Horror no Oriente Médio

Guerra Israel-Hamas: Trégua humanitária à mesa em troca de 12 reféns

Catar negocia a libertação de um grupo de sequestrados pelo Hamas em troca de pausa por 72 horas nos combates. Israel afirma controlar o norte da Faixa de Gaza. EUA defendem Autoridade Palestina no governo do enclave palestino

Sob a mediação do Catar, o grupo extremista islâmico palestino Hamas e o governo de Israel negociam a libertação de 12 reféns, seis deles norte-americanos, em troca de uma "trégua humanitária de três dias". A informação foi divulgada pela emissora libanesa Al-Mayadeen e pela agência de notícias France-Presse, que citou fonte próxima ao Hamas. Em 7 de outubro, mais de 2.500 integrantes da facção invadiram cerca de 20 kibbutzim e outras comunidades do sul, matando 1.400 pessoas. Até a noite desta quarta-feira (8/11), 239 reféns israelenses e estrangeiros seguiam em poder da facção que controla a Faixa de Gaza.

Em entrevista ao Correio, Osama Hamdan, um dos líderes sêniores do Hamas no Líbano, confirmou que o grupo conversa com os mediadores sobre a libertação de entre 12 e 15 reféns. "Sempre que vamos com um 'sim', Israel retorna com um 'não'. Não estou certo sobre o que ocorrerá. Do nosso lado, nós estamos prontos e temos uma atitude positiva em relação a esse tema. Mas não posso confirmar o número de reféns ou de dias que Israel apoia interromper os ataques. Estamos lidando com os mediadores de uma  maneira positiva", declarou, por telefone. 

As Forças de Defesa de Israel (IDF) anunciaram que o Hamas perdeu o controle do norte da Faixa de Gaza. Segundo o jornal Yedioth Ahronoth, um bombardeio teria eliminado Mohsen Abu Zina, o responsável pela  rede de fabricação de armamentos do grupo extremista. As tropas israelenses asseguram que destruíram 150 aberturas de túneis desde o começo da guerra. 

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, propôs um mesmo governo para a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, controlado pela Autoridade Palestina (AP). Para o chefe da diplomacia de Washington, a medida contribuiria para a paz sustentada e estaria acompanhada de elementos que incluíssem "as vozes e as aspirações do povo palestino". Em visita a Tóquio, ele defendeu um "mecanismo para a reconstrução" do enclave e um "caminho para que israelenses e judeus vivam, lado a lado, em Estados próprios, com medidas iguais de segurança, liberdade, oportunidades e dignidade". O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, admitiu que as IDF deverão manter "responsabilidades iniciais de segurança" na Faixa de Gaza.

Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, Alon Ben-Meir admitiu ao Correio que a proposta de Blinken de um governo unificado é "boa, a princípio". "Mas ela não pode ser implementada no momento. "Sinto que, inicialmente, a ONU  deveria assumir o controle das responsabilidades administrativas em Gaza, até que o terreno esteja preparado para que a Autoridade Palestiniana assuma o poder — desde que, no entanto, haja uma nova Autoridade Palestina na Cisjordânia e um novo presidente que substituirá Mahmud Abbas", disse. Sobre a negociação envolvendo os reféns, Ben-Meir somente vê sentido se o Hamas concordasse em soltar todas as crianças e as mulheres. "Uma trégua de três dias poderia permitir que o Hamas se reagrupe, algo que Israel tenta evitar a todo custo."

Mohammed Abed/AFP - Palestinos fogem da Cidade de Gaza e de outras partes do norte do enclave, enquanto combates se intensificam

Sem que os bombardeios israelenses deem trégua, 50 mil civis palestinos migraram do norte para o sul da Faixa de Gaza somente nesta quarta-feira. "Entenderam que o Hamas perdeu o controle do norte e que o sul é mais seguro", comentou Daniel Hagari, porta-voz das IDF. A ONU advertiu que Gaza enfrenta uma "tragédia humanitária de proporções colossais". "Destruir moradias e infraestruturas civis é um crime internacional, o mundo deve agir imediatamente", cobrou Balakrishnan Rajagopal, especialista independente da ONU.

"Guerra de genocídio"

Hospitalizado com queimaduras na Cidade de Gaza, depois de sobreviver a um bombardeio e perder o filho, o poeta e jornalista palestino Ahmed Abu Artema, 36 anos, denunciou uma "guerra de genocídio de Israel". "Milhares de famílias foram mortas. Israel mente e não alveja o Hamas. Onde estão os combatentes do Hamas? Crianças, mulheres inocentes e homens são assassinados. A coisa horrível é que a guerra continua. Israel comete crimes horríveis contra a comunidade, além de cortar comida, água e combustível de 2,3 milhões de moradores de Gaza", lamentou ao Correio. "Meu filho amado, Abboud, foi morto em 24 de outubro. Ele tinha 12 anos e muitos sonhos bonitos. Mais de 10 mil pessoas morreram. Por favor, façam pressão para deter esse genocídio. Isso deve parar", implorou. 

Ronald Schemidt/AFP - Bandeira israelense tremula no sul de Israel, enquanto a Faixa de Gaza (ao fundo) é alvo de ataque aéreo

"Graças a Deus, ainda estamos vivos", desabafou à reportagem o clínico-geral Hazem Abu Moloh, 51, voluntário da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) que abandonou o campo de refugiados de Nusirat, no centro de Gaza, e hoje está no sul do enclave. "Em 16 de outubro, nós dormíamos quando escutamos bombardeios a 200m de casa. Saímos rapidamente e vimos dois prédios totalmente destruídos. Só vimos poeira e escutamos pessoas gritando sob os escombros. Começamos a remover o concreto e encontramos dois bebês gêmeos, de cerca de 1 mês de idade. Resgatei os dois recém-nascidos, um deles morreu", relatou, sem conter as lágrimas, por telefone. "Pude sentir o coração do outro bebê. Fiz massagem cardíaca e o colocamos em uma ambulância. Ele sobreviveu."

 

DEPOIMENTO

"Perdi meu filho e mais quatro familiares"

Arquivo pessoal - Abboud, filho de Ahmed Abu Artema, poeta palestino vítima de bombardeio israelense

"Na manhã de 24 de outubro, eu estava na casa de meu pai. Estávamos eu e meus três filhos sentados na sala de estar. De repente, perdi a consciência durante alguns minutos. Ao despertar, não consegui escutar. Vi poeira e escombros em todos os lugares à minha volta. Naquele momento, eu sabia que o lugar tinha sido bombardeado por um avião israelense. Meus dois filhos Hammoud e Batool estavam grudados em mim e gritavam, apontando para o meu filho mais velho, Abboud, de 12 anos. Ele estava deitado no chão. Vi meu pai tentando resgatar as crianças. Também vi mulheres de minha família deitadas no solo.

Nós gritávamos para as pessoas que estavam próximas à casa. Elas começaram a nos retirar dos escombros. No primeiro momento, cinco membros da minha família foram mortos. A minha madrasta, minhas duas tias, inclusive a mais velha, e meu primo morreram imediatamente. Abboud e minha sobrinha de 9 anos foram hospitalizados em condições críticas. No dia seguinte, meu filho morreu e, 24 horas depois, a menina. Nosso vizinho também faleceu. Eu, Hammoud e Batool sofremos queimaduras de segundo grau. Estamos no hospital, melhorando a saúde. O que está acontecendo é um crime. Israel claramente alveja casas de civis. Quatro mulheres e duas crianças foram assassinadas. Isso não é um erro, mas uma estratégia israelense de deliberadamente matar famílias."

Ahmed Abu Artema, escritor e palestino, 36 anos, morador da Cidade de Gaza. Depoimento ao Correio Braziliense

 

EU ACHO...

X/Reprodução - Osama Hamdan, líder sênior do Hamas no Líbano


"(O secretário de Estado) Antony Blinken não tem que decidir nada em nome dos palestinos. O que exigimos é a retirada completa de Israel das nossas terras ocupadas, a permissão para que o povo palestino decida sobre sua autodeterminação, a construção de um Estado indepependente e soberano para todos os palestinos. Insistimos que esse Estado seja democrático. Não buscamos uma liderança apontada pelos norte-americanos. Queremos o fim da ocupação."

Osama Hamdan, líder sênior do Hamas no Líbano

 

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Ronald Schemidt/AFP - Bandeira israelense tremula no sul de Israel, enquanto a Faixa de Gaza (ao fundo) é alvo de ataque aéreo
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Arquivo pessoal - Abdullah, filho de Ahmed Abu Artema, poeta palestino vítima de bombardeio israelense
X/Reprodução - Osama Hamdan, líder sênior do Hamas no Líbano

"Perdi meu filho e mais quatro familiares"

"Na manhã de 24 de outubro, eu estava na casa de meu pai. Estávamos eu e meus três filhos sentados na sala de estar. De repente, perdi a consciência durante alguns minutos. Ao despertar, não consegui escutar. Vi poeira e escombros em todos os lugares à minha volta. Naquele momento, eu sabia que o lugar tinha sido bombardeado por um avião israelense. Meus dois filhos Hammoud e Batool estavam grudados em mim e gritavam, apontando para o meu filho mais velho, Abboud, de 12 anos. Ele estava deitado no chão. Vi meu pai tentando resgatar as crianças. Também vi mulheres de minha família deitadas no solo.

Nós gritávamos para as pessoas que estavam próximas à casa. Elas começaram a nos retirar dos escombros. No primeiro momento, cinco membros da minha família foram mortos. A minha madrasta, minhas duas tias, inclusive a mais velha, e meu primo morreram imediatamente. Abboud e minha sobrinha de 9 anos foram hospitalizados em condições críticas. No dia seguinte, meu filho morreu e, 24 horas depois, a menina. Nosso vizinho também faleceu. Eu, Hammoud e Batool sofremos queimaduras de segundo grau. Estamos no hospital, melhorando a saúde. O que está acontecendo é um crime. Israel claramente alveja casas de civis. Quatro mulheres e duas crianças foram assassinadas. Isso não é um erro, mas uma estratégia israelense de deliberadamente matar famílias."

Ahmed Abu Artema, escritor e palestino, 36 anos, morador da Cidade de Gaza. Depoimento ao Correio Braziliense 

 

EU ACHO...

"A situação é catastrófica. Estamos sem eletricidade e sem água potável. A comida é muito limitada. A situção aqui se parece com o inferno. Os bombardeios ocorrem dia e noite, 24 horas por dia, por parte de navios, de tanques e de aviões. Muitas pessoas estão morrendo. O que sinto é péssimo. Os hospitais não têm mais analgésicos; alguma vezes, os médicos usam anestesia local. Há até dois ou três pacientes dividindo leitos da Unidade de Terapia Intensiva."

Hazem Abu Moloh, 51 anos, médico, morador do campo de refugiados de Nusirat (centro), hoje no sul de Gaza

 

"(O secretário de Estado) Antony Blinken não tem que decidir nada em nome dos palestinos. O que exigimos é a retirada completa de Israel das nossas terras ocupadas, a permissão para que o povo palestino decida sobre sua autodeterminação, a construção de um Estado indepependente e soberano para todos os palestinos. Insistimos que esse Estado seja democrático. Não buscamos uma liderança apontada pelos norte-americanos. Queremos o fim da ocupação."

Osama Hamdan, líder sênior do Hamas no Líbano