GUERRA ISRAEL-HAMAS

Como Hamas reuniu forças para atacar Israel em 7 de outubro

Investigação da BBC mostra que grupos armados palestinos se reuniram muito antes dos ataques de outubro para planejar uma ofensiva contra Israel.

Cinco grupos palestinos armados uniram-se ao Hamas no ataque mortal de 7 de outubro a Israel, depois de treinarem juntos em exercícios de estilo militar a partir de 2020, segundo uma reportagem investigativa da BBC.

Os grupos fizeram exercícios conjuntos em Gaza que se assemelhavam muito às táticas utilizadas durante o ataque de outubro — incluindo treinamento num local a menos de 1 km da fronteira com Israel — e publicaram alguns trechos dessa preparação nas redes sociais.

Eles treinaram o sequestro de reféns e ataques à defesa de Israel. O último exercício do tipo foi realizado apenas 25 dias antes da ofensiva de outubro.

A BBC Árabe e a BBC Verify (agência de checagem da BBC) reuniram provas que mostram como o Hamas reuniu as facções de Gaza para aperfeiçoar os seus métodos de combate — e, finalmente, executar um ataque a Israel que mergulhou a região numa guerra, sem data para terminar.

'Sinal de unidade'

Em 29 de dezembro de 2020, o líder geral do Hamas, Ismail Haniyeh, anunciou a primeira de quatro etapas dos exercícios — partes do chamado projeto "Pilar Forte".

Haniyeg descreveu o projeto como uma "mensagem forte e um sinal de unidade" entre as várias facções armadas de Gaza.

Sendo o mais poderoso dos grupos armados de Gaza, o Hamas era a força dominante numa coligação que reuniu outras 10 facções palestinas.

Os exercícios seriam supervisionados por uma "sala de operações conjuntas".

A estrutura foi criada em 2018 para coordenar as facções armadas de Gaza sob um comando central.

Antes de 2018, o Hamas já tinha se aproximado formalmente da Jihad Islâmica Palestina, a segunda maior facção armada de Gaza — e, tal como o Hamas, uma organização considerada como terrorista pelo Reino Unido e por outros países.

O Hamas também lutou ao lado de outros grupos em conflitos anteriores, mas os exercícios iniciados em 2020 foram propagandeados como a prova de que um conjunto maior de grupos estava se unindo.

O líder do Hamas disse que o primeiro exercício refletiria a "prontidão permanente" das facções armadas.

O exercício de 2020 foi a primeira de quatro etapas conjuntas realizadas ao longo de três anos, cada uma delas registrada em vídeos sofisticados publicados nas redes sociais.

A BBC identificou visualmente 10 grupos, incluindo a Jihad Islâmica Palestina, por meio de bandanas e outros símbolos vistos em imagens publicadas no aplicativo Telegram.

Após o ataque de 7 de outubro, cinco dos grupos mapeados pela BBC publicaram vídeos alegando sua participação nele. Outros três divulgaram declarações escritas no Telegram em que reivindicavam o mesmo.

O papel destes grupos torna-se cada vez mais evidente à medida que aumenta a pressão sobre o Hamas para encontrar dezenas de mulheres e crianças sequestradas em Israel e feitas reféns em outubro.

Três grupos — a Jihad Islâmica Palestina, as Brigadas Mujahideen e as Brigadas Al-Nasser Salah al-Deen — afirmam ter capturado reféns em Israel naquele dia.

Acredita-se que o prolongamento da trégua temporária em Gaza, negociada com Israel, depende da localização desses reféns.

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Embora estes grupos pertençam a um amplo espectro ideológico, que vai desde os islâmicos linha dura aos relativamente seculares, todos partilhavam a vontade de atacar violentamente Israel.

As declarações do Hamas destacaram repetidamente o tema da unidade entre os diferentes grupos armados de Gaza. O grupo sugeriu que todos eram iguais nos exercícios conjuntos, ao mesmo tempo que desempenhava um papel de liderança nos planos para atacar Israel.

As imagens dos primeiros exercícios mostram comandantes mascarados em um bunker parecendo conduzir o treinamento, e começa com uma saraivada de foguetes.

A cena corta para combatentes fortemente armados invadindo um tanque fictício com uma bandeira israelense, detendo uma pessoa e a conduzindo como prisioneira. Eles também invadem prédios.

Sabemos, por meio de vídeos e depoimentos angustiantes de testemunhas, que ambas as táticas foram usadas para capturar soldados e civis em 7 de outubro, quando cerca de 1.200 pessoas foram mortas e aproximadamente 240 feitas reféns.

A olhos vistos

A segunda etapa de exercícios do 'Pilar Forte' foi realizada quase exatamente um ano depois.

Ayman Nofal, comandante das Brigadas de al-Qassam — o nome oficial do braço armado do Hamas —, disse que o objetivo do treinamento em 26 de dezembro de 2021 era "afirmar a unidade das facções de resistência".

Ele declarou que os exercícios "diriam ao inimigo que os muros e as obras da engenharia nas fronteiras de Gaza não o protegerão".

Outra declaração do Hamas afirmou que as "manobras militares conjuntas" foram concebidas para "simular a libertação de assentamentos perto de Gaza" — que é como o grupo se refere às comunidades israelenses.

O treinamento foi repetido em 28 de dezembro de 2022. Foram publicadas imagens de combatentes praticando o esvaziamento de prédios e a invasão de tanques no que parece ser uma réplica de uma base militar.

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Os exercícios foram noticiados em Israel, por isso é inconcebível que não estivessem sendo monitorados de perto pelas agências de inteligência do país.

Mas as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) já haviam feito ataques aéreos para interromper atividades de treinamento do Hamas. Em abril desse ano, as forças israelenses bombardearam o local que foi usado para a primeira simulação do 'Pilar Forte'.

Semanas antes dos ataques de outubro, soldadas atuando perto da fronteira com Gaza teriam alertado para uma atividade incomum de drones e afirmado que o Hamas estava treinando, com réplicas de suas posições, para assumir postos de observação.

Mas, segundo reportagens da imprensa israelense, elas dizem ter sido ignoradas.

O brigadeiro-general Amir Avivi, ex-vice-comandante das IDF em Gaza, disse à BBC: "Havia muitas informações de que eles estavam fazendo esse treinamento — afinal, os vídeos são públicos e isso estava acontecendo a apenas centenas de metros da cerca [com Israel]."

Mas ele disse que embora os militares israelenses soubessem dos exercícios, "não enxergavam para que estavam treinando".

As IDF disseram que "eliminaram" Nofal em 17 de outubro de 2023 — o primeiro líder militar do Hamas a ser morto durante o atual conflito.

Tão perto

O Hamas não mediu esforços para garantir que os exercícios fossem realistas.

Em 2022, os combatentes praticaram o ataque a uma falsa base militar israelense, de simulação, construída a apenas 2,6 km da passagem de Erez — uma rota entre Gaza e Israel controlada pelas IDF.

A BBC Verify encontrou o local no extremo norte de Gaza, a apenas 800 m da fronteira. Para isso, a reportagem combinou características geográficas observadas nas imagens de treinamento com imagens aéreas. Em novembro de 2023, o local ainda era visível no Bing Maps.

O campo de treinamento ficava a 1,6 km de uma torre de observação israelense e de uma caixa de observação elevada — elementos de segurança em que Israel gastou centenas de milhões de dólares para construção.

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A base simulada estava a vários metros abaixo do nível do solo, por isso pode não ter ficado visível para patrulhas israelenses — mas a fumaça que sobe das explosões certamente teria sido, e as IDF são conhecidas por usar vigilância aérea.

O Hamas usou este local para praticar ataques a prédios, fazer reféns sob a mira de uma arma e destruir barreiras de segurança.

A BBC Verify utilizou informações publicamente disponíveis, incluindo imagens de satélite, para localizar 14 locais de treinamento em nove pontos diferentes em Gaza.

Houve em duas ocasiões treinamento num local a menos de 1,6 km de um centro de distribuição de ajuda humanitária da ONU e que era visível no fundo de um vídeo oficial publicado pela organização internacional em dezembro de 2022.

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Ar, terra e mar

Em 10 de setembro, a chamada sala de operações conjuntas publicou imagens no seu canal Telegram de homens em uniformes militares vigiando instalações militares ao longo da fronteira entre Gaza e Israel.

Dois dias depois, foi realizado a quarta etapa de exercícios do Pilar Forte e, em 7 de outubro, todas as táticas que seriam utilizadas no ataque sem precedentes haviam sido ensaiadas.

Os combatentes foram filmados andando no mesmo tipo de caminhonete branca que foi vista no sul de Israel no mês seguinte.

O vídeo de propaganda mostra homens armados invadindo prédios de simulação e atirando em alvos fictícios no interior, bem como treinando para invadir uma praia usando barcos e mergulhadores.

Israel afirmou que repeliu tentativas de desembarque de barcos do Hamas na sua costa em 7 de outubro.

Entretanto, o Hamas não divulgou o seu treino com motocicletas e parapentes como parte da propaganda do 'Pilar Forte'.

Um vídeo publicado pelo Hamas três dias depois de 7 de outubro mostra cercas e barreiras sendo demolidas para permitir a passagem de motos, tática usada para invadir comunidades no sul de Israel.

A reportagem da BBC não identificou vídeos anteriores semelhantes.

Imagens de combatentes usando parapentes também não foram publicadas até o início do ataque de 7 de outubro.

Num vídeo dos treinamentos compartilhado no dia do ataque, homens armados são vistos entrando em um kibutz simulado, montado numa pista de pouso que localizamos a norte de Rafah, no sul de Gaza.

A BBC Verify identificou que ele foi gravado algum tempo antes de 25 de agosto de 2022 e armazenado em um arquivo de computador intitulado "Eagle Squadron", o nome que o Hamas usa para sua divisão aérea.

Isso indica que o plano para usar parapentes estava em andamento há mais de um ano.

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O elemento surpresa

Antes de 7 de outubro, pensava-se que o Hamas tinha cerca de 30 mil combatentes na Faixa de Gaza, segundo informes que citam comandantes das IDF. Também se acreditava que o Hamas poderia recorrer a milhares de combatentes de grupos menores.

O Hamas é de longe o mais poderoso dos grupos armados palestinos, mesmo sem considerar o apoio de outras facções.

Isso indica que o seu interesse em reunir vários grupos armados foi motivado por um esforço para garantir um amplo apoio dentro de Gaza — pelo menos tanto quanto pelo objetivo de reforçar o volume de combatentes.

As IDF estimaram anteriormente que 1,5 mil combatentes participaram dos ataques de 7 de outubro.

O jornal israelense Times of Israel informou no início deste mês que as IDF agora acreditam que esse número estava próximo de 3 mil.

Qualquer que seja o número real, conclui-se que apenas uma fração relativamente pequena do número total de combatentes armados disponíveis em Gaza participou do ataque.

Não é possível verificar números precisos de quantos combatentes de grupos menores participaram do ataque ou dos exercícios do 'Pilar Forte'.

Hisham Jaber, um ex-general de brigada do Exército libanês que agora é analista de segurança no Centro de Estudos e Pesquisa do Oriente Médio, diz acreditar que apenas o Hamas estava ciente do plano final.

Andreas Krieg, professor sênior de estudos de segurança na universidade Kings College em Londres, no Reino Unido, afirma que "embora houvesse planejamento centralizado, a execução era descentralizada, com cada esquadrão operacionalizando o plano como bem entendesse".

Krieg diz que conversou com fontes dentro do Hamas que demonstraram surpresa com a vulnerabilidade da defesa de Israel.

Para o analista, os membros de grupos armados palestinos provavelmente contornaram a tecnologia de vigilância de Israel ao se comunicarem offline.

Hugh Lovatt, analista de Oriente Médio no Conselho Europeu de Relações Exteriores, afirma que Israel teria conhecimento dos exercícios de treinamento conjuntos, mas "chegou à conclusão errada" — avaliando que os sinais representavam a atividade "padrão" de grupos paramilitares nos territórios palestinos, em vez de serem um "indicativo de um ataque iminente em grande escala".

Procuradas pela reportagem, as Forças de Defesa de Israel disseram que estão "atualmente focadas em eliminar a ameaça da organização terrorista Hamas" e questões sobre quaisquer falhas potenciais "serão analisadas numa fase posterior".

Poderão ser necessários vários anos até que Israel avalie formalmente se perdeu oportunidades de evitar o massacre de 7 de outubro.

O abalo para seus militares, serviços de inteligência e governo poderá ser sísmico.

*Colaboraram Paul Brown, Kumar Malhotra e Abdirahim Saeed

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