Em clima de suspense e com um atraso de pouco mais de duas horas, o ministro da Economia da Argentina, Luis "Toto" Caputo, anunciou as primeiras nove medidas econômicas do governo de Javier Milei para impedir uma hiperinflação. O primeiro pacote do ajuste fiscal de urgência da Casa Rosada, sob o comando do ultralibertário, é marcado por uma forte desvalorização da moeda — o dólar oficial passará a valer 800 pesos argentinos —, pela redução dos subsídios para tarifas de energia e transporte e pela contenção de gastos públicos. Milei começou a colocar em funcionamento sua "política de motosserra", com cortes em despesas.
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"Não há mais dinheiro. Não se pode seguir gastando mais do que se arrecada", advertiu Caputo. "Se seguimos como estamos, nós caminharemos, inevitavelmente, para a hiperinflação. (...) Nossa missão é evitar essa catástrofe", acrescentou, ao apontar o vício do deficit fiscal como a raiz de uma das piores crises das últimas décadas.
"A razão de nossas crises recorrentes está no fato de que temos focado em querer solucionar as consequências, nunca os problemas", explicou o ministro. Ele lembrou que, ao longo dos últimos anos, a Argentina reestruturou sua dívida em nove ocasiões. "Se essa fosse a solução, nós deveríamos ser a Suíça. (...) O que faremos é o oposto do que temos feito sempre. Vamos solucionar a raiz deste problema", prometeu Caputo, não sem antes fazer um alerta sombrio. "Durante alguns meses, estaremos piores do que antes, particularmente em termos de inflação. Como disse o presidente, é preferível dizer uma verdade incômoda a uma mentira confortável."
Além da mudança no câmbio oficial, as medidas econômicas do governo Milei atacam os gastos públicos, como corte em novas licitações de obras públicas, enxugamento de ministérios, redução de repasses financeiros do Estado às províncias e diminuição nos subsídios sobre as tarifas de energia elétrica e transportes.
Custos sociais
Professor de macroeconomia da Universidad de Buenos Aires (UBA), da Universidade Torcuato Di Tella e da Ucema, Claudio Iglesias disse ao Correio que o diagnóstico de Caputo é correto: o problema fiscal na Argentina domina as esferas monetárias, financeiras e externas. "No entanto, as medidas anunciadas pelo ministro têm grandes custos sociais. As implicações do ajuste fiscal ainda não são claras, por exemplo, na retirada de subsídios para muitas pessoas que não podem pagar pelo transporte, pela energia ou pelo gás."
Iglesias admitiu que os fundos de pensões das províncias apresentam desequilíbrios que devem ser corrigidos. "Mas a direção do governo Milei é correta. A Argentina não pode continuar reestruturando a dívida ou monetizando o deficit, pois isso levaria à hiperinflação", observou o especialista.
De acordo com ele, a sustentabilidade social e política do programa econômico estará em jogo nas "letras miúdas" do que foi anunciado. Sobre a desvalorização cambial, o dólar era comprado a 400 pesos; com o pacote de Caputo, esse valor dobrará. "Sobre esse novo dólar oficial, serão aplicados impostos a serem estabelecidos. Isso é, coexistirão vários tipos de câmbio: importador, exportador etc.", explicou Iglesias.
Para Damian Deglauve, analista da DED Consultoria Política (em Buenos Aires), as medidas são "surpreendentes", apesar de não representarem o choque esperado na economia, nem serem tanto paliativas. "São ações fortes e prenunciam um sofrimento que a população argentina enfrentará, mas impactam principalmente a classe média, que votou em Milei. "Espero uma alta inflação e um forte encarecimento dos alimentos e dos serviços. Se tivesse sido um choque contundente, talvez fosse melhor. Até agora, é surpreendente que Milei se baseie na continuidade e não em qualquer choque."
Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, chamou as medidas de austeridade da Argentina de "um passo importante para a restauração da estabilidade" no país, em mensagem publicada no X (antigo Twitter). "Eu acolho com satisfação as medidas decisivas anunciadas (...) para abordar os importantes desafios econômicos da Argentina", escreveu.
O que vai mudar
1- Contratos do Estado — Os contratos trabalhistas do Estado com menos de um ano de vigência não serão renovados.
2- Publicidade do governo — Durante um ano, ficará suspensa a publicidade do governo na imprensa da Argentina.
3- Redução do Estado — Os ministérios serão reduzidos de 18 pastas para nove; as secretarias, de 106 para 54.
4- Financiamento de províncias — O governo reduzirá, ao mínimo, as transferências do Estado nacional às províncias.
5- Licitações de obras — O Estado nacional deixará de licitar obras públicas novas e cancelará as licitações aprovadas, cujo desenvolvimento não tenha começado.
6- Energia e transporte — O governo reduzirá subsídios à energia e ao transporte. De forma artificial, o Estado tem mantido preços baixíssimos por meio de subsídios.
7- Planos sociais — O Estado manterá os planos Potenciar Trabajo, conforma estabelecido pelo Orçamento 2023, assim como o Benefício Universal por Filho (AUH, em espanhol) e o tíquete alimentação.
8 - Novo câmbio e impostos — O governo Milei definiu a taxa de câmbio oficial em 800 pesos. A medida será acompanhada de aumento provisório do imposto PAIS sobre as importações e de retenções na fonte sobre exportações não agrícolas.
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