"As mãos delas estavam amarradas para trás. Havia o corpo de uma mulher que tinha uma mancha de sangue sobre a genitália." "Os tiros foram disparados nos órgãos sexuais. Vimos vários mortos assim. Vimos mulheres com os seios arrancados ou com marcas de bala sobre cada um dos seios." "Ele deitou uma mulher e compreendi que a estuprava. Mudava a posição dela e a passava para outro homem. Cortaram-lhes os seios e os jogaram na estrada." Dois meses depois, os depoimentos de sobreviventes do massacre de 7 de outubro em uma sessão especial da ONU e a especialistas israelenses revelaram o uso sistemático do estupro por parte do Hamas durante o ataque terrorista que matou 1,2 mil pessoas e deixou 5 mil feridas.
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Horas depois de uma tensa reunião com familiares de alguns dos 138 sequestrados ainda em poder do grupo extremista palestino, o primeiro-ministo de Israel, Benjamin Netanyahu, denunciou a omissão de organizações de defesa dos direitos humanos: "Vocês ficaram em silêncio porque eram mulheres judias?". O premiê admitiu aos parentes dos sequestrados que "não existe possibilidade de trazer todos de volta a Israel agora". Reféns libertados durante o acordo de cessar-fogo confirmaram ao chefe de governo que mulheres estão sendo "tocadas" dentro dos túneis cavados sob a Faixa de Gaza.
Por telefone, Ruth Halperin-Kaddari, especialista em direitos humanos internacionais e diretora acadêmica do Centro Rackman para o Progresso da Mulher da Universidade Bar-Ilan (em Ramat Gan, subúrbio de Tel Aviv), afirmou ao Correio que analisou evidências coletadas pelas autoridades israelenses, pela polícia e pelas Forças de Defesa de Israel (IDF), além de vários relatos de testemunhas sobre agressões sexuais cometidas em 7 de outubro.
"Também vi um filme com o depoimento de uma sobrevivente que se escondeu entre os arbustos, durante o ataque à festa rave, e descreveu o que viu a poucos metros de onde estava. Um estupro que envolveu a mutilação extremamente brutal de uma mulher, ainda viva. A mesma testemunha contou sobre outra mulher, nua, carregada por um homem. Socorristas disseram que corpos de homens e mulheres foram encontrados no local da rave, em uma base das IDF e em kibbutzim com um mesmo padrão: sem roupas, sangrando e com sinais de tiros nas partes íntimas e nos seios", explicou Ruth.
A estudiosa teve acesso a fotos dos cadáveres e constatou as mesmas evidências. Ela destaca que o estupro como arma de guerra não é algo novo na história das guerras. "O Hamas teve vários exemplos com os quais pôde aprender, como o que o Estado Islâmico fez com os yazidis na Síria, os hutus fizeram com os tutsis em Ruanda ou os russos fazem com os ucranianos", disse. Ela criticou a lentidão da comunidade internacional em responder às denúncias de violações sexuais em Israel. "Os órgãos da ONU não intensificaram uma condenação ao Hamas, nem reconheceram ou admitiram que a violência sexual foi parte dos ataques de 7 de outubro." Halperin-Kaddari advertiu que a inação mina a credibilidade do sistema internacional de direitos humanos.
O presidente dos EUA, Joe Biden, defendeu que o mundo condene "energicamente e de forma inequívoca a violência sexual dos terroristas do Hamas". "Eles infligiram tanta dor e sofrimento às mulheres e meninas como puderam. Depois, as assassinaram. Isso é devastador", declarou. O democrata exigiu a libertação imediata das mulheres e dos demais sequestrados. "Não vamos parar até trazer cada um para casa e será um processo longo", reforçou Biden.
"Os combatentes do Hamas estupraram ou não mulheres israelenses em 7 de outubro?". A pergunta do Correio a Mahmoud Mardawi, membro da Liderança Política do Hamas, teve resposta rápida: "Não". "O inimigo é uma máquina de mentir, mas não engana ninguém. Netanyahu está em apuros depois da reunião com os familiares dos prisioneiros e detidos", comentou, ao citar os reféns.
De acordo com Mardawi, a "resistência" diferencia entre uma civil israelense e uma soldado. "Netanyahu tenta pressionar por meio de calúnias e mentiras. Por que ele não leva essas pessoas até a mídia para entrevistá-las?", indagou. O líder do Hamas também rejeitou uma denúncia do Ministério da Saúde israelense de que os ex-reféns teriam sido dopados momentos antes das libertações. "Se isso fosse verdade, quem tivesse sido exposto à suposta droga teria falado à mídia, depois de recobrar a consciência", opinou.
Khan Yunis
Passava das 23h (18h em Brasília), quando a reportagem pôde escutar o som intermitente de drones ao fundo da ligação de voz, por meio do WhatsApp. Do outro lado da linha, em Khan Yunis (sul da Faixa de Gaza), o ativista Khalil Abu Shammala, 53 anos, contou ao Correio que 250 familiares morreram durante os bombardeios ao enclave palestino, nos últimos dois anos. "Isso é a guerra. Não sabemos o número exato de mortos ou quem será o próximo. A coisa mais importante que nós perdemos foi a memória de Gaza. Eles destruíram a moderna e antiga Gaza. Eles bombardearam os nossos corações, antes de atingirem seus alvos", lamentou.
Segundo Abu Shammala, a maior parte da população do leste e do centro de Khan Yunis moveu-se para o extremo sul de Gaza e para a parte ocidental da segunda maior cidade do enclave, depois que as IDF lançaram panfletos de aviões recomendando aos moradores abandonarem as áreas, por conta da incursão terrestre. "Os bombardeios alvejam qualquer coisa. A maioria dos mortos são civis", desabafou. Ele afirmou que faltam alimentos no comércio e que as condições de vida são mínimas. "Algumas vezes encontramos comida, outras vezes, não. Nenhum lugar é seguro."
Mais cedo, o major-general Yaron Finkelman, chefe do Comando Sul das IDF, tinha anunciado: "Estamos agora no coração de Jabaliya, de Shejaiya (norte de Gaza) e de Khan Yunis". O Hamas divulgou que 16.248 palestinos morreram nos bombardeios, 70% deles mulheres e crianças.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Ruth Halperin-Kaddari, especialista em direitos humanos internacionais e diretora acadêmica do Centro Rackman para o Progresso da Mulher da Universidade Bar-Ilan (em Ramat Gan, subúrbio de Tel Aviv)
A senhora acredita que estupro foi cometido de forma sistemática pelo Hamas, em 7 de outubro?
Durante interrogatórios pelos serviços de segurança israelenses, terroristas do Hamas relataram instruções e ordens, recebidas antes de 8 de outubro, para entrarem, capturarem, torturarem, estuprarem e matarem. Ao conectar os pontos, não tenho dúvidas de que a violência sexual, durante o massacre de 7 de outubro, foi parte de uma plano premeditado e pré-concebido. A violência sexual e o estupro foram usados pelo Hamas como armas de guerra.
Como se explica esse método usado pela facção?
Isso não era parte do conflito israelo-palestino. É algo extremamente perturbador e chocante. Levou um tempo para percebermos que esse tipo de atrocidade foi parte do ataque. Eu sugeriria que o motivo está no fato de que o Hamas não teve a chance de fazer isso antes. Tragicamente, o atentado de 7 de outubro veio como uma surpresa, e o Hamas viu a oportunidade de praticar esse tipo de violência.
As mulheres que ainda estão no cativeiro continuam a correr risco de violência sexual?
Infelizmente, tenho razões firmes para acreditar nisso. Nós escutamos de reféns que retornaram a Israel relatos sobre isso. Eles testemunharam violência sexual contra as mulheres. (RC)