Transição de poder

Argentina: 'Desenhar o bastão presidencial foi uma honra', diz ourives

De tradicional família especializada em prataria, Adrián Pallarols, 52, fabricou o bastão de comando que será passado, neste domingo (10/12), de Alberto Fernández para Javier Milei. Ele explicou as partes da peça e revelou expectativa sobre novo governo

Durante 39 de seus 52 anos, Adrián Pallarols tem trabalhado como ourives e prateiro. Filho de uma tradicional família que confecciona pratarias sob encomenda, esse argentino de Buenos Aires foi o responsável pela criação do bastão presidencial que será utilizado, neste domingo (10/12), durante a cerimônia de posse, pelo presidente eleito Javier Milei. Em entrevista ao Correio, Pallarols contou que demorou 230 horas — distribuídas durante um mês e uma semana — para terminar a peça. Também ourives do Vaticano e amigo pessoal do papa Francisco, ele falou sobre o que espera do futuro da Argentina, sob o comando de Milei, e explicou, em detalhes, cada parte do bastão.

Qual é o significado, para o senhor, de ter construído um dos símbolos do poder da Argentina?

Ter desenhado o bastão presidencial e trabalhado para o próximo mandatário argentino foi, realmente, uma honra para mim. Uma distinção, que, na condição de artesão, me deixa muito contente. Trata-se de uma forma de colaborar e de ajudar todo um processo democrático, que cada um dos cidadãos, com o seu trabalho, pode fazer para que o país esteja a cada dia melhor e mais forte. Sobretudo, o exercício da democracia, com a participação de todos, fará dessa nação um lugar mais justo e mais soberano.

Onde buscou inspiração para o bastão presidencial que será usado por Milei?

Não é a primeira vez que participo da construção de bastões presidenciais. Pertenço à família mais antiga da América do Sul que trabalha com prataria sob encomenda. Nossa família remonta a Barcelona, em 1750. Desde 1804, estamos em Buenos Aires trabalhando a serviço de famílias muito importantes, do governo argentino, e, sobretudo, colaborando com peças que têm representado a arte do Rio da Prata. Sou da sétima geração que trabalha em uma oficina familiar, que foi passando de pai para filho. Hoje, estamos localizados na zona de Retiro, em Buenos Aires. Todo esse caminho levou-me a conhecer o papa Francisco, há mais de 20 anos, como amigo, consultor e confessor. Ele celebrou meu casamento, batizou os meus filhos e ministrou-lhes a Primeira Comunhão. Hoje, sou o ourives do Vaticano há mais de uma década.

Adrián Pallarols - Adrián Pallarols é amigo do papa Francisco e ourives pessoal do pontífice argentino há mais de dez anos
 

O senhor pode descrever o simbolismo de cada parte da peça?

O bastão presidencial consta de duas peças presidenciais. Uma delas é a ponteira, a parte inferior, com uma ponta de aço. Por protocolo, é a parte que toca o chão e deve ser de material duro e resistente. A outra é a parte superior, um cilindro de prata com quatro argolas, que guardam cada um dos motivos com que temos decorado a peça. Na parte inferior do botão (ou maçaneta), onde vai a mão, há uma inscrição — gravada em baixo relevo — que diz "Ao grande povo argentino, felicidades!", que é parte do nosso Hino Nacional. Depois, seguindo e para cima, há outra parte que parece uma coroa de louros circular, que envolve toda a base. Os louros significam a glória ao exercício do governo de um presidente democrático, e a glória do povo que o elege e o celebra. Na parte central, temos nova coroa de louros, mas oval, onde está o escudo argentino, que tem um trabalho pintado à mão com esmalte vitrificável. Ao ser submetido ao fogo, esse esmalte se transforma em cristal. Ele está todo cercado de louros, com o sol nascente, que é a nova pátria, o novo país fundado quando se comemorou a independência, em 1816. No centro do escudo nacional, estão duas mãos, que significam a união dos cidadãos, com as cores da pátria, o azul celeste e o branco, segurando uma lança. Sobre ela, está o barrete frígio, símbolo da liberdade. Na parte superior, há outra coroa de louros, gravada em alto relevo, que diz: "República Argentina". Acima, cobrindo o bastão, personalizei a peça, a pedido de Milei, e coloquei um leão que avança e caminha. Em muitos dos discursos, Milei disse que não veio para falar às ovelhas, mas para despertar leões, a fim de reconstruir a Argentina.

Adrián Pallarois - Bastão presidencial que será usado por Milei, na solenidade deste domingo (10/12)
 

Adrián Pallarols - Os detalhes do Escudo Nacional da Argentina e da imagem do leão, forjada a pedido do próprio Milei

O que espera de Milei no comando de seu país?

Entendo que, depois de ter atravessado um processo em que os governos eleitos tiveram destinos um pouco confusos e, talvez, repletos de corrupção, graças a Deus, o povo argentino elegeu outra coisa. Esperamos começar a desenrolar e a acomodar tudo o que esse processo nos causou. Infelizmente, sob o slogan de querer ajudar os mais pobres, eles os prejudicaram mais do que nunca, inclusive com uma ex-presidente (Cristina Kirchner) condenada pelos delitos de roubo, malversação de dinheiro e mal cumprimento da função pública. Esperamos que o governo que assumirá neste domingo (10/12) mude esse destino e nos brinde com igualdade e, sobretudo, justiça e liberdade. Coisas que têm sido bastante violadas. Eu e muitos argentinos esperamos ter um país onde nos permitam trabalhar livremente e exportar, onde a pressão tributária seja tão baixa quanto necessário, para que o país funcione, mas sem oprimir os trabalhadores. Todo o processo do governo anterior deixou 60% do país, que recebe ajuda ou depende de planos do Estado, praticamente sem emprego. É inviável um país funcionar assim. Esperamos que o presidente Milei resolva esse problema, sem deixar de ajudar aqueles que verdadeiramente necessitem. 

 

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