O aviso do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, aos huthis — rebeldes aliados ao Irã que controlam a região ocidental do Iêmen — foi direto: "Nós garantimos que responderemos enquanto prosseguirem com esse comportamento ultrajante". O democrata fazia menção aos mísseis disparados contra embarcações israelenses, ou a caminho dos portos de Israel, no Mar Vermelho. Horas antes, na madrugada desta sexta-feira (12/1), caças dos EUA e do Reino Unido lançaram 150 mísseis contra 30 alvos em Sanaa, capital iemenita, no porto de Hodeidah e em outras áreas.
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Yahya Saare'e, porta-voz da Forças Armadas huthis, advertiu que os bombardeios não ficarão sem resposta e nem punição. "Todos os interesses americanos e britânicos tornaram-se alvos legítimos das forças armadas iemenitas após a agressão direta e declarada contra a República do Iêmen", declarou o Conselho Político Supremo dos huthis, por meio de um comunicado.
A retaliação do Iêmen não tardou. Os rebeldes lançaram um míssil balístico antinavio contra o Mar Vermelho, onde circula 12% de todo o comércio mundial. "Sabemos que lançaram pelo menos um míssil em resposta", afirmou o diretor do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, tenente-general Douglas Sims. O disparo, no entanto, não atingiu nenhuma embarcação. "Sua retórica tem sido bastante forte e elevada. Eu esperaria que tentassem algum tipo de represália", acrescentou o militar. Os disparos dos huthis se inserem no que consideram um "ato de solidariedade" com a população palestina na Faixa de Gaza.
Os bombardeios anglo-americanos tiveram o respaldo de Austrália, Bahrein, Canadá, Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Nova Zelândia e Coreia do Sul. Em comunicado conjunto, também assinado pelos EUA e pelo Reino Unido, sustentaram que as "ações demonstram um compromisso com a liberdade de navegação, o comércio internacional e a defesa da vida dos navegantes contra ataques ilegais e injustificáveis". O próprio Biden classificou os ataques aéreos como uma "ação defensiva" e avisou que não hesitará em "ordenar outras medidas". O chanceler britânico, David Cameron, sublinhou que "a segurança dos navios do Reino Unido e a liberdade de navegação através do Mar Vermelho são fundamentais". "Como o Conselho de Segurança da ONU deixou claro, os huthis devem interromper os ataques no Mar Vermelho", escreveu na rede social X, o antigo Twitter.
Insatisfação
Em Sanaa, o jornalista Abdulhameed Sharwan, 34 anos, foi surpreendido por quatro explosões a partir das 2h30 desta sexta-feira (20h30 de quinta-feira em Brasília). "Liguei para colegas que estavam próximos do local e eles me contaram que um ataque aéreo tinha atingido o aeroporto internacional. Vivo a uns 2km ou 3km da área alvejada e senti nossa casa tremer", contou o morador da capital iemenita. Ele afirmou que as incursões anglo-americanas agravaram o descontentamento e a raiva entre a população e ampliaram a pressão por uma resposta a essa agressão. Milhares de iemenitas saíram às ruas para protestar.
"Os bombardeios foram o resultado da posição do Iêmen sobre a guerra em Gaza e os crimes cometidos por Israel, contra o povo palestino, com o apoio dos EUA. Hoje, protestos em massa ocorreram em todas as províncias do Iêmen para expressar ira, para reafirmar a solidariedade ao povo palestino e para pedir à liderança em Sanaa para manter as operações militares contra navios israelenses e embarcações se dirigindo a portos em Israel", comentou Sharwan.
Ele ressaltou que os rebeldes huthis não temem a guerra e creem que confrontar os EUA e Israel é a única maneira de salvar o Oriente Médio. "Se houver uma ampla guerra regional, os huthis nada terão a perder. Há nove anos, eles têm sofrido agressões por parte da coalizão da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos liderada pelos EUA. O Iêmen será um novo Vietnã", advertiu.
O também jornalista iemenita Ahmed Jahaf, 33, acha que os Estados Unidos caíram em uma "armadilha". "Os norte-americanos imaginavam que ninguém poderia confrontá-los sem medo. Os EUA mobilizaram o Reino Unido para responder porque as operações militares do Iêmen relacionadas à Palestina estavam além de suas expectativas", opinou. Segundo ele, os EUA apostam que os bombardeios assustarão os iemenitas e forçarão os huthis a interromperem suas operações no Mar Vermelho. "Isso não vai acontecer", previu o morador de Sanaa.
Especialista em Iêmen baseado em Chicago, Brian O'Neill disse que está "muito claro" que os huthis atraíram os EUA e o Reino Unido para uma resposta militar. Segundo ele, como os rebeldes impediam a navegação no Mar Vermelho e atacavam embarcações civis, não havia outra opção que não um ataque bélico. "O bombardeio realizado por Washington e Londres tem que ser visto no contexto da tentativa dos huthis de solidificar sua posição na guerra civil em curso e avançar rumo a um cenário mais regional e global", explicou ao Correio. Ele vê "muito pouca preocupação real" com a Palestina nos escalões superiores do governo huthi. "Os EUA e o Reino Unido morderam a isca. Mas, não existe apetite para uma guerra mais ampla no Iêmen."
O'Neill aposta que os huthis manterão ataques limitados no Mar Vemelho e usarão as ações como propaganda. A ideia, de acordo com o estudioso, é que os rebeldes transmitam a imagem de salvadores de Gaza. "A resposta dos huthis será mais na linha da milícia xiita libanesa Hezbollah: mostrar uma postura desafiadora e levantar-se contra a campanha israelense em Gaza, mas não se envolver em uma guerra mais ampla."
VOZES DE SANAA
"Espero que as Forças Armadas iemenitas intensifiquem suas operações no Mar Vermelho e ataquem embarcações israelenses, britânicas e norte-americanas. Os EUA e o Reino Unido oficialmente se tornaram inimigos depois dos ataques na madrugada desta sexta-feira. A solução, agora, é simplesmente deter a agressão contra Gaza e suspender seu bloqueio. Quanto aos EUA e ao Reino Unido, o problema só terminará após a vingança, a resposta ao ataque contra meu país."
Abdulhameed Sharwan, 34 anos, jornalista, morador de Sanaa
"Haverá uma resposta de Sanaa para o ataque, especialmente porque houve mártires que caíram nos bombardeios anglo-americanos. Os iemenitas estão definitivamente zangados com essa agressão contra o Iêmen e querem vingar-se de qualquer forma. Eles continuarão a apoiar a Palestina, mesmo que isso signifique a morte."
Ahmed Jahaf, 33 anos, jornalista, morador de Sanaa
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Vozes de Sanaa
"Espero que as Forças Armadas iemenitas intensifiquem suas operações no Mar Vermelho e ataquem embarcações israelenses, britânicas e norte-americanas. Os EUA e o Reino Unido oficialmente se tornaram inimigos depois dos ataques na madrugada desta sexta-feira. A solução, agora, é simplesmente deter a agressão contra Gaza e suspender seu bloqueio. Quanto aos EUA e ao Reino Unido, o problema só terminará após a vingança, a resposta ao ataque contra meu país."
Abdulhameed Sharwan, 34 anos, jornalista, morador de Sanaa
"Haverá uma resposta de Sanaa para o ataque, especialmente porque houve mártires que caíram nos bombardeios anglo-americanos. Os iemenitas estão definitivamente zangados com essa agressão contra o Iémen e querem vingar-se de qualquer forma. Eles continuarão a apoiar a Palestina, mesmo que isso signifique a morte."
Ahmed Jahaf, 33 anos, jornalista, morador de Sanaa
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