O primeiro-ministro da Húngria, Viktor Orbán, alertou que poderia "puxar o freio de mão" nos envios de ajuda financeira à Ucrânia, depois de vetar um pacote de 55 bilhões de euros destinado ao seu vizinho.
Não é a primeira vez que Orbán tenta impedir que seus colegas da União Europeia (UE) ajudem Kiev em meio à guerra com a Rússia.
No entanto, na última quinta-feira (14/12), o premiê permitiu, ainda que de forma relutante, que a Ucrânia e a Moldávia iniciassem suas negociações formais para aderir à UE.
Orbán se retirou da sala e permitiu que os outros 26 líderes da UE votassem unanimemente a favor do início do processo.
Ainda assim, ele classificou a medida como uma "má decisão" e disse que a Hungria poderia parar a negociação qualquer momento.
Mas afinal, qual é o problema de Viktor Orbán com a Ucrânia?
O premiê argumenta que a sua posição é pragmática e construtiva, embora seja evidente que existe uma antipatia pessoal entre ele e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Enquanto outros líderes da UE fazem fila nas cimeiras em Bruxelas para tirar fotografias com o líder ucraniano, Orbán costuma manter distância.
Porém, no último fim de semana, Zelensky teve uma conversa intensa com Orbán, quando ambos compareceram à posse do novo presidente da Argentina, Javier Milei.
O presidente ucraniano disse mais tarde que perguntou a Orbán por que a Hungria está bloqueando a adesão do seu país à UE.
O aliado europeu da Rússia
Orbán parece ficar mais confortável com Vladimir Putin do que com Zelensky. E ele é, de fato, o aliado mais próximo do líder russo na Europa.
O húngaro condenou cautelosamente a invasão russa sem criticar Putin e, recentemente, se tornou o primeiro líder ocidental a se reunir com ele desde abril de 2022.
"A Hungria nunca quis confrontar a Rússia. A Hungria sempre esteve disposta a expandir os contatos", disse Putin, segundo a televisão estatal russa, durante conversas em Pequim, em outubro. Relatos sugerem que ele até adotou o termo usado por Putin para a guerra: “operação militar especial”.
A imagem de um líder da UE e da Otan apertando a mão de Vladimir Putin enfureceu aliados ocidentais de Orbán. O embaixador dos EUA em Budapeste se queixou de que, embora a Rússia ataque civis ucranianos, “a Hungria defende acordos comerciais”.
O primeiro-ministro húngaro argumenta que a Ucrânia não pode vencer a guerra e deve, portanto, ser persuadida pelos seus aliados a buscar um cessar-fogo imediato, seguido de negociações.
Durante o verão no Hemisfério Norte, ele alertou que a contraofensiva ucraniana iria falhar - e nisso provou estar certo.
Orbán também se opôs às sanções da UE ao petróleo e ao gás russos e se recusa a permitir a entrada de ajuda militar da UE ou da Otan na Ucrânia. Ele diz que fornecer armas a Kiev apenas prolonga a agonia do conflito.
O premiê tomou a decisão de vetar o mais recente pacote de ajuda econômica à Ucrânia porque acredita que o dinheiro dos contribuintes húngaros não deve ir contra os seus próprios interesses.
Segundo ele, a adesão da Ucrânia à UE seria um desastre para o bloco europeu, incluindo para os agricultores húngaros, e acabaria com o Fundo de Coesão, que presta apoio aos Estados-membros do bloco.
Orbán não vê a Ucrânia como um futuro membro da UE, mas sim como uma zona que separa o bloco da Rússia. É uma visão não muito diferente daquela de Vladimir Putin sobre uma Ucrânia “neutra e desmilitarizada”.
A Hungria não é indiferente
Um importante diplomata húngaro disse à BBC que o conflito na Ucrânia era “uma guerra civil inter-eslava”, em referência à tendência do partido de Orbán, o Fidesz, de ver o mundo em termos étnicos.
A Hungria não ficou indiferente aos efeitos da invasão russa.
O país forneceu ajuda humanitária considerável e ajudou centenas de milhares de refugiados ucranianos que se dirigiam para outros países da UE. Cerca de 25 mil permanecem na Hungria e recebem ajuda estatal.
Mas Orbán afirma que a história normalmente prova que ele está certo.
Ele observa que aqueles que foram seus críticos mais duros durante a crise migratória de 2015 e 2016 hoje estão discretamente adotando as suas políticas, incluindo a construção de cercas e a tentativa de externalizar pedidos de asilo para países de fora da Europa, como Ruanda, Líbia e Tunísia.
Outro pilar da política do seu governo é o apoio às minorias húngaras nos países vizinhos.
Dezenas de húngaros étnicos foram mortos ou feridos em combate, lutando pela Ucrânia. E milhares de pessoas fugiram ou não regressaram às suas casas desde a invasão russa em grande escala em fevereiro de 2022.
Desde 2017, o governo de Orbán tem estado em desacordo com Kiev por causa de uma lei educacional ucraniana que torna cada vez mais difícil estudar húngaro nas escolas ucranianas.
Com isso, Orbán foi duro e bloqueou as reuniões da comissão Otan-Ucrânia.
Antes da cimeira da UE desta semana, a Ucrânia aprovou uma nova lei que garante o direito dos húngaros e de outras “nacionalidades da UE” de falar e estudar na sua própria língua.
No entanto, Mate Kocsis, chefe do Fidesz no Parlamento, chamou a mudança de “cosmética e leve”.
De acordo com estimativas não oficiais, restam apenas 50 mil húngaros étnicos na Ucrânia e a hostilidade em relação a eles está aumentando.
“Cada vez que Orbán abre a boca, a nossa situação piora”, disse um antigo apoiador do primeiro-ministro húngaro à BBC em Mukhachevo, um centro de húngaros na província ucraniana da Transcarpática.
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br