarefa será imensa. "Ele governará coexistindo com a procuradora que o atacou e afetou a democracia em níveis inimagináveis", disse à AFP Edie Cux, diretora da Acción Ciudadana, versão local da Transparência Internacional.
Arévalo criou enormes expectativas em uma sociedade farta da corrupção, atormentada pela violência das gangues e pelo tráfico de drogas, e onde seis em cada dez guatemaltecos vivem na pobreza.
"É, sem dúvida, uma enorme responsabilidade. Mas as pessoas sabem que não é uma tarefa que se resolve da noite para o dia", comentou Arévalo em entrevista à AFP no final de dezembro.
"Reconstruir a democracia"
Filho do primeiro presidente democrático da Guatemala, Juan José Arévalo (1945-1951), gestor de reformas sociais, o futuro governante prometeu fechar a torneira do dinheiro público que enriqueceu as elites, enquanto a população sofre dificuldades.
Uma em cada duas crianças com menos de cinco anos sofre de desnutrição e o analfabetismo chega a 18%. A maior economia da América Central expulsa dezenas de milhares de pessoas todos os anos, que saem em busca trabalho nos Estados Unidos, cujas remessas ajudam a sustentar o país (20% do PIB), segundo dados oficiais.
Mas para avançar socialmente, segundo Arévalo, a "luta sustentada e gradual" deve começar a resgatar instituições que ele diz terem sido "cooptadas" pelas "elites corruptas", como o Ministério Público, o Congresso, os tribunais ou a Controladoria.
"É um problema sistêmico", afirma ele.
Sua estratégia inclui a criação de uma comissão para propor reformas que impeçam o enriquecimento ilícito e o clientelismo político em uma Guatemala que ocupa o 30º lugar no ranking de corrupção da Transparência Internacional, entre 180 países.
"Ele tem uma tarefa muito importante e urgente de reconstruir a democracia" e alcançar a governabilidade, disse à AFP o ex-advogado de direitos humanos Jordán Rodas, exilado em Washington. Sua experiência na resolução de conflitos, diz Rodas, pode ajudar.
Arévalo também é filósofo, estudou em Israel e na Holanda e fala cinco línguas. Nasceu em Montevidéu e viveu sua infância na Venezuela, no México e no Chile, no exílio de seu pai após o golpe de Estado orquestrado por Washington contra o progressista Jacobo Árbenz (1951-1954).
Uma "emboscada"
Durante meses temeu-se que os ataques do Ministério Público, que chegou a invadir a sede do tribunal eleitoral e a confiscar cédulas de votação, impedissem Arévalo de assumir o poder.
Ao longo do caminho houve vários detidos e exilados, uma pilha de ações judiciais a favor e contra Arévalo, e uma bateria de sanções de Washington contra promotores, juízes, funcionários e cerca de 100 deputados a quem acusou de corrupção e de minar a democracia.
O Tribunal Constitucional exigiu garantias para a transição do poder e, ainda na quinta-feira, concedeu uma "proteção" à vice-presidente eleita, Karin Herrera, devido aos rumores de um mandado de prisão.
Arévalo afirma que uma das primeiras coisas que fará como presidente será pedir a renúncia de Porras. Mas os analistas alertam que a ofensiva contra ele está longe de acabar.
"Eles vão deixar o presidente em uma emboscada, no primeiro descuido vão querer suspender sua imunidade e destituí-lo", afirmou à AFP Manfrendo Marroquín, cofundador da Acción Ciudadana.
Em seu percurso até a posse, Arévalo contou com o apoio decisivo dos jovens, muito ativos nas redes sociais, e dos indígenas, historicamente marginalizados e que representam 40% dos 17,8 milhões de guatemaltecos.
Dormindo ao ar livre, grupos de indígenas permaneceram em frente ao Ministério Público por mais de 100 dias para exigir a renúncia de Porras.
"Terá que responder às suas expectativas. Mas não se pode esperar que venha com uma varinha mágica", disse Rodas.