O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), rebateu neste domingo (3/12) as críticas feitas pelo presidente da França, Emmanuel Macron, ao acordo Mercosul-União Europeia, e indicou a possibilidade que o tratado — que vem sendo negociado desde 1999 — não se concretizar.
"Se não tiver acordo paciência, não foi por falta de vontade", disse Lula a jornalistas em Dubai, onde os dois presidentes participam da cúpula do clima da ONU (COP28).
No sábado, Macron havia dito à imprensa em Dubai que o acordo comercial entre Mercosul União Europeia, que prevê a redução de tarifas em produtos dos dois blocos, é "antiquado" e "contraditório" com as políticas ambientais dos dois países — já que não estabelece garantias de redução de desmatamento em países como o Brasil.
O presidente brasileiro disse que a verdadeira preocupação da França no acordo Mercosul-União Europeia não é o meio ambiente — mas sim garantir formas de proteger seus produtores de competição que vem do Brasil e da América do Sul.
"A única coisa que tem que ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil. Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão", disse Lula.
"Vamos ver o que vai acontecer na sexta-feira [na Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro]. Mas se não houver acordo, pelo menos vai ficar patenteado de quem é a culpa de não ter acordo. O que a gente não vai fazer é um acordo para tomar prejuízo."
Lula disse que o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, vai realizar reuniões com movimentos sociais e sindicatos brasileiros antes da cúpula do Mercosul e que há sinais de insatisfação até mesmo entre os brasileiros. Mas criticou os países europeus pela falta de avanço nas negociações.
"[Os países ricos querem] é sempre ganhar mais. E nós não somos mais colonizados. Nós somos independentes e queremos ser tratados apenas com respeito de países que têm coisas para vender e essas coisas têm preço. O que nós queremos é um certo equilíbrio."
"Eles têm que saber que nós também temos indústria que nós queremos crescer e que nós não vamos facilitar as compras governamentais [reivindicação europeia para poder participar de licitações hoje restritas a indústrias nacionais no Brasil], porque nós queremos que a nossa indústria cresça", disse Lula.
Lula disse que Macron e a França são "historicamente protecionistas".
"A posição do Macron já era conhecida por mim. Ontem eu fiz uma reunião com o Macron para tentar mexer com o coração dele. Eu falei 'Macron quando você voltar para a França, abra o seu coração, cara. Pensa um pouco na América do Sul. Pensa no Mercosul. Nós somos países pobres. Nós temos países pequenos. Bom, me parece que ele não pensou. Ele não deu nem tempo para o coração dele, porque já foi comunicar vocês [jornalistas]."
"A França sempre foi o país que criou obstáculo no acordo Mercosul-União Europeia porque a França tem milhares de pequenos produtores e eles querem produzir os seus produtos. Agora o que ele não sabe é que nós também temos 4,6 milhões pequenas propriedades até 100 hectares que produzem quase 90% do alimento que nós comemos e que são alimentos de qualidade e que nós também queremos vender."
"Eles têm que saber que nós também temos indústria que nós queremos crescer e que nós não vamos facilitar a compra governamentais porque nós queremos que o nosso país cresça."
Palavras duras
Existe uma pressa em aprovar o acordo antes do dia 10 de dezembro, quando Javier Milei assume a presidência da Argentina. Ele se manifestou contra o tratado ao longo da campanha eleitoral.
Em Dubai neste fim de semana, Lula realizou diversas reuniões bilaterais sobre o acordo e o Itamaraty indicou a jornalistas que o tratado estava avançando.
Mas no sábado, Macron fez duras críticas ao que foi negociado até agora.
"Eu tive uma discussão formidável com o presidente Lula. Porque ele é visionário, corajoso e há muita sinergia entre as nossas estratégias. Eu mesmo irei em março [ao Brasil] e acredito que no combate ao desmatamento, numa verdadeira política amazônica, nas questões de defesa, nos interesses econômicos, nas questões culturais, temos uma agenda bilateral extremamente densa e um alinhamento de pontos de vista muito grande", disse Macron.
"E é justamente por isso, por isso mesmo, que sou contra o acordo Mercosul-UE, porque acho que é um acordo completamente contraditório com o que ele está fazendo no Brasil e com o que nós estamos fazendo."
"Acrescentamos frases [ao acordo] no início para agradar a França, mas ele não é bom para ninguém, porque não posso pedir aos nossos agricultores, aos nossos industriais na França, em toda a Europa, que façam esforços, que apliquem novas linguagens para descarbonizar, para abandonar certos produtos, enquanto são removidas todas as tarifas para importar produtos que não aplicam essas regras."
O tratado Mercosul-União Europeia vem sendo negociado por mais de duas décadas e envolve 31 países, 720 milhões de pessoas e aproximadamente 20% da economia mundial.
Segundo estimativas do governo brasileiro feitas em 2019, o acordo representaria um incremento no PIB do país equivalente a R$ 336 bilhões em 15 anos, com potencial de chegar a R$ 480 bilhões, se forem levados em conta aspectos como a redução de barreiras não tarifárias. O governo brasileiro estimava também que as exportações brasileiras para a União Europeia aumentem em cerca de R$ 384 bilhões até 2035.
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