Venezuela

Em meio à crise com a Guiana, Maduro visitará Putin neste mês

Kremlin confirma que o presidente venezuelano se reunirá com o colega russo, em Moscou, até o fim do ano. Conselho de Segurança da ONU debate crise e líder chavista assina seis decretos para oficializar a criação da província do Essequibo

O anúncio do Kremlin ocorreu um dia depois de o Comando Sul dos Estados Unidos anunciar um exercício militar conjunto com as Forças Armadas da Guiana. A Presidência da Rússia divulgou que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, visitará o homólogo russo, Vladimir Putin, até o fim do ano. A viagem — que ocorre no meio de uma crise diplomática entre Caracas e Georgetown — estaria marcada desde outubro.

Também nesta sexta-feira (8/12), enquanto o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) se reunia a portas fechadas para debater o aumento de tensão na América do Sul, Maduro assinava seis decretos que têm o objetivo de manter a defesa do território do Essequibo, província guianense rica em petróleo. A reunião do Conselho, em caráter de urgência, foi convocada a pedido da Guiana. Terminou por volta das 22h (hora de Brasília), sem declaração. Segundo a agência France-Presse, as delegações deixaram a sala com rosas nas mãos, oferecidas pelo Equador, que preside o órgão.

No domingo passado (3/12), por meio de um referendo controverso, 95% dos venezuelanos teriam aprovado a anexação da região e a concessão de nacionalidade a cerca de 125 mil habitantes do Essequibo. Além de nomearem o deputado Alexis José Rodríguez Cabello como Autoridade Única do estado da Guayana Esequiba, como será conhecida a nova província, os documentos criam uma zona de defesa integral para a área e reconhecem o novo mapa da Venezuela com a anexação efetivada. Especialistas e opositores condenam a manobra de Maduro e admitem que a consulta popular foi um fracasso, além de contrariar os trâmites na Corte Internacional de Justiça (CIJ).

"Creio que esse desafio aberto ameaça a estabilidade da região, é uma ameaça direta à Guiana e às empresas que aqui operam", declarou o presidente da Guiana, Irfaan Ali, em entrevista publicada ontem pela revista colombiana Semana. "Os pronunciamentos de Maduro podem chegar a uma ocupação, à destruição da paz e à instabilidade regional."

"A Guiana e a ExxonMobil terão que se sentar conosco cara a cara, mais cedo ou mais tarde", avisou Maduro, durante um ato em frente ao palácio presidencial de Miraflores, onde mostrou um mapa da Venezuela que incluía o Essequibo como território oficial, e não como uma área reivindicada.

Sergey Guneyev/AFP - Vladimir Putin durante entrega de medalhas alusivas ao Dia dos Heróis da Pátria, celebrado nesta sexta-feira (8/12)

Polarização

Em entrevista ao Correio, Jose Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV), afirmou que Maduro pretende demarcar o conflito com a Guiana dentro da polarização entre Estados Unidos e Rússia. "Provavelmente, ele tentará fazer com que os russos vendam armas para o Exército venezuelano, muito mal equipado. No entanto, a Venezuela não conta com os recursos para pagar pelos armamentos e possui uma grande dívida com a Rússia. Creio que, na visita a Putin, Maduro fará anúncios pomposos e nebulosos, mas sem nada tangível", explicou. 

Aumaitre lembra que Putin e a Rússia têm interesses na América do Sul. "Ao presidente russo, em nada beneficia um enfrentamento adicional, enquanto suas tropas passam por dificuldades na Ucrânia", comentou. O estudioso acrescenta que a China também possui muitos interesses estratégicos na Guiana. "Moscou e Pequim mantiveram negociações nos últimos anos e atuam de forma coordenada", disse, ao descartar vetos por parte de Rússia e China em votações do Conselho. 

Sob condição de anonimato, uma fonte acadêmica venezuelana disse ao Correio que qualquer decreto sobre o Essequibo será sem efeito, a menos que venha seguido da anexação territorial. "Não creio que as Forças Armadas e o governo da Venezuela estejam preparados para isso. A comunidade internacional não veria isso com bons olhos."

A mesma fonte acredita que as Nações Unidas não chegarão tão facilmente a uma decisão substancial sobre o impasse e descarta um ato hostil por parte da Venezuela. "É importante observar a reação da China e da Rússia no Conselho de Segurança. Eles não poderão apoiar a Venezuela, pois têm negócios importantes na Guiana e mais notáveis do que na Venezuela", acrescentou.

Analistas políticos interpretam a crise provocada por Maduro como uma tentativa de desviar o foco da vitória da candidata María Corina Machado nas primárias da oposição e de adiar as eleições.

 

Mais Lidas

MP considera nulas eleições na Guatemala; OEA vê tentativa de golpe

O Ministério Público da Guatemala assegurou que suas investigações determinaram que as  eleições vencidas por Bernardo Arévalo, em agosto passado, são "nulas" devido a supostas irregularidades administrativas no primeiro turno. O MP tem realizado uma ofensiva judicial contra o presidente eleito da Guatemala. Em 17 de novembro passado, o órgão apresentou à Suprema Corte uma solicitação para retirar a imunidade de Arévalo. Por meio de um comunicado, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, condenou a "tentativa de golpe de Estado" por parte do MP guatemalteco. 

"A tentativa de anular as eleições gerais do presente ano constitui a pior forma de ruptura democrática e a consolidação de uma fraude política contra a vontade do povo", afirmou Almagro. O próprio presidente eleito vinha denunciando ser vítima de um "golpe de Estado em andamento" para evitar que assuma o cargo em 14 de janeiro. 

Durante uma coletiva de imprensa, a promotora Leonor Morales afirmou que houve anomalias na redação das atas finais de encerramento do escrutínio e que, portanto, "são nulas de pleno direito para as eleições de presidente, vice-presidente, deputados, corporações e deputados do Parlacen (Parlamento Centro-americano)".

Eu acho...

"Os decretos assinados por Nicolás Maduro buscam, dentro do país, dar sensação de controle do território. Fora da Venezuela, ele maximiza posições para ver se ganha algo em uma negociação."

Jose Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV) 

Hipertexto - "É uma mensagem do além"

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou que a queda de um helicóptero na Guiana, que deixou cinco militares mortos, foi "uma mensagem do além". "Transmito minhas condolências ao povo da Guiana e às forças militares, mas isso é uma mensagem do além: não mexa com a Venezuela, quem mexe com a Venezuela vai se dar mal", disse o líder socialista, durante um ato em frente ao palácio presidencial de Miraflores. Cinco militares do Exército da Guiana morreram neste acidente, registrado na quarta-feira na região de Essequibo. "Lamentavelmente tiveram um acidente de helicóptero e, imediatamente, os meios de comunicação da Guiana me acusaram de ter derrubado esse helicóptero", assinalou Maduro, que exibiu mapas da Venezuela com a inclusão do Essequibo durante o ato.