Após intensas negociações, o Congresso Nacional aprovou nesta sexta-feira (15/12) a reforma tributária, conjunto de mudanças que busca simplificar a arrecadação de impostos no país, unificando tributos que hoje são cobrados sobre a produção e a comercialização de produtos e serviços.
A aprovação é considerada um feito histórico por políticos e economistas. Por ser tratar de uma ampla mudança que impacta muitos setores econômicos e a arrecadação de União, Estados e municípios, a reforma levou décadas em debate até se conseguir chegar a um consenso.
A unificação dos impostos não entra automaticamente em vigor, no entanto. Ainda será preciso o Congresso regulamentar detalhes do novo sistema, além de um período de teste e transição para calibrar o novo imposto que será criado.
Após esse processo, o Brasil passará a ter um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), modelo usado na maioria dos países e em quase todos os desenvolvidos. A expectativa é que ele esteja plenamente em funcionamento em 2033.
No caso brasileiro, o IVA terá dois componentes: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá três impostos federais (IPI, PIS e COFINS), e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificará ICMS (estadual) e ISS (municipal).
A futura alíquota do novo imposto, porém, é alvo de questionamentos. Críticos da reforma dizem que o IVA brasileiro vai elevar a carga tributária e citam projeções de economistas indicando que a alíquota pode chegar a 28%, a maior do mundo.
"É inaceitável uma reforma tributária que nos impõe o maior IVA do mundo, ameaça investimentos, competitividade, e pressiona custos que recairão sobre todos nós!", criticou na rede social X o senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro de Desenvolvimento Regional do governo de Jair Bolsonaro (PL), em novembro, quando a reforma estava em debate no Senado.
Embora ainda não seja possível cravar qual será a alíquota do IVA brasileiro, defensores da reforma reconhecem que será alta para padrões internacionais. No entanto, ressaltam que isso reflete o fato de o Brasil ter uma grande parte da sua arrecadação sobre produção e consumo – diferentemente de outros países com IVA menor que arrecadam mais sobre renda e propriedade.
A ideia, destacam os apoiadores da mudança, é que o novo IVA arrecade exatamente o que hoje os cinco impostos (IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS) rendem às três esferas do poder público, sem, portanto, elevar a carga tributária atual.
O objetivo de manter a mesma arrecadação é não desfalcar o caixa dos governos, já que esse dinheiro é usado para bancar serviços públicos, como escolas, hospitais e o funcionamento das polícias.
Entusiastas da reforma dizem que a reorganização e a simplificação do sistema com a unificação dos impostos terão o efeito de impulsionar o crescimento e ampliar o poder de compra da população (entenda melhor ao longo da reportagem).
"A reforma vai ser neutra em termos de não diminuir a arrecadação e não aumentar a carga tributária. Então, sendo neutra, isso quer dizer que os novos tributos (IBS e CBS) têm que arrecadar exatamente a mesma coisa que arrecadam hoje", sintetiza a especialista em questões tributárias Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canadá.
"Como a futura alíquota será correspondente à carga tributária de hoje, então o Brasil já tem esse maior IVA do mundo. Só que o novo sistema trará muito mais transparência", defende.
Melina explica ainda que a alíquota base do IVA também ficará mais alta no Brasil devido aos descontos dados na reforma a alguns setores.
Serviços de saúde e educação, por exemplo, pagarão um IVA equivalente a 40% da alíquota cheia. Já a cesta básica terá alguns itens com isenção total (não pagarão IVA) e alguns itens com alíquota reduzida (40% da alíquota cheia).
Ou seja, para que alguns produtos e serviços tenham imposto menor, a alíquota padrão capaz de garantir a mesma carga tributária de hoje precisa ser maior.
Qual será o IVA brasileiro? E como é no mundo?
Segundo projeções preliminares do Ministério da Fazenda, o novo imposto brasileiro pode ficar entre 25,45% e 27%, mas esse cálculo será revisto, pois foi realizado antes de o Congresso realizar algumas alterações no texto que podem elevar a alíquota final.
Já uma projeção do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) João Maria Oliveira, também anterior a essas alterações, calculou que o IVA brasileiro poderia chegar a 28,4%.
Hoje, o maior IVA do mundo é o da Hungria (27%). Os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm alíquota média de 19,2%. Dos 38 integrantes da organização, formada principalmente por países ricos, apenas os Estados Unidos não adotam o IVA.
Para Melina Rocha, porém, não faz sentido comparar o IVA de diferentes países sem levar em conta o sistema tributário de cada um deles como um todo.
"Não dá para comparar a alíquota nominal padrão de um país com outro, justamente porque esses outros países, que têm uma alíquota menor do IVA, têm uma alíquota muito maior sobre renda", argumenta.
Segundo um relatório da Receita Federal com dados de 2020, a carga tributária média dos países da OCDE estava em de 33,5% do Produto Interno Bruto (PIB) naquele ano, enquanto a brasileira era de 30,9% do PIB.
Já ao analisar o tipo de tributo, os dados mostram que a carga tributária sobre renda no Brasil era de 6,9% do PIB, contra 10,6% na média da OCDE.
No caso da tributação sobre bens e consumos, o cenário se inverte: a carga brasileira estava em 13,5% do PIB, contra 10,8% na média da OCDE.
Vale explicar que o PIB é o cálculo de riqueza produzida pelo país em um determinado espaço de tempo. Quando se calcula a carga tributária em proporção ao PIB, basicamente se está analisando o tamanho da arrecadação no ano em relação à riqueza gerada no país no mesmo ano.
Como IVA pode impulsionar a economia?
Estimativas preliminares de diferentes economistas têm apontado forte potencial de crescimento da economia a partir de ganhos de produtividade devido à simplificação tributária trazida pelo IVA.
Uma projeção feita em 2020 por Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), estimou que a adoção do IVA poderia elevar o PIB potencial brasileiro em 20% em 15 anos.
Já as simulações dos economistas Edson Domingues e Débora Freire Cardoso, professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), projetaram um ganho um pouco menor, de 12% no mesmo período.
"[O Brasil tem um] Sistema bastante distorcido e complexo", nota o economista Manoel Pires, também pesquisador da FGV, em um artigo recente sobre a reforma tributária.
"Existem impostos que se diferenciam por produto, várias alíquotas por região, legislações que se multiplicam, obrigações acessórias e elevado custo de conformidade que aumentam custos e conduzem a decisões econômicas ineficientes", continua, ao abordar os efeitos negativos do sistema atual.
No artigo, Pires cita estudos que mostram impactos positivos da adoção do IVA em países como Canadá e China, como aumento de investimentos, vendas, geração de empregos e produtividade.
Segundo Pires, esses efeitos positivos têm relação com a simplicidade do sistema e com o fato do IVA gerar créditos tributários ao longo da cadeia de produção, evitando o acúmulo de taxação.
Ou seja, quando uma empresa compra um insumo de outra, o IVA incide sobre essa operação, mas, depois, essa empresa pode descontar o que pagou na compra do insumo do IVA que será pago na venda do seu produto. Esses descontos são o que se chama de créditos tributários.
O sistema brasileiro hoje também tem geração de crédito tributários em algumas operações, mas a complexidade do sistema gera distorções e disputas jurídicas.
"[A adoção do IVA] Desonera a cadeia produtiva acabando com a cumulatividade", diz Pires no artigo.
Outro efeito positivo, afirma o pesquisador, é o IVA incidir sobre o consumo final.
"[A adoção do IVA] Desloca a tributação da produção para o consumo, desonerando investimentos e exportações, aumentando a competitividade da economia", reforça Pires.
Estudos mostram ainda que a reforma tributária deve aumentar o poder de consumo da população, em especial dos mais pobres. Isso porque a proposta em tramitação no Congresso prevê a criação de um sistema de cashback (devolução de impostos) para os brasileiros de menor renda, algo que já é adotado em outros países que usam o IVA, como Uruguai, Colômbia e Canadá.
Melina Rocha ressalta, porém, que os ganhos esperados com a implementação da reforma tributária levarão tempo.
"Há estudos que estimam aumento do crescimento econômico e da renda da população, mas isso não vai ocorrer de imediato porque o novo sistema só vai ser implementado completamente em 2033 por conta do período de transição", ressalta.
Fase de testes definirá a alíquota do IVA brasileiro
Não é possível ainda dizer com certeza qual será a alíquota do IVA brasileiro porque isso dependerá da regulamentação da reforma e também de elementos práticos como possíveis perdas por sonegação.
Por isso a projeção inicial da Fazenda estimou um possível intervalo, entre 25,45% e 27%.
Para se calcular qual será a exatamente a alíquota, haverá uma fase de testes em 2026, em que será cobrado um CBS (IVA federal) de 0,9% e um CBS (IVA estadual) de 0,1%.
Nesse momento, os outros cinco impostos continuarão em vigor, mas haverá desconto do que for arrecadado com o testo do CBS e do IBS, para não haver uma dupla tributação.
A partir do que for arrecadado com essas alíquotas reduzidas na fase de testes, será possível calibrar qual será a alíquota do novo imposto.
Mas ainda haverá uma fase de transição em que o IVA brasileiro será implementado gradualmente no lugar dos atuais impostos, até entrar totalmente em vigor em 2033.
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