COMPORTAMENTO

Por que vou mandar cinzas do meu filho para a Lua

Um novo serviço funerário espacial, que terá início em janeiro, permitirá que famílias depositem uma parte das cinzas de seus entes queridos na Lua.

Arquivo da família
Liam Anand, à direita, com sua mãe Nadine, seu pai Sanjiv e quatro irmãos e irmãs

No novo ano, um foguete decolará do Cabo Canaveral, na Flórida, em uma missão inovadora – fazer da Lua o local de descanso final para mais de 70 pessoas, incluindo Liam Anand, de 16 anos.

"Quando eu sair de casa e olhar para cima", disse sua mãe Nadine à BBC, "saber que parte do corpo dele está na Lua… será mágico, emocionante e reconfortante".

Quando Liam, de Dieppe, no Canadá, morreu num acidente de moto em 2018, a família dele queria mais do que apenas um funeral padrão.

"Sabíamos que tinha que ser algo que o representasse", diz Nadine.

Liam, um adolescente cheio de energia e que sempre parecia estar com pressa, segundo seus familiares, sonhava em participar de uma missão a Marte quando fosse mais velho, ou em se envolver em um negócio de mineração de asteroides.

Numa tarde, anos após a morte do jovem, Nadine se lembrou do amor dele pelo espaço, começou a fazer pesquisas na internet e deparou-se com o novo serviço funerário lunar.

Agora, uma parte das cinzas de Liam estará a bordo da sonda lunar Peregrine quando ela pousar no próximo ano.

Nadine afirma que fazer com que seu filho fizesse parte da missão ajudou no processo de cura da família, e este local de descanso único lhes dará uma maneira permanente de se lembrar dele.

"Ele queria ir para o espaço. Assim sua família, amigos, quem sente falta dele ou quer celebrá-lo, pode simplesmente olhar para cima e dizer oi", diz a mãe do adolescente.

"É como se nós o honrássemos."

Sonho de infância

Celestis
O CEO da Celestis, Charles Chafer, em frente ao foguete Vulcan Centaur, que lançará a sonda Peregrine à Lua

Para Charles Chafer, diretor-executivo da empresa que oferece o serviço, o lado humano do negócio é tão importante quanto a ciência dos foguetes.

"Quando fundei a empresa, pensei que seríamos uma companhia aeroespacial", disse ele. "Mas aprendi muito cedo que somos uma empresa de aconselhamento de luto."

Depois de crescer assistindo às missões Apollo quando era estudante, ele começou uma carreira na indústria espacial comercial, inclusive ajudando a lançar o primeiro foguete comercial com financiamento privado.

Em 1995, fundou a Celestis, que já havia lançado em órbita amostras de cinzas ou DNA de pessoas. Para a missão lunar, a empresa comprou espaço na sonda Peregrine, cuja principal missão é pousar experimentos científicos na Lua.

O novo serviço, disse Chafer, custa aproximadamente "o valor de um funeral tradicional nos EUA", cerca de US$ 13 mil (R$ 63 mil).

"Os custos do foguete são uma parcela surpreendentemente pequena", acrescentou. "A maior parte é que é um negócio intensamente orientado para serviços."

Seu amor pela ciência o levou para a indústria, mas agora ele gosta de ajudar famílias a lidar com tragédias e acha especialmente gratificante que o serviço possa levar alegria para pessoas com doenças terminais.

Ele diz que sempre se emociona com quem diz: "Papai não sorriu muito nos últimos dias, mas quando lhe contamos o que faríamos por ele, ele sorriu pelo resto da vida."

"Não há muitos empregos onde você receba esse tipo de retorno."

100 mil anos

Arquivo familiar
Alan Clive, que perdeu a visão aos 20 anos, foi um fã de ficção científica de longa data

Michael Clive lembra-se do momento em que disse ao pai, Alan – então gravemente doente com câncer –, que estava planejando enviar parte de suas cinzas para a Lua.

"Apesar de toda a medicação, conseguimos falar isso para ele", conta.

"Quando eu disse ao meu pai que enviaríamos as cinzas dele para a Lua, ele sorriu e disse: 'Bem, isso parece legal.'"

Ler ficção científica quando menino na década de 1950 deu a Alan um amor eterno e Michael se lembra da família assistindo Jornada nas Estrelas: A Nova Geração juntos, com ele e a irmã descrevendo os eventos na tela para Alan, que era cego.

O pai dele também esteve envolvido em grupos de educação espacial, incluindo a Sociedade Planetária e o Centro Challenger, e através deles Clive e Alan conheceram Eugene Shoemaker.

No momento, o famoso astrônomo e geólogo, falecido em 1997, é a única pessoa que tem suas cinzas na Lua.

Parte de seus restos mortais estava em uma sonda da Nasa que caiu deliberadamente na Lua para que o impacto pudesse ser estudado pelos cientistas.

Michael está feliz que as cinzas de seu pai cheguem em um pouso mais suave e convencional, e a superfície estéril e livre de intempéries da Lua significa que elas podem permanecer ali sem serem perturbadas por milênios.

Astrobotic
A empresa funerária Celestis comprou espaço para carregar cinzas na missão lunar Peregrine Lander

"Em mil anos, ele ainda estará lá, e em 10 mil anos provavelmente ainda estará lá, e talvez até em 100 mil anos."

"Não há muita coisa que possa realmente durar tanto Terra."

Ele espera que, quando seus filhos crescerem, um dia possam voar até a Lua para visitar o avô, se novas tecnologias tornarem as viagens espaciais mais rotineiras.

Num futuro menos distante, Nadine está ansiosa para assistir ao lançamento da sonda Peregrine com seu marido Sanjiv e os quatro irmãos de Liam.

"Se Liam pudesse ver o que estamos fazendo por ele, ele ficaria feliz", diz ela.

"Ele ficaria lisonjeado porque gosta de um pouco de atenção, mas não muito."

“O lançamento fará parte do nosso processo de cura e da nossa dor”, acrescentou ela. “Será um momento feliz. Sei que haverá lágrimas com certeza, mas serão lágrimas de felicidade.”

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