A Noruega tornou-se o primeiro país do mundo a avançar com a controversa prática da mineração em águas profundas em escala comercial.
Um projeto de lei, aprovado na terça-feira (9/1), vai acelerar a busca por metais preciosos, muito procurados por projetos de tecnologia verde.
Mas cientistas ambientais alertam que esse tipo de mineração pode ser devastador para a vida marinha.
O plano diz respeito às águas norueguesas, mas um acordo sobre a mineração em águas internacionais também poderá ser fechado neste ano.
O governo norueguês afirma que está sendo cauteloso e só começará a emitir licenças quando forem realizados estudos ambientais adicionais.
O fundo do mar abriga rochas do tamanho de batatas chamadas nódulos e crostas, que contêm minerais como lítio, escândio e cobalto — essenciais para tecnologias limpas, como baterias.
A proposta da Noruega abrirá 280 mil km² das suas águas nacionais para que empresas se candidatem à exploração desses recursos — uma área maior do que o tamanho do Reino Unido.
Embora estes minerais estejam disponíveis em terra, eles estão concentrados em alguns países, aumentando o risco de desabastecimento.
Por exemplo, a República Democrática do Congo, que detém algumas das maiores reservas de cobalto, enfrenta conflitos em algumas partes do país.
Walter Sognnes, cofundador da mineradora norueguesa Loke Minerals, que planeja solicitar uma licença, reconhece que é preciso fazer mais para compreender as profundezas do oceano antes do início da mineração.
"Teremos um período relativamente longo de atividades de exploração e mapeamento para preencher a lacuna de conhecimento sobre o impacto ambiental [da mineração em águas profundas]", disse Sognnes à BBC.
Martin Webeler, ativista pela preservação dos oceanos e pesquisador da Fundação para a Justiça Ambiental, diz que o plano é "catastrófico" para o habitat oceânico.
"O governo norueguês sempre destacou que deseja implementar os mais elevados padrões ambientais", diz ele.
"Isso é hipocrisia quando você ignora todos os conselhos científicos."
Webeler afirma que as empresas de mineração deveriam concentrar-se na prevenção de danos ambientais nas suas operações atuais, em vez de dar início a um setor totalmente novo.
A medida coloca o país em conflito com a União Europeia e o Reino Unido, que pediram uma proibição temporária da prática devido a preocupações com danos ambientais.
As técnicas de exploração de minerais do fundo do mar podem gerar poluição sonora e luminosa significativa, bem como danos ao habitat dos organismos que dependem dos nódulos, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
Em novembro, 120 membros da UE lançaram uma carta aberta apelando ao parlamento norueguês para rejeitar o projeto devido "ao risco dessa atividade para a biodiversidade marinha e para a aceleração das mudanças climáticas".
A carta também afirma que a avaliação de impacto realizada pela Noruega apresenta muitas lacunas.
O governo norueguês enfrenta ainda a resistência por parte de seus próprios especialistas. O Instituto Norueguês de Pesquisa Marinha (IMR) diz que o governo fez suposições a partir de uma pequena área de pesquisa e as aplicou a toda a área planejada para perfuração.
O instituto estima que sejam necessários mais cinco a dez anos de pesquisa sobre impactos para as espécies.
O governo norueguês não permitirá imediatamente que as empresas comecem a perfurar. Elas terão de apresentar propostas, incluindo avaliações de impacto ambiental. Cada licença será aprovada caso a caso pelo parlamento.
Marianne Sivertsen Næss, presidente do Comitê Permanente de Energia e Ambiente, que analisou o plano original, disse à BBC que o governo norueguês está adotando uma "abordagem preventiva para as atividades minerais".
"Não temos atualmente o conhecimento necessário para extrair minerais do fundo do mar da maneira necessária", disse Næss.
"A proposta do governo de abrir uma área para a atividade permite que atores privados explorem e adquiram conhecimento e dados das áreas em questão. Abrir áreas não é o mesmo que aprovar a extração de minerais do fundo do mar", completou.
Sognnes, da Loke Minerals, acrescenta que o plano do governo traz investimentos necessários do setor privado para a pesquisa de ambientes marinhos profundos.
"Desenvolver conhecimento nas profundezas do oceano é muito caro. É preciso operar robôs, o que é muito custoso e, infelizmente, as universidades têm acesso limitado a este tipo de ferramentas", diz.
O executivo estima que qualquer extração não começaria antes do início da década de 2030.
Ambientalistas argumentam que deveria ser feito mais investimento na reciclagem e reutilização dos minerais já extraídos da terra.
A Fundação para a Justiça Ambiental estima em um relatório que 16 mil toneladas de cobalto por ano, cerca de 10% da produção anual, poderiam ser recuperadas através de uma melhor coleta e reciclagem de aparelhos celulares.
Embora a proposta da Noruega diga respeito apenas a suas águas nacionais, negociações continuam sobre a possível emissão de licenças em águas internacionais
A Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) — um organismo afiliado às Nações Unidas — vai se reunir neste ano para tentar finalizar as regras, com uma votação final prevista para 2025.
Mais de 30 países são a favor de uma proibição temporária, mas países como a China estão ansiosos para dar andamento às explorações.
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br