O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ofereceu o Brasil para sediar reuniões para mediar o conflito entre a Venezuela e a Guiana pela região conhecida como Essequibo, na fronteira entre os dois países.
A oferta foi feita durante a abertura da 63ª Cúpula do Mercosul, no Rio de Janeiro na quinta-feira (7/12).
Lula disse que o bloco econômico "não pode ficar alheio" ao crescimento das tensões na região.
"Eu gostaria de dizer que nós vamos tratar (o assunto) com muito carinho porque se tem uma coisa que nós não queremos aqui na América do Sul é guerra. Não precisamos de guerra, não precisamos de conflito", disse Lula.
"O que precisamos é construir a paz porque somente com muita paz a gente pode desenvolver nosso país", disse Lula.
Lula também sugeriu que a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) possam intermediar o conflito.
Também na quinta-feira, os Estados Unidos anunciaram que enviaram aviões militares para exercícios sobre a região de Essequibo e a Guiana, com auxílio da Força Aérea do país. Os dois países têm parceria militar desde 2022.
A crise entre Guiana e Venezuela se agravou nos últimos dias, especialmente depois que o governo venezuelano realizou, no domingo (3/12), uma consulta popular sobre a possibilidade de criar um novo Estado na região de Essequibo, uma área disputada pelos dois países atualmente administrada pela Guiana e que corresponde a 70% do território do país.
A região de Essequibo tem aproximadamente 160 mil quilômetros quadrados, pouco maior que o Estado do Ceará.
A área é reivindicada pela Venezuela há mais de um século, mas foi incorporada ao território da Guiana no século 19.
A pressão venezuelana para retomar a área recomeçou em 2015, depois que reservas bilionárias de petróleo foram descobertas na costa da região.
De acordo com autoridades da Venezuela, o referendo terminou com o "sim" obtendo 95% dos votos.
Depois disso, o presidente Nicolás Maduro nomeou um governador para o futuro Estado e anunciou que determinou a emissão de licenças de exploração de petróleo na região.
Em resposta, o governo da Guiana acionou o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CSNU) e conversou com membros do governo dos Estados Unidos sobre a crise.
Na quarta-feira (6/12), o presidente do país, Mohamed Irfaan Ali conversou, por telefone, com o secretário de Estado americano, Antony Blinken.
Em comunicado emitido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, Blinken disse que o país pediu que os dois lados respeitem as fronteiras em vigor até que um novo acordo seja firmado ou que um "órgão legal competente" tome uma decisão.
Em meio a essa escalada de tensões, Lula se reuniu com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e com o assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, o embaixador Celso Amorim.
Lula sugeriu que a crise por Essequibo seja incluída no comunicado da cúpula a ser divulgada ao fim do encontro.
O Mercosul é formado por Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina e Venezuela, mas o país comandado por Maduro está suspenso do grupo desde 2017 por supostas violações ao regime democrático no país. A Bolívia está em processo de adesão e sua inclusão, já aprovada pelos parlamentos de Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina, pode ocorrer nos próximos dias.
A outra alternativa avaliada pelo governo brasileiro para tentar diminuir as tensões é o acionamento de um foro regional que reúna Guiana e Venezuela para que os dois governos possam dialogar sobre o assunto. Uma possibilidade seria o acionamento da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), do qual tanto Venezuela e Guiana fazem parte.
Ainda de acordo com essa fonte, o governo brasileiro avalia que os movimentos de Maduro em relação a Esequibo têm motivações eleitorais, uma vez que o país deverá realizar eleições presidenciais em 2024.
Governo preocupado com escalada
Em entrevista ao Canal Meio, Celso Amorim manifestou preocupação com a perspectiva de um conflito armado na América do Sul e com as consequências dos movimentos feitos até agora.
"Você ter alguma perspectiva, ainda que remota, de conflito bélico, entre dois países vizinhos entre si, vizinhos do Brasil, é algo extremamente perturbador", disse Amorim.
"Essa é uma questão antiga [...] Agora (no momento) em que você mistura uma questão jurídica, histórica, diplomática com uma questão popular, eleitoral, isso tem sempre consequências perigosas."
O embaixador disse não acreditar em uma intervenção militar da Venezuela na região, especialmente se ela envolver algum tipo de passagem pelo território brasileiro.
Amorim disse ainda temer que a escalada de tensões entre os dois países possam criar um pretexto para a instalação de bases militares estrangeiras na Amazônia.
"O que eu temo mais, para falar a verdade, é que se crie um precedente para termos bases estrangeiras e tropas estrangeiras na região", disse Amorim.
"Não estamos falando de qualquer região. Estamos falando da Amazônia, que sempre foi objeto de preocupação de nossa parte."
Nos últimos dias, Maduro chegou a criticar uma eventual ajuda militar americana à Guiana.
Por sua vez, o Ministério da Defesa do Brasil anunciou o envio de tropas para a fronteira com a Venezuela, em Roraima. Ao todo, foram acionados cerca de 200 militares e veículos blindados para região.
O que é Essequibo?
Essequibo é uma região é rica em minerais como ouro, cobre, diamante e, recentemente, lá também foram descobertos enormes depósitos de petróleo e outros hidrocarbonetos.
A votação na Venezuela realizada no domingo remonta uma disputa iniciada ainda durante o processo de independência das ex-colônias espanholas.
Em 1811, a Venezuela tornou-se independente, e a região de Essequibo passou a fazer parte do país.
Três anos depois, porém, o Reino Unido comprou a então Guiana Inglesa por meio de um tratado com a Holanda.
O tratado de compra, no entanto, não definiu com precisão qual seria a linha de fronteira do país com a Venezuela.
Em 1840, o Reino Unido nomeou o explorador Robert Shomburgk para definir essa fronteira, e uma linha, chamada Linha Schomburgk, foi estabelecida.
Com ela, a então Guiana Inglesa passou a ter 80 mil quilômetros quadrados adicionais em relação ao território inicialmente adquirido da Holanda.
Em 1841, começou oficialmente a disputa pelo território com denúncias sobre uma incursão indevida do Reino Unido no território.
Nas décadas seguintes, a controvérsia em torno de Essequibo passou a fazer parte da disputa por influência na América do Sul entre os Estados Unidos, uma potência em ascensão na época, e o então poderoso Império Britânico.
Os americanos expandiram seus interesses pela região e usavam como argumento a chamada Doutrina Monroe, cujo slogan era "América para americanos".
A postura representava, na prática, uma tentativa de limitar a influência das potências europeias sobre o continente.
Em 1886, uma nova versão da Linha Schomburgk foi traçada, incorporando uma nova porção de território à Guiana Inglesa.
Nove anos depois, em 1895, os Estados Unidos, então aliados da Venezuela, denunciaram a definição da fronteira e recomendaram que o caso fosse definido por meio de uma arbitragem internacional.
Três anos mais tarde, em 1899, foi emitida a Sentença Arbitral de Paris, que decidiu de forma favorável ao Reino Unido.
Em 1949, porém, veio a público um memorando de um advogado americano que atuou na defesa da Venezuela no processo de arbitragem em Paris. O documento denunciava uma suposta imparcialidade dos juízes do caso.
A divulgação desse memorando e de outros documentos do processo passaram a ser usados pela Venezuela para pedir que a Sentença de Paris fosse considerada "nula e sem efeito".
Em 1966, porém, o país e o Reino Unido firmaram o Acordo de Genebra, que reconheceu a reivindicação venezuelana e assumiu o compromisso de buscar soluções para resolver a disputa.
A Guiana solicitou que a Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia, na Holanda, arbitre a disputa, mas o governo venezuelano vem, reiteradamente, negando a legitimidade da instituição para decidir o futuro de Essequibo.
Na sexta-feira (30/11), a Corte Internacional de Justiça expediu uma decisão sobre um pedido feito pela Guiana que solicitava que a corte impedisse a realização do referendo.
A corte não se manifestou sobre a suposta ilegalidade da consulta popular, mas disse, em sentença, que a Venezuela não poderia tomar nenhuma medida que "modificaria a situação que atualmente prevalece no território em disputa".
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