Com o Brasil no comando da presidência rotativa do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega neste domingo (3/11) à Alemanha para uma visita de três dias em um momento de intensa reaproximação entre os dois países, com destaque para o acordo Mercosul-União Europeia e para o meio ambiente.
As relações esfriaram após o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), atual presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD, o "banco dos Brics"), e chegaram a um nível crítico durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Com Temer, foi por uma questão de agenda, pela presidência curta. No caso do Bolsonaro, houve realmente a pior crise das relações bilaterais em décadas em função de profundas divergências, sobretudo no âmbito do clima", diz Oliver Stuenkel, professor associado de Relações Internacionais da FGV em São Paulo.
"Na Alemanha, o tema ambiental é muito importante, e o Brasil é visto como um ator indispensável nesse contexto", acrescenta.
Fontes diplomáticas confirmaram à BBC em caráter reservado que as conversas eram "difíceis" durante o governo de Bolsonaro. Tão logo Lula foi eleito, em outubro do ano passado, o cenário "mudou completamente", com os "alemães empolgados" com o novo mandato do petista e acionando seus diplomatas para marcar reuniões em Brasília.
Recentemente, a embaixadora Maria Luisa Escorel de Moraes, secretária de Europa e América do Norte do Itamaraty, afirmou que a Alemanha foi um dos países nas quais o contato diplomático mais avançou nos últimos meses, que descreveu como "muito especial".
Prova disso foi que, desde que Lula tomou posse para o terceiro mandato, em 1º de janeiro deste ano, oito autoridades do alto escalão do governo alemão — incluindo o presidente Frank-Walter Steinmeier e o chanceler Olaf Scholz, além de seis ministros — visitaram o Brasil.
Além disso, a Alemanha retomou as doações para o Fundo Amazônia, de proteção à floresta, da qual é a segunda maior doadora, depois da Noruega.
Em outubro, o governo alemão desembolsou 20 milhões de euros (R$ 110 milhões, em valores atuais), a primeira parcela da doação de 35 milhões de euros anunciada no início do ano. No total, a Alemanha já doou 90 de milhões de euros (R$ 483 milhões) ao fundo.
Também será reativado um mecanismo de diálogo que a Alemanha mantém com poucos parceiros — o Brasil é o único país com esse status na América Latina.
"O governo alemão torceu abertamente para a vitória do Lula, mas desde o início acho que houve uma certa decepção do lado da Alemanha frente à postura brasileira no que diz respeito à guerra na Ucrânia e isso acabou ocupando muito espaço na conversa bilateral e impactou muito o clima do encontro entre Lula e Scholz em janeiro", diz Stuenkel.
O especialista lembra também que será o primeiro encontro bilateral liderado por Lula após o Brasil ter assumido a presidência rotativa do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, na sexta-feira (1/12).
"Há muita expectativa por parte da Alemanha, sobretudo agora com a presidência brasileira do G20. Isso dará ao Brasil uma capacidade imensa de pautar a agenda. Afinal, o G20 é muito mais do que um encontro de chefes de Estado", assinala.
Sobre o acordo União Europeia-Mercosul, que se arrasta desde 1999 e que Lula espera poder concluir ainda este ano, Stuenkel diz que "se houver avanços reais, essa visita será símbolo de uma relação que passará por uma transformação positiva".
"Não só no sentido de uma aproximação comercial, mas geopolítica. Esse acordo mudará profundamente a relação entre União Europeia e Mercosul. É importante lembrar que Brasil e Alemanha são as maiores economias dos respectivos blocos. Ambos os países já sinalizaram que querem este acordo. Portanto, será um passo importante para a relação (entre os dois países)", diz.
"Se não houver nenhum pronunciamento (sobre o acordo), acho que a janela de oportunidades estará fechada e, com isso, a relação bilateral também vai sofrer", acrescenta.
A possibilidade de um acordo Mercosul-UE, porém, sofreu um revés significativo no sábado (3/12), quando o presidente francês Emmanuel Macron disse em entrevista à imprensa em Dubai — onde acontece a conferência do clima da ONU (COP28) — que o acordo é "antiquado" e contraditório com as ambições ambientais de países como o Brasil.
As declarações de Macron foram dadas poucos minutos depois de o francês se encontrar com Lula — e são um forte revés para o presidente brasileiro, um dos principais defensores do tratado.
Além disso, Macron acusou o acordo Mercosul-UE de ser prejudicial ao meio ambiente — justamente durante a COP28 em que o Brasil tentava mostrar protagonismo na agenda ecológica.
Neste domingo (3/12), Lula rebateu as críticas feitas pelo presidente da França, Emmanuel Macron.
"Se não tiver acordo paciência, não foi por falta de vontade", disse Lula a jornalistas em Dubai.
O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser negociado em 1999 e prevê, entre outras coisas, a isenção ou redução na cobrança de impostos de importação de bens e serviços produzidos nos dois blocos.
Em 2019, durante a presidência de Jair Bolsonaro, Mercosul e União Europeia assinaram o acordo.
No entanto, novas exigências ambientais europeias e a reação sul-americana a elas acabaram por reabrir a negociação.
Cronograma da visita
Lula desembarca Alemanha após passar por Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos, onde discursou na COP28, a conferência climática global da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em Berlim, ele vai se encontrar com lideranças políticas e empresários. Deverão ser firmados cerca de 20 acordos nas mais diversas áreas, entre as quais meio ambiente, mudança do clima, desenvolvimento global, agricultura, bioeconomia, energia, saúde, ciência, tecnologia e inovação.
Segundo o governo brasileiro, Lula terá um jantar de trabalho na tarde deste domingo oferecido pelo chanceler federal Olaf Scholz.
Na segunda-feira (4/12) pela manhã, o petista vai se reunir com o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, e com a presidente do Conselho Federal (Bundesrat) e governadora do Estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Manuela Schwesig.
À tarde, Lula e Scholz voltam a se encontrar e presidem a 2ª Reunião de Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha, com a participação de ministros de Estado brasileiros e ministros federais alemães.
As Consultas de Alto Nível são o mais elevado mecanismo de diálogo entre Brasil e Alemanha e a única reunião ocorreu em Brasília, em 19 e 20 de agosto de 2015. Na ocasião, a então chanceler Angela Merkel visitou o Brasil acompanhada de sete ministros e cinco vice-Ministros Federais.
No fim da tarde de segunda-feira, Lula e Scholz participam de um evento empresarial, que será realizado na Casa da Economia Alemã (sede da Federação da Indústria Alemã, BDI).
Na terça-feira (5/12) pela manhã, Lula deve participar de uma conferência na Fundação Friedrich Ebert, ligada ao Partido Social-Democrata (SPD), e se reunir com parlamentares da legenda. O SPD, partido do chanceler, tem proximidade histórica com o PT.
Este é, provavelmente, o último giro internacional do ano de Lula. O petista chegou a ser convidado para a posse do presidente argentino, Javier Milei, no dia 10 de dezembro, mas sinalizou que não comparecerá à cerimônia.
Quando voltar a Brasília, na terça-feira (5/12), Lula terá saído do Brasil 15 vezes, visitado 23 países e passado, no total, mais de 60 dias no exterior, desde que tomou posse para o terceiro mandato, em 1º de janeiro deste ano.
Relações Brasil-Alemanha
Alemanha e Brasil são parceiros em comércio e investimentos, sobretudo no setor industrial.
Entre janeiro e outubro de 2023, as trocas comerciais entre os dois países foram de US$ 15,98 bilhões.
No ano passado, a Alemanha foi a quarta maior origem de importações do Brasil.
Mais de mil empresas alemãs atuam no Brasil. Segundo dados do Banco Central, a Alemanha é a 8ª origem de investimentos diretos no Brasil, com US$ 23,73 bilhões em estoque.
A Alemanha também é a maior parceira do Brasil em cooperação técnica e financeira.
Em 2024, completam-se 200 anos da imigração alemã ao Brasil e, segundo o governo brasileiro, os dois países "conferirão impulso, em Berlim, a atividades de comemoração da importante efeméride no próximo ano".
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br