FAMÍLIA REAL

O caso de amor que foi pivô de crise que mudou história da família real britânica

Impossibilitado de conciliar o desejo de se casar com Wallis Simpson e a coroa real, Edward 8º abdicou ao trono britânico, em uma decisão que abalou o país em 1936

Impossibilitado de conciliar o desejo de se casar com Wallis Simpson e a coroa real, Edward 8º abdicou ao trono britânico, em uma decisão que abalou o país em 1936 -  (crédito: Getty Images)
Impossibilitado de conciliar o desejo de se casar com Wallis Simpson e a coroa real, Edward 8º abdicou ao trono britânico, em uma decisão que abalou o país em 1936 - (crédito: Getty Images)
BBC
Myles Burke - BBC Culture
postado em 16/12/2023 19:51 / atualizado em 17/12/2023 14:34

"Finalmente, sou capaz de dizer algumas palavras minhas."

Foi assim que o rei Edward 8º do Reino Unido (1894-1972), como era conhecido até o dia anterior, iniciou uma transmissão de rádio pela BBC no dia 11 de dezembro de 1936. Seu discurso deixou o público ouvinte em choque – e, mais do que isso, reformulou o futuro da monarquia britânica.

Por sete minutos, ele explicou por que decidiu renunciar voluntariamente ao trono – o primeiro caso de abdicação da monarquia inglesa – para se casar com a mulher que ele amava, a socialite norte-americana Wallis Simpson (1896-1986).

Até a semana anterior ao discurso, a maior parte do público britânico não sabia o que estava acontecendo.

Edward já era uma figura controversa antes da abdicação. Seu relacionamento com Simpson foi noticiado abertamente na Europa continental e nos Estados Unidos, mas a eficiente restrição das informações no Reino Unido, estabelecida entre o governo, a imprensa privada e a BBC, fez com que os britânicos só começassem a tomar conhecimento do assunto naquele momento.

O discurso transmitido pelo rádio foi o ato final do que havia se tornado uma crise constitucional no país.

Edward se apaixonou por Wallis Simpson, esposa do empresário norte-americano Ernest Simpson, no início dos anos 1930.

Este não foi o primeiro relacionamento de Edward com uma mulher casada. Mas, em janeiro de 1936, o tumultuado romance ganhou um novo significado, com a morte do rei George 5º (1865-1936) e a consequente chegada de Edward ao trono britânico.

Tudo se complicou ainda mais em outubro daquele mesmo ano, quando Simpson recebeu a sentença provisória do seu divórcio. Ficou então claro que o novo rei pretendia se casar com ela.

O casal enfrentou forte oposição de várias instituições britânicas. A Igreja da Inglaterra (da qual Edward, como rei, era chefe), o governo britânico e os próprios conselheiros de Edward deixaram claro que a ideia era inaceitável.

Documentos publicados em 2013 revelaram que o secretário de Estado para Assuntos Internos da época, John Simon (1873-1954), ficou tão preocupado em se manter informado sobre a escalada da situação que grampeou o telefone do rei.

O primeiro-ministro Stanley Baldwin (1867-1947) alertou Edward que, para ele, o público britânico simplesmente não aceitaria a possibilidade de que uma mulher americana, divorciada duas vezes, fosse sua rainha. Mesmo assim, ninguém conseguia dissuadir Edward, que afirmava estar preparado para abdicar se o governo continuasse se opondo ao casamento.

Com a pressão cada vez maior para que o rei desistisse do seu relacionamento, Edward tentou defender a possibilidade de um casamento morganático – entre pessoas com diferentes posições sociais – com Wallis Simpson. Desta forma, ele poderia continuar sendo o rei, enquanto Simpson não seria a rainha, mas apenas sua consorte. A ideia foi sumariamente negada pelo Gabinete.

O rei então declarou ao primeiro-ministro que gostaria de transmitir um apelo à nação. Edward foi o primeiro membro da família real a fazer um discurso transmitido pelo rádio em 1922. Ele conhecia o poder do rádio para formar opiniões.

No dia 3 de dezembro, ele escreveu um discurso explicando seus motivos. O rei acreditava ser capaz de influenciar a opinião pública, permitindo que ele se casasse e mantivesse o trono.

Mas o primeiro-ministro Baldwin disse a ele simplesmente que o discurso pelo rádio seria constitucionalmente impossível e dividiria a nação, se o público ficasse encarregado da decisão.

Por isso, seis dias depois, o rei cumpriu sua ameaça. Edward informou ao governo que, depois de reinar por menos de um ano, ele iria optar pelo amor de Wallis Simpson, renunciando às responsabilidades da coroa.

Explosão pelo rádio

Mesmo depois de decidir abdicar do trono, Edward ainda desejava explicar a decisão aos seus súditos. Assim, no dia seguinte à assinatura do documento de abdicação, ele discursou no Castelo de Windsor, em uma transmissão radiofônica organizada pelo próprio diretor-geral da BBC, John Reith (1889-1971) – o primeiro a ocupar o cargo na corporação.

No dia 11 de dezembro de 1936, às 22h01, hora de Londres, a BBC interrompeu uma reprise do seu popular programa Comic Opera para uma transmissão ao vivo. Reith apresentou aos ouvintes "Sua Alteza Real, o príncipe Edward". O ex-monarca já havia renunciado ao título de rei.

John Reith então se pôs de lado para que Edward assumisse a posição em frente ao microfone.

Enquanto Edward se sentava, sua perna bateu acidentalmente contra a mesa. O ruído foi captado pelo microfone e levado ao ar.

Este incidente levou alguns jornais a interpretarem que o diretor-geral da BBC teria saído da sala batendo a porta em desaprovação, o que não aconteceu.

O ex-rei começou então seu discurso de despedida. "Nunca quis esconder nada, mas, constitucionalmente, não me era possível falar até agora."

Edward prosseguiu, declarando lealdade ao seu irmão, o rei George 6º, que o sucedeu no trono. E afirmou que, embora tenha abdicado, nunca esqueceu o seu país, nem o Império Britânico.

O discurso foi reescrito com base no texto redigido pelo rei para defender sua posição ao público, poucos dias antes.

O futuro primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1965), na época, era um deputado conservador que apoiava a visão do rei. Ele foi convocado para revisar o discurso e muitas das frases da redação original foram mantidas na nova versão, incluindo as razões que levaram à decisão de Edward.

"Concluí ser impossível carregar o pesado fardo de responsabilidades e cumprir com as tarefas reais, como eu gostaria de fazer, sem o auxílio e o apoio da mulher que eu amo", disse ele.

Edward declarou que a decisão era unicamente sua e que "a outra pessoa mais interessada tentou me convencer, até o último minuto, a seguir um caminho diferente".

Após a transmissão, John Reith escreveu no seu diário que o príncipe sorriu com tristeza para ele ao se despedir. "O que aquele jovem havia jogado fora – a maior oportunidade que qualquer rei ou qualquer homem já teve. Eu senti pena dele", escreveu Reith.

Depois da abdicação

A transmissão do discurso foi marcante na época e também abalou o diretor-geral da BBC.

John Reith escreveu que, quando voltou para casa, não conseguia falar sobre o ocorrido para sua esposa ou sua filha. Sua vontade era de "simplesmente me sentar na cadeira pensando e levou algum tempo até que eu conseguisse dormir".

Apesar de terem recebido ordens em contrário, os engenheiros da BBC gravaram o discurso de abdicação de Edward, o que fez com que os arquivistas negassem a existência da gravação por muitos anos.

Depois da abdicação, Edward causaria ainda mais controvérsias. No ano seguinte, ele e Simpson fizeram uma visita extraoficial à Alemanha. Lá, eles se encontraram com Adolf Hitler e outros líderes nazistas.

Muitos anos depois, já em 1970, ele concedeu uma entrevista ao jornalista da BBC Kenneth Harris (1919-2005), na residência do casal em Paris, na França. Ele declarou que não se arrependia da decisão de abdicar.

Edward afirmou que não se considerava parte do "establishment", o que talvez seja incoerente, considerando seus antecedentes e seu papel como antigo rei.

Para ele, a abdicação ajudou o "establishment" e, mesmo se "permanecesse solteiro", ele teria ficado em curso de colisão com as instituições do país.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.

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