Lisboa — Os brasileiros que tiverem o privilégio de passar por Portugal nesta primeira quinzena de janeiro têm um programa imperdível na capital lusitana: a exposição Paisagem construída, que reúne obras de dois dos principais artistas plásticos da atualidade no Brasil — Ana Durães e Luiz Dolino. De quebra, os visitantes poderão conhecer uma das regiões mais antigas de Lisboa, o Campo das Cebolas. A galeria A Space, escolhida pelos pintores para abrigar seus trabalhos, fica no térreo de um prédio que sobreviveu ao terremoto de 1755 e pode se transformar em um alojamento local para turistas.
Esta é a quarta vez que os dois artistas se encontram em uma mostra — já estiveram juntos em Buenos Aires, São Paulo e Madri. Muita gente se pergunta como dois pintores de estilos tão diferentes podem ocupar o mesmo espaço. Mas, já na entrada da galeria gerida pelo curador Rui Guerreiro, é possível constatar que as diferenças, na verdade, são complementares. Dolino, com suas formas geométricas. Durães, com todo o realismo das paisagens que remetem à natureza. “É um diálogo entre as diferenças estéticas, mas que conversam na brasilidade e na paleta das cores”, diz Durães.
Dolino, que está na sua terceira exposição em Portugal, afirma que a mostra tem um significado especial, seja pelo momento que ele vive, seja pelo reforço da parceria com Durães. “Tivemos o desafio de juntar dois artistas que, aparentemente, são o oposto, mas o certo é que, na arte, não existe o oposto. Procuramos conjugar nossos trabalhos para chegar a um mesmo ponto”, afirma. Ele ressalta que tudo o que um artista enxerga até onde a vista alcança é uma paisagem. “Pode ser um telefone, um corpo de mulher, uma nuvem no céu”, explica. E isso está refletido nas obras que estão à disposição do público até 19 de janeiro próximo, gratuitamente.
Ana Durães assegura que ter seu trabalho exposto em Lisboa é um privilégio, dada à relação profunda que tem com a cidade, onde passa a metade do ano. “Nas exposições, gosto de mostrar um pouco do que vivo no Brasil. Muito do que está retratado nos meus quadros eu vejo da janela da casa de campo onde moro, os pássaros, as árvores”, frisa. A artista também contempla, nas obras dela, as lembranças da terra natal, Diamantina, Minas Gerais. “Foi subindo uma das ladeiras da cidade, ainda bem criança, que eu me deparei com um prédio de Oscar Niemeyer e um quadro de Di Cavalcanti. Ali, tive a certeza de que seria pintora”, conta.
Resiliência e novas gerações
Para Luiz Dolino, o mundo cultural está mais aliviado depois de quatro anos de ataques aos artistas no governo passado. “Acho que todo mundo, artista ou não, está, de alguma forma, envolvido pelo ambiente político. Os artistas, e mais ainda aqueles com alguma evidência, tem o dever de se posicionar”, assinala. “No meu caso, ouso dizer que nenhuma pessoa de mínimo bom senso podia estar feliz com os momentos de trevas que nós vivemos, sob todos os aspectos, não só na cultura, mas na saúde pública, na capacidade de expressão das pessoas mais simples às mais eruditas. O importante é que saímos da idade média, preservando o regime democrático”, complementa. E emenda: “Felizmente, passou, mas como eu digo, sempre gosto de esquecer, embora não perdoe”.
Ana Durães reconhece que fazer arte no Brasil é complexo. “É preciso trabalhar duro, ser muito focado e determinado. E sou bem assim”, frisa. Ainda que não acompanhe de perto o surgimento de novos artistas, diz que as novas gerações devem manter o mercado das artes plásticas pulsante. “Isso significa trabalhar com o coração e com o que se vive”, destaca ela, que carregou de emoção a série de quadros sobre o Cerrado, a região mais ameaçada pela devastação puxada pelo agronegócio. “Faço o que sinto, não sigo tendências”, enfatiza.
O parceiro Dolino se mostra confiante em relação aos novos artistas, às novas expressões, às novas mídias e à fusão que a juventude vem fazendo das várias linguagens. “É uma coisa extraordinária, pois soma tudo o que vem chegando”, diz. Na avaliação dele, o Brasil tem um estilo generoso e, mesmo nos momentos mais difíceis, o país deu uma contribuição ao mundo, seja no cinema, seja na música e no esporte, por exemplo. “Pertenço à escola de Darcy Ribeiro, por isso, sou um otimista”, ressalta.
Curador da exposição, Rui Guerreiro conta que, há três anos, queria desenvolver um trabalho com Ana Durães. “Fiz uma exposição com ela e a proximidade que criamos nos permitiu desenvolver outros projetos. Um deles, trazer para Lisboa algo que ela já tinha feito com Luiz Dolino. E deu certo. São dois artistas que admiro muito”, afirma. Ele acrescenta que o próximo trabalho com Ana Durães será lançado neste ano, no Rio de Janeiro, mas não dá detalhes. Para aqueles que se dispuserem a ver a exposição “Paisagem construída” até 19 de janeiro, o curador garante que muitos vão se surpreender com uma fusão de estilos aparentemente improvável, mas completamente possível e deslumbrante.
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