Eleições na Argentina

Medo e incerteza embalam o segundo turno da corrida à Casa Rosada

Em meio à grave crise no país, o ultralibertário Javier Milei chega ao segundo turno com chances de derrotar o ministro da Economia, Sergio Massa, e se tornar presidente. Para analista, a moderação é a única opção do direitista

Mais de 35 milhões de argentinos vão às urnas, neste domingo (19/11), dominados pelo medo de um agravamento da crise financeira e da radicalização. De um lado, o advogado e ministro da Economia, Sergio Massa, 51 anos, o candidato peronista de centro que não conseguiu uma fórmula mágica para tirar o país do atoleiro: a inflação chega a 143% em termos anuais, a pobreza atingiu 40,1% da população no primeiro semestre de 2023, enquanto o desemprego afeta 6,2%. De outro lado, o deputado anarco-capitalista, ultralibertário  e ultradireitista Javier Milei, 53, que declarou guerra às castas políticas e assustou o establishment de Buenos Aires com promessas polêmicas. Entre elas, a eliminação do Banco Central, a dolarização da economia, o corte de gastos públicos, a redução ao mínimo do papel do Estado, a extinção de vários ministérios e o fim do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet) — a principal entidade voltada à promoção da ciência e da tecnologia na Argentina. 

Em uma das eleições mais polarizadas da história, Massa e Milei chegam ao segundo turno tecnicamente empatados nas pesquisas, apesar de as sondagens serem contestadas por especialistas. No primeiro turno de 22 de outubro, o ministro obteve 37% dos votos, enquanto o adversário conquistou 30%. Na reta final, Milei recebeu o apoio do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e da ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich, candidata da coalizão de centro-direita Juntos pela Mudança e que ficou em terceiro lugar (24%).

Cientista política da Universidad de Buenos Aires (UBA), Mara Pegoraro vê três elementos "muito preocupantes" na figura de Milei. "Em primeiro lugar, sua posição contrária à saúde e à educação públicas, nos termos da gratuidade e do acesso universal. A decisão de privatizar esses dois bens essenciais me parece perigosa. Em segundo lugar, a proposta de dolarização também soa como muito temerária, não apenas no que diz respeito à soberania econômica, mas também nos custos efetivos de incremento da desigualdade", explicou ao Correio

Maximiliano Vernazza/Ministério da Economia/AFP -
Diego Lima/AFP -

Direitos em jogo

Pegoraro cita as propostas vinculadas ao livre mercado de órgãos humanos e ao porte de armas como expressões extemporâneas de uma expressão política. O terceiro ponto preocupante, segundo ela, está relacionado à eliminação de direitos sociais e de garantias trabalhistas, como o fim de todas as leis de proteção, tanto para os trabalhadores quanto para os aposentados. "Afetar o acesso à saúde e à educação, dolarizar a economia e eliminar a proteção social são elementos que atingem a possibilidade de construir uma sociedade mais equitativa. Todas as medidas de Milei apontam para o aumento da desigualdade", disse a cientista política. 

Para Damian Deglauve, analista da DED Consultoria Politica (em Buenos Aires), durante a campanha, Milei desafiou as possibilidades de crescer nas pesquisas e de ganhar as eleições de hoje. "Apesar de ter se colocado como um nome novo e uma proposta de mudança, uma ruptura no sistema, Milei saiu-se muito mal no debate de 12 de novembro passado. Algumas propostas de sua equipe moveram as emoções mais fortes em alguém como Sergio Massa, que tem uma gestão complicada à frente da economia. Entre elas, o medo", disse à reportagem. Ele acrescenta que Milei também gerou receio, especialmente pela perda de valores democráticos. 

Por sua vez, Sonia Ramella, cientista política da Universidad del Salvador (USAL), entende que, caso Milei vença hoje, será forçado a pender para a moderação, a fim de garantir o mínimo de governabilidade. "Ele não terá margem para posturas mais loucas ou para questões que provoquem tanto medo ou dúvida. Se ele quiser governar, precisará moderar a sua posição. Pouco do que ele e sua equipe têm dito vejo como algo realizável", afirmou, por telefone.

Contra Massa, pesa o fato de o ministro não ter antecipado medidas econômicas que, durante a campanha, prometeu impulsionar. Pegoraro lembra que o peronista assumiu o Ministério da Economia com a exigência de concentrar poderes para tomar decisões. "Mesmo após a concessão dessa exigência, Massa não conseguiu resolver o problema, tampouco levou adiante um completo plano de estabilização. Sob sua gestão, o Ministério adotou uma política de remendos, ao tratar de resolver, de maneira imediata, com remendos específicos, para garantir que o governo do presidente Alberto Fernández termine seu mandato e que Massa seja, efetivamente, um candidato viável à Casa Rosada", comentou a professora da UBA. 

Eu acho...

 "No último debate, Sergio Massa conseguiu impôs sua estratégia: deixou Milei na defensiva, o obrigou a abordar suas propostas mais polêmicas e, praticamente, não lhe permitiu discutir a situação econômica atual. É evidente que Milei chegou ao debate sem preparativos e deixou passar uma boa oportunidade para melhorar suas possibilidades."

Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires

 

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"No último debate, Sergio Massa conseguiu impôs sua estratégia: deixou Milei na defensiva, o obrigou a abordar suas propostas mais polêmicas e, praticamente, não lhe permitiu discutir a situação econômica atual. É evidente que Milei chegou ao debate sem preparativos e deixou passar uma boa oportunidade para melhorar suas possibilidades."

Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires