Os argentinos tiveram que conter a ansiedade para saber a dimensão do ajuste fiscal com o qual o novo governo pretende dar o pontapé para recuperação do país. Aguardado para ontem, o anúncio do pacote foi adiado para hoje pelo recém-empossado presidente Javier Milei, que, em sua estreia à frente da Casa Rosada, realizou a primeira reunião do enxuto gabinete de nove ministros. A única medida econômica divulgada ao longo do dia restringiu o câmbio.
O Banco Central, cujo novo presidente ainda não tomou posse, anunciou de manhã que o mercado de câmbio funcionaria com a "regra da conformidade prévia a todas as operações de demanda" — em outras palavras, com um mecanismo de operações autorizadas, o que implicou em um feriado bancário virtual, de acordo com a mídia argentina. "Durante a transação, as operações serão analisadas e processadas em função das prioridades", assinalou o comunicado.
Num dia totalmente atípico, às 14h15, o dólar oficial era cotado em alta de 459,49 pesos. Enquanto isso, no mesmo horário, o dólar "blue" — ou paralelo — registrava leve queda, a 980 pesos. Na Calle Florida, epicentro do câmbio informal em Buenos Aires, a moeda norte-americana era vendida a 990 pesos, sem saltos bruscos. Uma dezena de arbolitos (arvorezinhas), como são chamados popularmente os cambistas, negociavam normalmente.
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Choque
Hoje, caberá ao ministro da Economia, Luis Caputo, anunciar os pontos concretos do ajuste. A possibilidade de desvalorização do peso argentino — amplamente prevista por alguns economistas — é motivo central da apreensão dos argentinos. No país, que apostou no controle cambial para gerenciar a constante escassez de divisas, a cotação da moeda norte-americana é um parâmetro acompanhado no dia a dia, assim como a previsão do tempo. A expectativa é a de que o dólar comercial seja fixado em cerca de 600 pesos.
No discurso de posse, no domingo, Milei insistiu que "não há alternativa ao ajuste" do gasto público no país, que apresenta 40% de pobreza e 143% de inflação. O "choque" é iminente, já explicitou o novo presidente.
Milei tem dito e repetido que o corte dos gastos públicos será equivalente a 5% do Produto Interno Bruto (PIB), embora não tenha dado detalhes sobre como fará essa redução e quais setores serão os mais afetados.
Ontem, o porta-voz do governo, Manuel Adorni, antecipou que Luis Caputo "se alinhará a um forte corte fiscal, com alguma expansão nas receitas sociais". Ele acrescentou que o reordenamento das finanças públicas é "a prioridade" para uma gestão que "vai respeitar rigorosamente o equilíbrio fiscal".
Muitas das medidas que Javier Milei esboçou durante sua campanha, como a dolarização da economia ou o desmantelamento do Banco Central, estiveram ausentes de seu primeiro discurso no domingo. De qualquer forma, em minoria no Congresso, acredita-se que no primeiro pacote de anúncios se concentre em decisões que podem ser adotadas diretamente pelo Executivo sem a necessidade de anuência parlamentar.
O presidente ultralibertário não deixou espaço para dúvidas de que o corte de gastos começará imediatamente em um contexto de crise que não pode esperar. "Não há lugar para a discussão entre o choque e o gradualismo", discursou Milei a simpatizantes reunidos em frente ao Congresso da Nação, após tomar posse. "Para fazer gradualismo, é necessário que haja financiamento. E, infelizmente, tenho que dizer-lhes de novo: não há dinheiro", enfatizou.
Algumas linhas de ação do governo foram antecipadas pelo próprio Milei. À profunda redução do gasto do Estado federal se somarão privatizações de empresas públicas, como a petroleira YPF, para obter recursos para equilibrar as contas públicas em um país eternamente deficitário.
No campo administrativo, o novo presidente ordenou um pente fino nos contratos no setor público, que na Argentina representam mais de 18% do emprego total, um dos percentuais mais altos da América Latina, com 3,4 milhões de pessoas que trabalham para o Estado. No casos dos servidores, além da revisão dos contratos, o governo vai exigir trabalho 100% presencial.
"É preciso valorizar o funcionário público. A maioria das pessoas que trabalha para o Estado é válida e necessária. O que vamos combater é o emprego militante, o emprego que existe por uma questão política e que não aporta nada", explicou ontem o porta-voz do novo governo. "Serão revistas cada uma das contratações em virtude de encontrar contratações irregulares", destacou Adorni. "Cada um dos contratos será revisto", especificou, diante do receio de demissões em massa.
Ao fim da primeira reunião de governo, a vice-presidente Victoria Villarruel disse que o encontro "não foi simplesmente protocolar" pois foram tratados "diferentes temas, que vão informar os ministros de cada área".
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