Oriente Médio

Irã acelera execuções e semeia o medo da sociedade

Enforcamento de Samira Sabizan, a iraniana forçada a se casar aos 15 anos e vítima de maus-tratos do marido, comove a comunidade internacional e lança os holofotes sobre a pena de morte no país teocrático islâmico

Mozhgan Keshavarz falou com Samira Sabizan, 29 anos, pela última vez, por telefone, há cerca de um mês. Foi como uma despedida da amiga com quem dividira a mesma cela, na prisão feminina de Qarchak, entre 2020 e 2021. Em 20 de dezembro, Samira foi enforcada em Ghezelhesar, a maior penitenciária estadual do Irã, na cidade de Karaj, 20km a noroeste de Teerã. Um desfecho trágico de uma história sombria, que lançou holofotes sobre a intensificação de execuções no Irã. "Samira foi forçada a se casar com apenas 15 anos, teve dois filhos e não os viu durante todo o tempo no cárcere. Ela não tinha ninguém. Nenhum advogado, nem dinheiro, pois era muito pobre. Trabalhava para as demais detentas", contou Mozhgan ao Correio. "Minha amiga passou o melhor de sua juventude na cadeia."

Samira perdeu a liberdade, e a vida, por um crime que não teria cometido. Vítima de violência doméstica, foi acusada de assassinar o marido. "A única irmã dela colocou veneno em uma bebida e deu ao cunhado. O marido de Samira morreu por causa das atrocidades sofridas por ela", relatou Mozhgan, ativista de direitos humanos exilada em um país que preferiu não revelar. "Antes de morrer, soube que ela estava com medo, chegou a implorar. Como sua irmã tinha apenas 13 anos, Samira assumiu o crime para evitar que fosse presa." Mozhgan tinha sido presa, em 25 de abril de 2019, por se recusar a usar o hijab, o véu islâmico. Conseguiu a liberdade condicional em 4 de fevereiro de 2022. 

Reprodução - Forçada a casar ainda adolescente, Samira Sabzian teve dois filhos que não viu em 10 anos de prisão

De acordo com Mozhgan, ao longo das últimas semanas, uma média de quatro execuções foram realizadas por dia no Irã. "Não houve reação da comunidade internacional. Há temores de que mais pessoas sejam mortas durante o Ano-Novo. Especialmente no fim de ano, mulheres, jovens criminosos, manifestantes e prisioneiros políticos, cuja execução atrairia reações mais severas, estão sob risco maior", advertiu. 

Diretor da organização Iran Human Rights (IHR), Mahmood Amiry-Moghaddam, explicou ao Correio que as execuções têm se acelerado nos últimos meses. "Ao longo de 2023, foram mais de 750 presos que tiveram a pena capital cumprida", revelou. Em todo o ano, uma média de duas execuções diárias. "Não há números exatos sobre quantos iranianos estão no corredor da morte, porque falta transparência ao Judiciário do país. No início da semana passada, um membro do Parlamento iraniano assegurou que, somente em Delfa, sua cidade natal, cuja população é de 140 mil pessoas, entre 1 mil e 2 mil prisioneiros foram sentenciados a acusações relacionadas às drogas", afirmou. "Se este for o caso com o resto do Irã, existem centenas de milhares de pessoas no corredor da morte apenas por acusações relacionadas com drogas." Mahmood teme que o regime use as execuções para semear medo na sociedade e prevenir protestos. 

Apartheid de gênero

"Samira foi uma noiva criança. Ela não teve acesso a advogado na fase inicial da investigação, não pôde bancar um defensor durante o julgamento. Acreditamos que, se contasse com um bom advogado, ficaria livre da pena capital, segundo as leis da República Islâmica", desabafou Mahmood. "Samira pertencia aos grupos mais marginalizados da sociedade iraniana, assim como muitas das pessoas execuradas. Ela foi vítima do sistema de apartheid de gênero e se tornou vítima da máquina de assassinar do regime. Sua execução deve impulsionar as mais fortes condenações."

Kamaram Taimori, membro da diretoria da Organização Hengaw para os Direitos Humanos, acusou Teerã de "oferecer" algumas execuções, todos os anos, para amedrontar a população e mostrar aos simpatizantes do regime que a sharia (lei islâmica) ainda funciona no sistema. "A execução de Samira não fo a primeira nem será a última a ser cometida pelo regime. O destino dela foi muito injusto e comovente", disse à reportagem. Ele admite que as violações dos direitos humanos não estão no topo das prioridades das grandes potências. "Os Estados Unidos e as nações europeias, pr exemplo, acham que o foco está nas aspirações nucleares do Irã", lembrou. "Portanto, não espero qualquer pressão considerável da parte deles por essas execuções ou violações dos direitos humanos em curto espaço de tempo."

Com a palavra, as ONGs

"Eu peço a todos que escutem as vozes do povo iraniano, em vez de escutarem as mentiras dos políticos da República Islâmica do Irã. Criminosos que assassinaram 600 crianças inocentes nos últimos meses. Desde 18 de dezembro, 31 pessoas foram executadas em diferentes prisões no Irã. Pedimos às pessoas, aos ativistas civis e à comunidade internacional para que intensifiquem as campanhas contra a pena de morte e aumentem a pressão política sobre a República Islâmica para salvar a vida de prisioneiros que aguardam a execução."

— Mozhgan Keshavarz, ativista dos direitos humanos iraniana e ex-presa política, hoje exilada.

 "Acredito que a comunidade internacional deveria colocar o tema dos direitos humanos, e principalmente, o uso da pena de morte pelo regime iranano, no topo de sua agenda em cada diálogo ou interação com a República Islâmica. Infelizmente, a comunidade internacional não considera os direitos humanos tão importantes. Vemos que alguns países, como o Brasil, não votaram pela resolução dos direitos humanos, que foi aprovada pela ONU na semana passada. Isso significa que mais países levam outros temas em consideração, como questões políticas ou de segurança, em sua agenda. Fecham os olhos para as massivas violações dos direitos humanos no Irã."

— Mahmood Amiry-Moghaddam, diretor da organização Iran Human Rights (IHR)

 

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