"Se eu devo morrer, você deve viver, para contar minha história, para vender minhas coisas, para comprar um pedaço de tecido e algumas cordas (faça-a branca, com uma longa cauda). Para que uma criança, em algum lugar de Gaza, enquanto estiver olhando o paraíso, esperando pelo pai, deixado em um incêndio — e não tentou se despedir de ninguém, nem mesmo de sua carne, nem mesmo de si mesmo —, veja a pipa (...) voando alto, acima, e pense que, por um momento, um anjo está lá, trazendo de volta do amor. Se devo morrer, deixem que ela traga esperança, deixem que ela seja um conto." Refaat Alareer, poeta e professor da Universidade Islâmica de Gaza, escreveu esses versos em 1º de novembro. Ontem, depois de ser forçado a fugir para Khan Yunis (sul), ele e a família morreram durante bombardeio.
Na quarta-feira, o Correio recebeu uma mensagem, por meio do WhatsApp, do engenheiro civil palestino Mohammed Al Assar, que viveu dos 8 meses aos 16 anos no Brasil e entrou com um pedido de naturalização. "Minha casa foi bombardeada e destruída agora há pouco", contou, de Deir Al Balah (centro). Dois meses depois do massacre realizado pelo Hamas no sul de Israel e do começo da guerra em Gaza, as histórias de horror se tornam cada vez mais frequentes no enclave palestino. "Esses 60 dias parecem um filme de terror. A sensação é de estarmos em um pesadelo, que não acaba. São os piores meses da nossa vida", desabafou Al Assar à reportagem.
Fome e inflação
Enquanto buscam sobreviver, os palestinos encaram a fome. Eram 17h, e Mohammed relatou que tinha comido apenas um pedaço de pão durante todo o dia. "O problema é que tudo está caro. A farinha de trigo, que custava 30 shekels, hoje é vendida por 600 shekels. A garrafa de água potável, que antes era comercializada a 5 shekels, agora sai por 400", explicou Al Assar. Ele acredita que o número de mortos passe de 25 mil. "Muitas casas foram bombardeadas e há pessoas sob os escombros. Não temos máquinas para levantar o concreto", acrescentou.
Pela primeira vez, desde o começo da guerra, fotos e vídeos de supostos combatentes do Hamas vazaram na internet. As imagens mostram homens vestidos apenas com as roupas íntimas, ajoelhados e com as mãos amarradas. Uma fonte militar israelense disse ao Correio que houve pesados combates no campo de refugiados de Jabaliya e de Sajaya (centro), em que foram presas centenas de "terroristas". "Grande parte deles se renderam. Eles saem dos túneis e tentam atingir soldados guerreando nessas áreas. Muitos se renderam e foram presos. Serão interrogados. Os que tiverem ligação com o Hamas ficarão presos", disse a fonte. Ela explicou que os presos têm as roupas retiradas para se certificar de que não carregam armas ou explosivos.
Ramy Abdu, professor de direito e de finanças e diretor da ONG Euro-Med Monitor, disse conhecer vários entre os presos. "São civis sequestrados de escolas da ONU e de suas próprias casas. Todos foram submetidos a humilhação e tortura, e levados para Israel", assegurou, por meio do Twitter. Abdu conhecia Refaat e disse que esperava pela morte do poeta e colega, pelo fato de ele ter usado as redes sociais para expor as violações dos direitos humanos por parte de Israel. "Ele era um acadêmico conhecido e amado pela juventude palestina. Ajudou a fundar o projeto 'Nós não somos números', que ajudava a documentar as histórias de vida dos palestinos em Gaza."
Crítica à inércia
Embaixador da Palestina em Brasília, Ibrahim Alzeben critica a inação da comunidade internacional ante a guerra em Gaza. "Sete e seis anos depois da ocupação da Palestina; depois de centenas de massacres e assassinatos; 30 anos após a anulação dos acordos de paz de Oslo entre Israel e Palestina; após três anos de tentativas de normalizar as relações com os países árabes e de isolar a questão palestina, (...) o que o mundo e suas instituições oficiais aprenderam com essas duras lições? O que aprenderam Israel, EUA e Ocidente? A compreensão deles ainda está de cabeça para baixo. Continuam a crer, de forma ilusória, que o povo palestino levantará a bandeira da rendição sob pressão da limpeza étnica e dos massacres", disse o diplomata ao Correio.
Durante visita a militares perto da fronteira com o Líbano, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, ameaçou "transformar Beirute em Gaza" se a milícia xiita Hezbollah entrar no conflito. A morte do soldado Gal Eisenkot, filho do ministro Gadi Eisenkot, membro do gabinete de guerra, causou comoção em Israel. Em Tel Aviv, familiares e amigos dos 138 reféns em posse do Hamas participaram de uma cerimônia na qual acenderam uma vela para cada sequestrado. "Estou entusiasmado e feliz por estar aqui, na primeira noite de acendimento de velas de Hanukkah, aqui em solo israelense. Quero agradecer a todos que trabalharam para minha libertação e para a libertação dos outros reféns. Devemos continuar lutando até o último refém retornar", afirmou Amit Shani, 16 anos, um dos reféns libertados durante o acordo com o Hamas.
EU ACHO...
"A cada cinco minutos você acorda com as bombas caindo do seu lado. Você vê prédios caindo. Pessoas queimadas e despedaçadas. Não existe lugar seguro em Gaza. Em alguns locais, 200 pessoas morrem de uma vez, porque buscavam abrigo em um mesmo prédio."
Mohammed Al Assar, engenheiro civil palestino, morador de Deir Al Balah (centro da Faixa de Gaza)