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ONU faz apelo pelas crianças e defende pausa na guerra em Gaza

Após quatro tentativas, Conselho de Segurança aprova resolução que também solicita a libertação imediata dos reféns mantidos pelo Hamas desde os ataques a Israel. Ocupação de maior hospital do enclave gera protestos

Trinta e nove dias após o início da guerra entre Israel e o Hamas, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) conseguiu derrubar resistências e aprovou, ontem, uma resolução em que pede a libertação imediata de todos os reféns mantidos pelo grupo terrorista islâmico e também a implementação de "pausas humanitárias" na Faixa de Gaza. O texto, proposto por Malta, obteve 12 votos favoráveis, inclusive do Brasil. Estados Unidos, Rússia e Reino Unido se abstiveram.

No documento, o Conselho de Segurança defende "pausas e corredores humanitários amplos e urgentes por um número suficiente de dias" para permitir a chegada de ajuda aos civis do enclave palestino. Pede também que as mais de 200 pessoas capturadas pelo Hamas na ação de 7 de outubro sejam soltas incondicionalmente, especialmente as crianças.

Foi a quinta vez que o conselho votou uma resolução sobre o conflito. Ao contrário das ocasiões anteriores, nenhum dos cinco países com assento permanente exerceu seu direito ao veto. Pouco antes da votação, a Rússia tentou incluir no documento a expressão "cessar-fogo", que provocou dilemas nas sessões passadas. A iniciativa, porém, não obteve respaldo.

"Essa proposta de resolução tenta oferecer esperança nessa hora difícil. Tenta garantir uma pausa no pesadelo atual em Gaza, e dar esperança a todas as famílias de todas as vítimas", ressaltou Vanessa Frazier, embaixadora de Malta na ONU, antes do início da votação.

Decisões confirmadas pelo Conselho de Segurança precisam ser observadas por todos os países que integram as Nações Unidas, diferentemente do que acontece com as propostas aprovadas na Assembleia Geral, que têm caráter recomendatório.

A embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield, justificou a abstenção. "(Nós) não podíamos votar sim num texto que não condenasse o Hamas ou reafirmasse o direito de todos os estados membros de proteger os seus cidadãos de ataques terroristas", assinalou. Apesar do desapontamento, a diplomata saudou a aprovação da resolução: "Apoiamos muitas das disposições importantes que este conselho adotou."

Horrorizado

A aprovação da resolução do Conselho de Segurança marcou o fim de uma quarta-feira de tensão elevada, após uma incursão do Exército israelense ao hospital Al-Shifa, o maior da Faixa de Gaza, que vem servindo nas últimas semanas como refúgio de moradores do enclave palestino. A ocupação, ordenada para minar um centro de comando do Hamas debaixo do complexo hospitalar, durou todo o dia, arrancou protestos indignados da ONU e de países vizinhos, além de uma pouco usual postura de distanciamento dos EUA.

O subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths, declarou-se "horrorizado" com a situação. "A proteção dos recém-nascidos, pacientes, profissionais da saúde e de todos os civis deve ter precedência sobre todas as outras questões", escreveu na rede social X (antigo Twitter). A Organização Mundial da Saúde (OMS), a Cruz Vermelha e Washington também apelaram à máxima cautela com os civis.

As reações mais duras partiram da Turquia e do Catar, o principal mediador entre Israel e o Hamas para a libertação dos reféns. Doha denunciou a incursão ao Al-Shifa como "crime de guerra". Por sua vez, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ressaltou o custo humano dos bombardeios de Israel, que classificou como "Estado terrorista". "Amaldiçoamos o governo israelense", afirmou.

Rendição

Iniciada ainda de madrugada, a ocupação do Al-Shifa só terminou na noite de ontem. Na chegada, os militares israelenses ordenaram, em árabe, que "todos os homens com mais de 16 anos" saíssem com "mãos para cima (...) e seguissem em direção ao pátio interno para rendição".

Segundo a agência de notícias France Presse (AFP), os soldados foram de quarto em quarto, atirando para o alto, em busca de combatentes do Hamas. Cerca de mil palestinos saíram para o pátio e alguns foram despidos e revistados em busca de armas ou explosivos. Segundo a ONU, quase 2,3 mil pessoas estão no hospital, sem acesso ao abastecimento de água e sem energia elétrica, devido à falta de combustível para alimentar os geradores.

Antes da retirada, os militares, segundo a AFP, deixaram remédios, alimentos para lactantes e garrafas d'água. As tropas estabeleceram posição ao redor do complexo hospitalar, que está há dias no centro dos confrontos. Segundo Israel, tratou-se de uma "operação seletiva e de precisão contra o Hamas em um setor específico do hospital Al-Shifa", que serviria de base do Hamas. "Não há nenhum lugar em Gaza que não possamos alcançar", frisou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

Encerrada a operação, o Exército israelense afirmou ter encontrado "munições, armas e equipamento militar" do movimento islamista. "Temos provas de que o hospital estava sendo utilizado para fins militares e terroristas, contrariamente ao direito internacional", declarou o porta-voz do Exército, Daniel Hagari.

O Ministério da Saúde do Hamas reagiu à declaração, afirmando que o Exército israelense não encontrou "armas, nem equipamentos militares" em Al-Shifa porque a organização "não autoriza" a posse de armamento nesses estabelecimentos.

O Hamas declarou que o presidente americano, Joe Biden, era "totalmente responsável" pelo ataque, uma vez que Washington apoiou as acusações de Israel sobre um "um núcleo de comando e controle" em Al Shifa. Numa postura pouco usual, Washington se distanciou da ofensiva de ontem. "Não demos aprovação às suas operações militares ao redor do hospital", disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Kirby, aos jornalistas, garantindo que tais decisões cabem ao Exército de Israel.

 


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