Sob o respaldo dos governos de Brasil e Colômbia, a África do Sul apresentou, ante a Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia (Holanda), um acusação formal contra Israelpela "intenção arrepiante e incontestável" de destruir e cometer genocídio na Faixa de Gaza. "Os atos e as omissões de Israel reclamados pela África do Sul têm caráter genocida, pois se destinam a provocar a destruição de uma parte substancialdo grupo nacional, racial e étnico palestino", afirma o documento assinado pelo embaixador sul-africano em Haia, Vusimuzi Madonsela.
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Adila Hassim, advogada representando a África do Sul, lembrou que os genocídios jamais são declarados antecipadamente, mas frisou que a CIJ tem o "benefício" das últimas 13 semanas de evidências. "Elas mostram, incontestavelmente, um padrão de conduta e uma intenção relacionada que justificam uma alegação plausível de atos genocidas", declarou, ao apresentar o caso ante os 17 juízes.
O ministro da Justiça da África do Sul, Roland Lamola, sublinhou que "nenhum ataque armado ao território de um Estado, por mais grave que seja (...), justifica a violação da Convenção (sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio)". "A resposta de Israel ao ataque de 7 de outubro ultrapassou essa linha." Lior Haiat, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores israelense, classificou a África do Sul como um "braço legal" do movimento extremista palestino Hamas.
Em discurso televisionado, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que seu país combate terroristas e mentiras. "Mais uma vez, assistimos a um mundo invertido, em que o Estado de Israel é acusado de genocídio,no momento em que luta contra o genocídio. (...) A hipocrisia da África do Sul grita aos céus.Onde estava a África do Sul quando milhões de pessoas foram assassinadas e desenraizadas das suas casas na Síria e no Iêmen?Por quem? Pelos parceiros do Hamas", declarou u o chefe de governo. Hoje, será a vez de Israel apresentar seus argumentos ante a CIJ.
Morador de Deir Al-Balah, no centro-sul da Faixa de Gaza,o engenheiro civil Mohammed Al Assar desabafou à reportagem: "Genocídio é elogio para o que ocorre aqui".Nos últimos 97 dias, ele viu "muitos" familiares morrerem nos bombardeios. "Perdi vários primos. É massacre, destruição e fome. Um inferno", lamentou. Ontem, a luta de Mohammed era para encontrar água potável e comida. "Precisamos de dinheiro para comprarmos uma tenda, morarmos nela e tentarmos permanecer vivos", relatou Mohammed, que perdeu a casa em um ataque aéreo. O Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo Hamas, afirma que 23.469 palestinos morreram durante a guerra.
Embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zohar Zonshine explicou ao Correio que, de acordo com a definição da ONU, "genocídio é um crime cometido com a intenção de destruir um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, por inteiro ou em parte". "Isso foi o que o Hamas tentou fazer em 7 de outubro, ao assassinar israelenses apenas por serem israelenses, não por algo que fizeram ou não fizeram. Pelo contrário, o que Israel está tentando fazer é alvejar integrantes do Hamas, não o povo de Gaza", afirmou.
De acordo com o embaixador, a África do Sul adotou uma abordagem favorável ao Hamas desde o primeiro dia, depois de 9 de outubro. "Não há base para suas acusações contra Israel. Israel não tem civis como alvos em Gaza. Tentamos evitar pessoas não envolvidas (com o Hamas). O fato de o Hamas usá-los como escudos humanos é a razão pela qual muitas pessoas em Gaza são vítimas da violência", disse. "Entre as pessoas mortas em Gaza, cerca de 8 mil ou 9 mil eram integrantes do Hamas, eliminados durante combates com as forças israelenses."
Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina em Brasília, considerou a sessão em Haia histórica. "O processo de responsabilização do colonialismo recomeçou. É verdade que o processo é judicial, mas o mais importante está em sua dimensão humana. É urgente parar o genocídio em Gaza", comentou ao Correio. Ele destacou que, pela primeira vez, Israel se encontra perante um tribunal internacional, "forçado a pagar o preço pelos seus repetidos crimes de agressão, ocupação e deslocamento da população, e pelas declarações irresponsáveis de líderes, ministros e clérigos que apelaram ao extermínio dos palestinos". "Ninguém está imune à Justiça. Isso aproxima Israel do dia do pagamento da conta", advertiu Alzeben.
O diplomata acredita que a acusação apresentada em Haia representa a justiça para o povo palestino. "Suportamos tantas injustiças, pagamos com tantas vítimas inocentes", observou Alzeben. Ele não se surpreendeu com a reação de Israel e disse esperar que o Estado judeu assumisse o papel de "vítima do terrorismo" e de perseguição. "A demagogia não isentará Israel de sua responsabilidade."
Alanna O'Malley, professora de história internacional e da ONU na Universidade de Leiden (Holanda), avaliou que a África do Sul apresentou a acusação sob o guarda-chuva do Artigo 9 da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. "Os sul-africanos argumentaram, de forma convincente, que têm a obrigação de prevenir o genocídio, mesmo que não estejam diretamente afetados por ele. A apresentação do caso, com base nessa Convenção, é muito importante, pois estabelece um precedente em relação a Gaza", explicou ao Correio.
PONTOS DE VISTA
Por Daniel Zohar Zonshine
"O direito internacional trabalha contra nós"
"Nós cumprimos com o direito internacional, embora ele trabalhe contra nós, o que torna a guerra mais difícil. É a nossa obrigação, enquanto nação democrática. O Hamas comete crimes de guerra que não estão nos livros, como vimos em 7 de outubro. Está bem claro, do ponto de vista legal e moral, que o que Israel faz não é pelo que somos acusados. Esperamos que a guerra acabe em breve, e o Hamas não mais governe Gaza."
Embaixador de Israel no Brasil
Por Ibrahim Alzeben
"É uma conquista para a humanidade"
"A apresentação das acusações contra Israel em Haia é uma conquista para a humanidade em geral. Israel deve pagar o preço pela ocupação; pelo assassinato de crianças, mulheres e idosos;pelo deslocamento de moradores; pela destruição de cidades e de aldeias; pela imposição da fome à população palestina; pelo assassinato de jornalistas. A lista é longa e todos os crimes se enquadram na descrição de genocídio."
Embaixador da Palestina no Brasil