Crise econômica

A busca por um presente às vésperas de um Natal difícil na Argentina

A Argentina encerra 2023 com a inflação mais alta dos últimos 30 anos. Entre janeiro e novembro, acumula 132,8%, e a interanual está em 160,9%

Circulando por diferentes lojas de brinquedos e peregrinando de uma cidade para outra, Cecilia Rojas percorre a província de Buenos Aires em busca de pelo menos um presente de Natal para seus filhos, que este ano comemoram as festas em uma das piores crises econômicas da Argentina.

Rojas é psicóloga, tem 47 anos e mora com seu companheiro e os dois filhos do casal, de 8 e 17 anos, em Ituzaingó, na periferia de Buenos Aires. Ela trabalha em um centro educacional, mas complementa sua renda com o atendimento de pacientes e outras atividades ocasionais.

Para garantir os presentes debaixo da árvore na noite de Natal, Rojas peregrinou por Ituzaingó e pelas vizinhas Morón e Castellar.

"Antes comprava em uma rede de lojas de brinquedos muito conhecida, mas agora procuro em comércios menores e de bairro para encontrar o melhor preço", contou.

O filho caçula, "que ainda acredita no Papai Noel, escreveu uma carta imensa" para o bom velhinho. Mas ela só vai conseguir comprar para ele um item da lista. "Ele vai ficar contente de qualquer forma", diz.

"Antes comprávamos maior quantidade. Agora, é só um para cada, mas por sorte ainda tenho o privilégio de poder fazê-lo", comenta.

A pior inflação 

A Argentina encerra 2023 com a inflação mais alta dos últimos 30 anos. Entre janeiro e novembro, acumula 132,8%, e a interanual está em 160,9%. Uma desvalorização do peso, a moeda nacional, em 50% na semana passada, com o governo de Javier Milei recém-empossado, disparou ainda mais o aumento de preços.

A Câmara Argentina da Indústria de Brinquedos estima que ao ano houve aumentos entre 110% e 230%, dependendo do produto e sua origem.

"Alguns brinquedos nacionais aumentaram em paralelo à inflação, mas os importados passam de 200%", explicou Julián Benítez, gerente de relações institucionais da Câmara.

Para pôr fim à inflação, um mal crônico da Argentina, Milei propõe medidas de cortes do gasto público no equivalente a 5% do PIB.

Na quarta-feira, ele anunciou um decreto múltiplo de alcance abrangente para revogar ou modificar mais de 300 leis e normas, entre elas a dos aluguéis e da reforma trabalhista, provocando um panelaço em vários bairros de Buenos Aires e uma manifestação espontânea em frente ao Congresso, que se estendeu até a madrugada.

Alexandra Mazzei, pedagoga de 49 anos, foi uma das pessoas que protestaram. "O que está acontecendo é um avassalamento das instituições. Estão esfomeando o povo, estão usando políticas que já vivemos, que não funcionaram e o único que fazem é empobrecer a classe trabalhadora", afirmou.

Todas as gerações 

Diante da distorção de preços, percorrer vários lugares é obrigatório e ter família grande ajuda, explicou Agustina Gago, mãe de um menino de quatro anos.

"Você anda um pouco e encontra o mesmo produto em diferentes lojas com preços distintos. Cheguei, inclusive, a encontrar boas ofertas dos 'manteros' (vendedores ambulantes) ou em bazares", disse Gago, de 23 anos, que estuda para ser professora de pré-escola e trabalha em uma loja de bebidas alcoólicas. 

"Este ano, vamos comprar um presente para ele graças à ajuda que nos dão as avós e bisavós. Por sorte, tem várias", disse, com um sorriso.

Ruben Gerszonowicz, de 63 anos, dono de uma loja de brinquedos em Buenos Aires, contou que neste Natal os fregueses só lhe pedem o que for barato. "Nem trago mais o mais caro porque as pessoas não compram", acrescentou. 

As remarcações são quase diárias, mas Gerszonowicz tenta segurá-las. "Não posso subir [os preços] o tempo todo. Os fornecedores avisam antes de mandar a mercadoria que vai haver um aumento, mas eu não posso cobrar antecipadamente da minha clientela porque não compra", explicou.

Há 20 anos no negócio, esta é a primeira vez que ele vê gente comprar com várias semanas de antecedência. Ele avalia que o panorama não é bom, mas pensa que é preciso "penar um pouco" para que a economia entre nos eixos, como prometeu Milei.

Brinquedos perigosos 

Frente à constante elevação de preços, a opção por brinquedos mais baratos faz com que a oferta nas lojas inclua produtos de procedência duvidosa.

"Temos feito inspeções e encontramos muitos produtos ilegais ou de qualidade muito baixa", comentou Benítez, explicando que seu uso traz riscos para a saúde, como asfixia ou intoxicação. "Você fica enjoado só de cheirá-los devido aos plásticos de que são feitos", sentenciou.

A Argentina tem aproximadamente 180 estabelecimentos produtores de brinquedos, que geram cerca de 8.000 postos de trabalho diretos e indiretos. Metade dos itens vendidos nas lojas de brinquedos é nacional, segundo dados da Câmara.

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