Argentina

Argentina: Javier Milei enfrenta o primeiro teste nas ruas

Marcha multitudinária organizada por dezenas de entidades contra o pacote de ajuste fiscal da Casa Rosada desafia o "protocolo antipiquete" anunciado pela ministra da Segurança, Patricia Bullrich, e a ameaça de corte dos benefícios sociais

Uma frente de esquerda formada pelo Partido Obrero, pelo Polo Obrero e por dezenas de organizações sociais e populares promete desafiar, nesta quarta-feira, o "protocolo antipiquete" anunciado pela ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, em 14 de dezembro. Entre as medidas tomadas pela integrante do gabinete do presidente Javier Milei, estão o uso de força proporcional à resistência oferecida por manifestantes, durante bloqueios de vias públicas; a identificação e punição de transgressores; e o custeio do aparato de segurança a ser bancado pelos organizadores das marchas.

Sob a ameaça de prisão, dirigentes de esquerda, reforçados pela presença de Alfredo Pérez Esquivel, único argentino laureado com o Nobel da Paz, e pela líder do grupo Madres de la Plaza de Mayo, Nora Cortiñas, entraram com um "habeas corpus preventivo". 

"Viemos interpor uma ação formal de habeas corpus preventivo e coletivo, considerando que é o meio ideal para prevenir a ameaça ilegal que afeta a liberdade de circulação e a integridade física de todas as pessoas que serão mobilizadas em 20 de dezembro", afima o documento apresentado ao Tribunal Criminal e Correcional nº 13.

X/Reprodução - Adolfo Pérez Esquivel (D), Nobel da Paz em 1980, e Nora Cortiñas, fundadora da ONG Madres de Plaza de Mayo, em audiência pública contra protocolo de segurança de Milei

Eduardo Belliboni, líder do Polo Obrero, explicou que a intenção é que todos tenham a liberdade de manifestar-se nesta quarta-feira (20/12). "Do outro lado, nos encontramos com ameaças e com ataques", declarou, em entrevista à Rádio Continental. Os manifestantes pretendem se reunir na Praça de Maio, onde se situa a Casa Rosada, sede do Executivo. Em uma guinada na política externa, o governo Milei informou que não nomeará embaixadores da Argentina para as representações em Cuba, na Venezuela e na Nicarágua. 

Para Jesús Rodríguez, ministro da Economia durante o governo de Raúl Alfonsín, em 1989, as autoridades devem garantir dois direitos constitucionais: o de protesto e o de livre circulação. "Essa é a responsabilidade do governo, mas, também, das organizações políticas que convocam as manifestações", explicou ao Correio. Em relação aos programas sociais, ele defende a necessidade de transparência, por parte do Estado, e de ausência de manipulação das necessidades da população. 

Contradição

Cientista político e doutor em ciências sociais pela Universidad de Buenos Aires (UBA), Hernán Toppi afirmou à reportagem que a postura anunciada pela Casa Rosada tem sido preconizada desde a campanha eleitoral. "Milei sempre se mostrou contrário a todo tipo de interrupção de vias e de paralisia das cidades, que implica os piquetes. Nesse sentido, seu discurso em favor das ideias de liberdade seria contraditório como uma demonstração de oposição frente a esse tipo de prática", comentou.

Reprodução - Sandra Pettovello, ministra do Capital Humano: "Os únicos que não irão receber os (auxílios) são os que vão ao protesto e bloqueiam a rua"

Toppi admite que uma maneira de adotar uma postura crítica à prática dos piquetes foi por meio da ameaça de retirada de benefícios sociais. "Trata-se de uma medida polêmica, que será alvo de debates em relação ao componente constitucional. Apesar disso, está em consonância com a posição do governo e de sua agenda", disse o professor. "Nesta quarta-feira, veremos até onde estão dispostos a chegar ambos os grupos e autores. O governo, com a ameaça de retirada de benefícios sociais e de uso da força. O Polo Obrero, com sua capacidade de mobilização, ante a advertência das autoridades sob o lema "Quem corta (interrompe vias), perde o plano". 

De acordo com Sergio Eissa, doutor em ciência política e professor adjunto de defesa e segurança internacional pela Faculdade de Ciências Sociais da UBA, as ameaças de Bullrich e de Petovello se inserem no marco do 22º aniversário da violenta repressão ocorrida entre 19 e 20 de dezembro de 2001, quando 38 manifestantes foram mortos pela polícia.

"A lei de inteligência argentina proíbe perseguição às pessoas em virtude de sua orientação sexual, política e religiosa. Ao montarem um dispositivo para identificar cidadãos pelo simples fato de estarem em marcha, as autoridades violam essa legislação. A retirada dos benefícios sociais desses manifestantes é parte de uma violência que está sendo gerada mais pelo governo nacional do que pelos movimentos sociais", disse Eissa ao Correio

Ele acredita que a manifestação desta quarta-feira talvez ganharia somente status de "marcha recordatória", caso Bullrich não tivesse escalado o discurso. "Por aqui, há uma postura política da ministra de confundir ordem com segurança. Além de uma posição de que os piquetes são símbolos de desordem", afirmou. Toppi reconhece que hoje será "um dia importante para o futuro dos protestos na Argentina, além de uma prova de fogo para o governo". "Será interessante ver como as autoridades agirão diante de uma forma de protesto que existe há muito tempo na Argentina, mas que também tem baixo nível de aceitação social", concluiu Eissa. 

Política externa

Ainda segundo Eissa, a política externa dos países "não pode ser manejada em função dos hormônios e da ideologia doméstica". "Teoricamente, o critério de não designar embaixadores frente aos governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela se  deve ao fato de serem regimes políticos autoritários. Então, o que fazemos com a China e com países africanos, onde temos embaixadas em alguns deles? O que fazemos com a Arábia Saudita? São todos regimes autoritários", lembrou. Ele critica o fato de Milei lançar mão de um clichê utilizado na campanha, ao rotular de socialistas, comunistas e corruptos os governos de China, Brasil e desses três países. "É preciso ver o que convém aos interesses de nossa nação. As relações com outros países têm que estar em função dos interesses da Argentina."

Toppi concorda com Eissa, no sentido de a decisão do governo Milei estar em consonância com uma linha ideológica assumida há tempos. "Milei pretende mudar os países com os quais a Argentina se vincula, à diferença do que ocorria até o governo de Alberto Fernández, dentro da visão de mundo kirchnerista, aliada a países como Venezuela, Nicarágua e Cuba. O novo presidente sempre levantou essa ideia de que não se pode relacionar com países que não defendam a liberdade. Fica pendente o que se passará com a China, que fazia parte dessas nações com as quais Milei não buscaria uma aliança. O mesmo ocorre com a Rússia."

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Hernán Toppi, cientista político e doutor em ciências sociais pela Universidad de Buenos Aires (UBA)

"A marcha convocada pelo Partido Obrero será a contrapartida à ameaça do governo Milei de paralisar todo tipo de benefício social para aqueles que protestarem e interromperem as vias. De certa forma, retirar a possibilidade de piquetes significa tirar do Polo Obrero sua principal ferramenta de pressão, de mobilização e de protestos."

Hernán Toppi, cientista político e doutor em ciências sociais pela Universidad de Buenos Aires (UBA)

Arquivo pessoal - Sergio Eissa, professor da Universidad de Buenos Aires

"A responsabilidade de aplicar a ordem nas ruas da capital — de regular o direito de protestar com o direito de outras pessoas circularem — corresponde ao governo da Cidade de Buenos Aires. Não está claro se o governo da cidade aderiu ao protocolo antipiquete. O governo federal vai atuar sobre essa situação, sobrecarregando a soberania e as obrigações da Cidade de Buenos Aires? O que ocorrerá no atrito inevitável entre as forças de segurança e os manifestantes? Na realidade, há mais questões desconhecidas do que certezas sobre como isso funcionará."

Sergio Eissa, doutor em ciência política e professor adjunto de defesa e segurança internacional pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidad de Buenos Aires (UBA)

 

LEI E ORDEM 

X/Reprodução - Tuíte da ministra de Segurança da Argentina, Patricia Bullrich
 

A menos de 24 horas da manifestação planejada para hoje pelas organizações de esquerda, a ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, usou o próprio perfil no Twitter para enviar um recado subliminar aos manifestantes. Sobre uma foto de uma linha férrea em meio a gás lacrimogêneo, Bullrich escreveu: "Despejados completamente os piquetes nas vias do trem Roca, à altura da estação Sarandí". E complementou, em letras maiúsculas: "LEI E ORDEM".

 

DETALHES SOBRE A ECONOMIA

Ao meio-dia de hoje, Javier Milei fará um pronunciamento, em rede nacional de televisão, para explicar o alcance do decreto de desregulamentação da economia, o qual modificará ou revogará mais de 3.500 leis. Entre as medidas, estão a redução de gastos, a eliminação de impostos, a prorrogação do período de experiência para novos funcionários (de três a seis ou oito meses), a diminuição nos valores de indenizações, entre outros. Ontem, uma pesquisa da empresa de consultoria Zubán Córdoba, indica que Milei conta com 50% de imagem positiva, após as primeiras medidas de ajuste fiscal.

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Arquivo pessoal - Sergio Eissa, professor da Universidad de Buenos Aires
X/Reprodução - Tuíte da ministra de Segurança da Argentina, Patricia Bullrich

Eu acho...

"A marcha convocada pelo Partido Obrero será a contrapartida à ameaça do governo Milei de paralisar todo tipo de benefício social para aqueles que protestarem e interromperem as vias. De certa forma, retirar a possibilidade de piquetes significa tirar do Polo Obrero sua principal ferramenta de pressão, de mobilização e de protestos."

 

Hernán Toppi, cientista político e doutor em ciências sociais pela Universidad de Buenos Aires (UBA)

 

"A responsabilidade de aplicar a ordem nas ruas da capital — de regular o direito de protestar com o direito de outras pessoas circularem — corresponde ao governo da Cidade de Buenos Aires. Não está claro se o governo da cidade aderiu ao protocolo antipiquete. O governo federal vai atuar sobre essa situação, sobrecarregando a soberania e as obrigações da Cidade de Buenos Aires? O que ocorrerá no atrito inevitável entre as forças de segurança e os manifestantes? Na realidade, há mais questões desconhecidas do que certezas sobre como isso funcionará."

 

Sergio Eissa, doutor em ciência política e professor adjunto de defesa e segurança internacional pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidad de Buenos Aires (UBA)

 

Hiperfoto - "Lei e ordem"

A menos de 24 horas da manifestação planejada para hoje pelas organizações de esquerda, a ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, usou o próprio perfil no Twitter para enviar um recado subliminar aos manifestantes. Sobre uma foto de uma linha férrea em meio a gás lacrimogêneo, Bullrich escreveu: "Despejados completamente os piquetes nas vias do trem Roca, à altura da estação Sarandí". E complementou, em letras maiúsculas: "LEI E ORDEM". 


Insert - Detalhes sobre a economia

Ao meio-dia de hoje, Javier Milei fará um pronunciamento, em rede nacional de televisão, para explicar o alcance do decreto de desregulamentação da economia, o qual modificará ou revogará mais de 3.500 leis. Entre as medidas, estão a redução de gastos, a eliminação de impostos, a prorrogação do período de experiência para novos funcionários (de três a seis ou oito meses), a diminuição nos valores de indenizações, entre outros. Ontem, uma pesquisa da empresa de consultoria Zubán Córdoba, indica que Milei conta com 50% de imagem positiva, após as primeiras medidas de ajuste fiscal.