Cerca de 24 horas após o assassinato da jovem britânica Brianna Ghey, em fevereiro de 2023, os investigadores identificaram os suspeitos: dois adolescentes que pensavam que seria fácil esconder o crime brutal.
A dupla, que tinha apenas 15 anos na época, foi rapidamente presa e levada para interrogatório.
Os detetives logo desvendaram o crime, apesar de os assassinos presumirem de forma arrogante que as mentiras intermináveis os salvariam da cadeia.
Ghey, de 16 anos, era transgênero e foi esfaqueada 28 vezes em plena luz do dia no Parque Linear Culcheth, no condado Cheshire, Reino Unido, na tarde de 11 de fevereiro de 2023.
Os adolescentes, que tiveram os nomes verdadeiros preservados e foram identificados apenas como menina X e menino Y durante o julgamento, acabaram de ser condenados pelo assassinato.
A maioridade penal é de 10 anos na Inglaterra, no País de Gales e na Irlanda do Norte e de 12 anos na Escócia. No Brasil, 18 anos.
Atenção: os relatos a seguir podem ser sensíveis para algumas pessoas.
O tribunal ouviu como a teia de mentiras dos dois adolescentes começou logo após o assassinato, quando eles começaram a elaborar uma história fantasiosa.
Para começar, a menina X mandou uma mensagem para o menino Y dizendo que uma "mulher foi esfaqueada" no parque.
"Caramba", respondeu o menino Y, apesar de ambos terem admitido mais tarde à polícia que estavam presentes durante o esfaqueamento — embora culpem um ao outro pelo assassinato.
No dia seguinte, a menina X mandou uma mensagem para Ghey dizendo: "Menina, você está bem? Uma adolescente foi morta no parque linear, os noticiários só falam disso."
Excesso de confiança
Para o detetive Mike Evans, ficou claro desde o início que os dois jovens acreditavam que poderiam encobrir os rastros do crime.
A menina X, que tem traços de autismo e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), garantiu ao menino Y, diagnosticado com mutismo seletivo e autismo, que eles não seriam pegos.
Ela ainda criticou a capacidade da polícia da região.
"Eles são jovens inteligentes, com alto desempenho", diz Evans, que comanda as investigações sobre crimes na Polícia de Cheshire.
"Sei que as pessoas podem criar outra imagem deles. Mas a verdade é que ambos são muito inteligentes e articulados", acrescenta o policial.
"O que os prejudicou foi a confiança ou a arrogância a partir da ideia de que poderiam tirar a vida de outra pessoa e nunca seriam pegos."
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Depois que as mentiras da dupla foram desvendadas, a verdade veio à tona: os dois tinham fascínio pela violência, pela tortura e pelo assassinato e planejaram o crime durante semanas.
As mensagens que eles trocaram revelam que eles pensavam em como cometer um assassinato de verdade.
A menina X admitiu que gostava de "fantasias sombrias", mas o júri não aceitou as alegações de que ela não tinha intenção de transformá-las em realidade.
O júri também não acreditou nas afirmações de que o menino Y estava brincando e não levava essas possibilidades a sério.
No entanto, os porta-vozes da polícia admitem que talvez nunca saibam exatamente o que motivou os adolescentes a cometer o crime.
Evans prossegue: "Não acho que muitos de nós já vimos o nível de depravação demonstrado, a natureza desumanizante das mensagens de texto entre os dois e o ódio contra Brianna Ghey e outros indivíduos sem motivo algum."
"Havia apenas uma sede de matar nesses dois jovens de 15 anos. Isso foi realmente perturbador."
"Ainda não sabemos por que eles fizeram isso. O que os levou a cometer o crime?", questiona ele.
"Obviamente, agora eles alegam que era tudo fantasia. Mas, quando você lê essas mensagens, fica bastante claro que havia um plano."
Nas mensagens, os dois adolescentes mencionavam algumas pessoas que eles gostariam de matar.
Em 26 de janeiro — apenas duas semanas antes da morte de Brianna Ghey — eles compilaram uma "lista da morte" com cinco nomes.
"Nunca construímos este caso em torno de um elemento transgênero", afirma Evans.
"O caso envolve o assassinato de uma garota jovem e vulnerável. Obviamente sabemos que havia aquela lista de mortes, com cinco pessoas. E Brianna Ghey era uma delas."
"Ela era a única pessoa na lista que era transgênero. Os dois possuíam uma intenção assassina voltada para alguém."
Em uma mensagem, a menina X disse para o menino Y que estava "obcecada por alguém" chamada Brianna, mas não nutria sentimentos pela adolescente.
"Ela foi realmente cruel. A menina X fez amizade [com Brianna], traiu e essencialmente instigou esse ataque", aponta Evans.
"Ela foi a mente por trás disso. Ela foi a pessoa que enviou as mensagens de texto e, por fim, atraiu Brianna para assassiná-la da maneira mais fria."
Ursula Doyle, vice-procuradora-chefe do Ministério Público do Reino Unido, disse que um dos elementos-chave do caso foram as mensagens, que "forneceram uma visão aterrorizante das fantasias distorcidas" dos dois adolescentes.
"Isso realmente nos deu um conhecimento detalhado e uma visão sobre o relacionamento dos dois réus, sobre o que eles conversaram e as fantasias sombrias que tinham. O conteúdo dessas mensagens é assustador", acrescenta ela.
"As mensagens também nos deram evidências para entender como todo o evento se desenrolou, desde o planejamento para atrair Brianna para o parque naquela data."
"Na verdade, o ataque ocorreu da forma como ele foi exatamente planejado", diz Doyle.
Doyle diz que a investigação foi um dos casos mais perturbadores com os quais ela lidou durante toda sua carreira.
"O planejamento, a violência e a idade dos assassinos são inacreditáveis."
Evans acrescenta: "Acho este caso realmente horrível."
"Preferiria que falássemos mais sobre Brianna do que sobre esses dois indivíduos."
"O que eles fizeram naquele dia foi algo muito ruim, violento e cruel."
"Só quero pensar em Brianna daqui para frente, e não nesses dois indivíduos que, espero, permanecerão na prisão por um período considerável", conclui o investigador.