América Latina

Essequibo: Venezuela e Guiana prometem não fazer uso de força e marcam reunião no Brasil

Em declaração após encontro, presidentes dos dois países prometem se abster de agravar conflito por região disputada.

Presidência da Venezuela
Presidentes da Guiana, Mohamed Irfaan Ali (à esquerda), e da Venezuela, Nicolás Maduro (à direita) se encontraram nesta quinta-feira (14) para discutir crise em torno da região de Essequibo

Os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, prometeram não fazer ameaças e nem o uso de força de um país contra o outro em meio às tensões em torno da região de Essequibo, uma área disputada pelos dois países há mais de 150 anos.

A promessa consta da declaração final de um encontro realizado pelos dois em São Vicente e Granadinas nesta quinta-feira (14/12). Na declaração, os dois presidentes também se comprometem a diminuir as tensões entre as nações e acordaram continuar a debater o assunto em uma reunião no Brasil daqui a três meses.

A reunião entre os dois foi convocada pela Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e contou com a presença de observadores da Organização das Nações Unidas (ONU) e de países como o Brasil. O enviado do governo brasileiro ao encontro foi o assessor especial da Presidência da República pra assuntos internacionais, Celso Amorim.

O encontro entre as delegações da Guiana e da Venezuela começou no final da manhã e a declaração final só foi divulgada por volta das 22h (horário de Brasília).

No texto de três páginas, os dois países se comprometeram a:

  • Não se ameaçar ou usar a força um contra o outro em quaisquer circunstâncias, incluindo aquelas decorrentes de quaisquer controvérsias existentes entre os dois países;
  • Resolver quaisquer controvérsias entre os dois países de acordo com o direito internacional, incluindo o Acordo de Genebra, que trata da região de Essequibo e que foi firmado em 1966;
  • Abster-se, seja por palavras ou por atos, de agravar qualquer conflito ou discordância entre os dois países;
  • Estabelecer uma comissão conjunta de ministros e técnicos dos dois países para tratar do assunto;
  • Guiana e a Venezuela, direta ou indiretamente, não ameaçarão ou usarão a força uma contra a outra em quaisquer circunstâncias;
  • Reunir-se no Brasil nos próximos três meses ou em outra data mutuamente acordada para tratar de assuntos relacionados a Essequibo.

O encontro entre Maduro e Irfaan Ali foi o episódio mais recente da escalada de tensões entre os dois países em função da disputa sobre Essequibo.

Após a reunião, Nicolás Maduro comemorou o resultado do encontro.

"Excelente dia de diálogo! [...] Conseguimos", disse o presidente venezuelano em rede social.

Irfaan Ali também se manifestou em suas redes após o encontro.

"Gostaria de agradecer à nossa equipe técnica, incluindo todos os agentes estatais, advogados, diplomatas e especialistas nacionais, regionais e internacionais que nos apoiaram com sua experiência no desafio de hoje", disse o presidente guianense.

Mais cedo, durante uma entrevista coletiva, o presidente da Guiana disse que havia deixado claro a Maduro que sua posição era de que a questão fosse resolvida pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU).

"Não há, absolutamente, nenhum recuo da Guiana em assegurar que esse assunto seja determinado pela CIJ e que o resultado desse caso seja respeitado por todos", afirmou.

Antes da reunião, Maduro postou em suas redes sociais que havia chegado a São Vicente e Granadinas para defender os direitos da Venezuela.

"Chegamos a São Vicente e Granadinas com o mandato do povo da Venezuela para avançar mediante o diálogo e a palavra de paz, defendendo os direitos do povo e da nossa pátria", publicou Maduro no X (antigo Twitter).

Origem da disputa

A controvérsia sobre Essequibo tem mais de 150 anos. A região tem 160 km², maior que o Estado do Ceará ou que todo o território da Inglaterra. A área equivale a dois terços do território da Guiana.

No século 19, a Venezuela e o Reino Unido disputaram as fronteiras entre o país sul-americano e a então chamada Guiana Inglesa.

O assunto foi submetido a uma arbitragem internacional e, em 1899, a Sentença Arbitral de Paris decidiu a favor do Reino Unido. As fronteiras atuais da Guiana foram definidas nesta sentença.

Mas em 1949, documentos desse processo foram divulgados e a Venezuela passou a alegar que o processo de arbitragem não teria sido imparcial.

Desde então, o país sustentou que a arbitragem que definiu as fronteiras da Venezuela com a Guiana deve ser considerada nula e sem valor.

Em 1966, quando a Guiana se tornou independente, a Venezuela e o Reino Unido assinaram um acordo que reconheceu a reivindicação venezuelana e que dizia que os países buscariam soluções para resolver a disputa de forma pacífica — mas a área continuou a ser ocupada e administrada pela Guiana.

Esta controvérsia foi revivida por Nicolás Maduro nos últimos anos após a descoberta de reservas de petróleo potencialmente gigantes na costa de Essequibo.

Foram descobertas pelo menos 11 bilhões de barris de petróleo. O início da exploração petrolífera na região vem fazendo com que o produto interno bruto (PIB) da Guiana cresça em velocidade acelerada.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB cresceu 62% no ano passado e deverá chegar a 37% este ano.

Escalada de tensões

As tensões em torno de Essequibo aumentaram nas últimas semanas. Em 3 de dezembro, a Venezuela realizou um referendo sobre a criação de um Estado venezuelano nesta área de disputa e o voto "sim" ganhou por uma grande maioria, de acordo com as autoridades da Venezuela.

Apesar disso, há alegações de que a participação no referendo foi baixa.

Após o referendo, Nicolás Maduro anunciou o envio de uma lei para a criação de um estado venezuelano dentro do território de Essequibo e também determinou que a companhia estatal de petróleo do país, a PDVSA, criasse uma divisão especial para iniciar a pesquisa e exploração petrolífera na região, o que foi considerado uma afronta pelo governo da Guiana.

Em resposta, o presidente da Guiana vem afirmando que não abrirá mão da soberania do país.

Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil e à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), Irfaan Ali disse que fará "o que for necessário" para se defender da Venezuela e não descartou a abertura de uma base militar norte-americana no país.

As tensões deixaram governos da região preocupados. No início do mês, o governo brasileiro anunciou que reforçou o número de tropas estacionadas na fronteira do país com Venezuela e Guiana, no Estado de Roraima.

A região é considerada estratégica no caso de uma tentativa de invasão militar da Venezuela sobre o território de Essequibo.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ofereceu o Brasil e o Ministério das Relações Exteriores para mediar a crise.

Também na semana passada, os governos dos Estados Unidos e da Guiana anunciaram a realização de exercícios militares em território guianense.

Na ocasião, o secretário do Departamento de Estado norte-americano, Antony Blinken, conversou por telefone com Irfaan Ali.

Em nota divulgada pelo órgão, Blinken teria reiterado o apoio "inabalável" dos Estados Unidos à Guiana e defendido que a controvérsia sobre Essequibo fosse resolvida de maneira pacífica.

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