"Há 36 bebês prematuros sobreviventes. Eram 39, mas perdemos três", diz o médico Marwan Abu Saada, chefe do Departamento de Cirurgia Geral no hospital Al-Shifa, na Faixa de Gaza.
"Dois morreram quando a energia no hospital acabou, devido à falta de oxigênio. O terceiro morreu de gastroenterite."
O médico falou por telefone enquanto soldados israelenses vasculhavam o porão do maior hospital da Faixa de Gaza, que está sob cerco das Forças de Defesa de Israel (FDI) desde a quarta-feira (14/11).
Os israelenses dizem ter encontrado armas e equipamentos do Hamas no local, o que o grupo palestino nega. A BBC não conseguiu verificar de forma independente as alegações feitas por ambos os lados.
Abu Saada falou por uma linha telefônica que falhava de vez em quando, depois de várias tentativas da reportagem do serviço árabe da BBC de entrar em contato. Naquele momento, a equipe neonatal estava dormindo no hospital, no mesmo andar que os bebês.
Os 36 bebês prematuros sobreviventes pesam entre 800 gramas e 1,2 kg e o mais novo tem 28 semanas.
O médico diz que o hospital não conseguiu contato com nenhum dos pais ou responsáveis sobreviventes, e no caos da guerra, outros parentes não puderam ser encontrados.
Dois bebês foram encontrados sozinhos após bombardeios das Forças de Defesa de Israel e levados ao hospital. Outros quatro nasceram por cesariana depois que suas mães faleceram.
Que tratamento médico os bebês estão recebendo?
"Nós usamos cobertores aquecidos que normalmente são utilizados em cirurgias e os colocamos sob os bebês. Usamos cilindros de oxigênio, mas felizmente, apenas dois dos bebês precisam de oxigênio agora. A esterilização dos tubos de oxigênio é um desafio", diz o médico.
"Fazemos o nosso melhor. Fazemos tudo ao nosso alcance para tentar esterilizar os tubos. É por isso que estamos pedindo a evacuação desses bebês – para evitar o risco de desenvolverem sepse [infecção generalizada]", segue o profissional de saúde.
A equipe do hospital fez repetidos pedidos para a criação de corredores seguros para a retirada de pacientes e médicos.
"Nossos recursos são muito limitados. Nem sequer temos água. Para operar o poço de água, precisamos ter energia de maneira constante. Só conseguimos operá-lo a cada seis horas para obter água. Isso é um enorme desafio. Não temos água para higiene pessoal ou para beber."
Sem a capacidade de manter o ambiente livre de contaminações e germes, os bebês podem morrer de doenças e infecções que seriam preveníveis em circunstâncias normais.
"Nós tentamos ajudar a salvar as vidas desses bebês prematuros mantendo a sala em uma temperatura quente, alimentando-os e administrando antibióticos, se necessário", diz Abu Saada.
Há um consultor neonatal e sua equipe que comandam a atenção aos bebês. "Há cuidados médicos para eles, mas não estão em ambiente adequado", acrescenta.
Atualmente, não há eletricidade para incubadoras devido à falta de combustível.
"A estação de oxigênio no hospital foi atingida e não há combustível para operá-la. O bloqueio no Al-Shifa nos impediu de reconstruir qualquer coisa."
Há de oito a dez bebês pequeninos em cada um dos leitos, com cobertores aquecidos e papel alumínio para protegê-los.
O médico descreveu a situação: "Se fica frio – se a energia acaba – nós cobrimos os bebês com papel alumínio. Eles são muito sensíveis e vulneráveis a doenças."
"Economizamos o pouco combustível disponível e [a energia dos] painéis solares para os bebês prematuros, para não perdê-los. Atualmente, eles estão na sala de operações de cirurgia cardíaca – não na unidade neonatal."
Quanto ao anúncio das Forças de Defesa de Israel de que enviarão incubadoras e alimentos para bebês, Abu Saada diz que não tem nenhuma informação sobre isso.
O médico afirma que o que mais precisam é de combustível para poder operar as incubadoras no hospital.
Ele menciona que, desde que as FDI invadiram o complexo, uma ponte de ligação entre os prédios de cirurgia geral e cirurgia especializada foi atingida, e nenhum funcionário consegue se movimentar de onde estava desde que o ataque começou.
O hospital Al-Shifa está recebendo mais bebês prematuros?
"Nos últimos cinco dias não recebemos nenhum novo bebê prematuro", diz Abu Saada.
"Costumávamos admitir bebês prematuros antes de Al-Shifa ser sitiado. Mas agora não podemos, porque não conseguimos oferecer o cuidado de que necessitam. Eles não estão em incubadoras, que normalmente os manteriam na temperatura correta."
Segundo o médico, sua rotina era manter contato com o consultor neonatal todos os dias para acompanhar a situação dos bebês prematuros.
"Mas hoje não deu certo, porque não conseguimos nos conectar com o outro prédio", informou.
O futuro dos bebês permanece incerto. A equipe espera que suas famílias possam um dia ser encontradas.
Por enquanto, os bebês ficam juntos, com etiquetas dizendo "Filho de" ou "Filha de" e o nome de suas mães – se o nome da mãe for conhecido.
Como está sendo o cerco para a equipe do Al-Shifa?
Antes da conversa com Saada, médicos seniores do hospital Al-Shifa falaram com o serviço árabe da BBC a respeito da situação dentro do complexo.
Adnan al-Bursh, chefe do departamento de cirurgia ortopédica, disse que os médicos "nem podiam olhar pela janela" enquanto soldados israelenses entravam nos prédios.
Já Mohamed Obeid, cirurgião ortopédico, disse que conseguiu "dar uma olhada rapidamente pelas janelas" da sala de operação e viu cerca de sete soldados entrando pelo centro de clínica médica e diálise e por outro prédio não operacional próximo, que era utilizado para raio-X.
"Todos entraram em pânico enquanto eles [soldados das FDI] iam buscar tudo nos porões. Antes deles chegarem, tínhamos evacuado pacientes do quarto andar do prédio de Cirurgia Geral, pois havia sido atingido por bombardeios e as paredes estavam muito danificadas, com estilhaços por toda parte", disse ele.
Obeid relatou que um grupo de 15 médicos está ficando em um quarto no departamento de Cirurgia Geral e não consegue contatar médicos em outros locais do hospital, especialmente depois que as forças israelenses atingiram uma ponte que conecta os prédios principais no hospital.
Ele disse que seu grupo estava "desconectado do mundo exterior".
Editado por Kate Forbes