Reino Unido

Primeiro discurso de Charles III traduz estratégia de campanha do premiê

Rei foi criticado por defender a criação de projetos de petróleo e de gás no Mar do Norte em sua fala; no entanto, pronunciamento é sempre escrito pelo primeiro-ministro, que apela para eleição

O rei Charles III proferiu o seu primeiro discurso como monarca no Parlamento britânico nesta terça-feira (7/11). O ritual faz parte do protocolo real e marca o início da última sessão antes das próximas eleições parlamentares, que devem ocorrer até janeiro de 2025. No país, é tradição que a fala seja escrita pelo chefe de governo, atualmente o primeiro-ministro Rishi Sunak.

Esse é o primeiro pronunciamento oficial de um rei em 70 anos. No ano passado, Charles apenas substituiu a mãe — a rainha Elizabeth II — que se encontrava doente. Durante os 10 minutos de fala, o monarca abordou temas como as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, além dos impactos da pandemia de covid-19 na economia britânica. No entanto, a questão ambiental foi o tópico mais polêmico.

Charles coloca-se como grande defensor de causas relacionadas à preservação do meio ambiente. No entanto, ao assumir-se como porta-voz de Sunak, sua fala defendeu a criação de uma lei que concederia novas licenças anuais para projetos de petróleo e de gás no Mar do Norte. A justificativa para a proposta seria a criação de empregos, bem como a redução da dependência do Reino Unido de energia estrangeira.

"Vale lembrar que o rei não expressa suas opiniões ou pontos de vista sobre os temas apresentados, que podem ser divergentes em relação ao que pensa", explica ao Correio Renato de Almeida Vieira e Silva, doutor em Comunicação e especialista em realeza britânica. "Ele (o rei) ocupa um papel simbólico, porém, influencia o conjunto da sociedade, sendo possível que sua mensagem tenha ressonância."

Charles III foi vaiado e criticado por dezenas de manifestantes ao ingressar e ao sair do prédio do Parlamento. "Após um reinado tão longo como o de Elizabeth, há uma espécie de hiato de liderança e da própria imagem do soberano, que vão ser construídos ao longo do tempo. Charles lll não tem o carisma de sua mãe, mas manifestações contra a monarquia são comuns, especialmente em momentos de transição”, completa Vieira e Silva.

Henry Nichols/AFP - Rei Charles III e a rainha Camilla chegam ao Parlamento a bordo da Carruagem do Jublieu de Diamante: cartazes com a frase "Não o meu rei"

Impactos políticos

O pronunciamento, de caráter protocolar, distingue-se dos anteriores pelo maior teor político. Isso pode ser explicado pelas pesquisas eleitorais, que hoje são favoráveis aos trabalhistas, partido rival ao de Sunak. A cerimônia se configurou como uma das últimas chances de campanha do premiê.

"Os conservadores estão no poder desde 2010. Tivemos cinco primeiros-ministros conservadores desde então. Haverá uma eleição até janeiro de 2025. Vale lembrar que, hoje, o custo de vida é alto, os impostos nunca foram tão caros e as taxas de juros estão nas alturas", explica ao Correio Anthony Glees, professor emérito da Universidade de Buckingham. Segundo ele, o Partido Trabalhista está 20 pontos percentuais à frente nas pesquisas de opinião — cenário imutável há semanas.

Em relação ao conteúdo do discurso, Glees afirma que, em uma tentativa de se manter no poder, Sunak apelou para a Red Wall ("Parede Vermelha", na tradução literal), que são os eleitores da classe  trabalhadora do norte do país. "Essa população era forte apoiadora do Partido Trabalhista até 2019, quando foi liderado pelo extremista Jeremy Corbin e por Boris Johnson, que prometeu prosperidade, caso fosse eleito e o Brexit, aprovado", avalia.

Melhorias

Glees ressalta que não houve nada concreto no discurso do rei para promover melhorias imediatas na economia, o que leva a previsões de 0% de crescimento para os próximos dois anos, num ambiente pós-Brexit. "Também não foi mencionado nada concreto para reerguer o National Health Service (Sistema Nacional de Saúde). Oito milhões de pacientes estão aguardando tratamento, enquanto médicos fazem greves por salários ainda maiores", destaca.

"É claro que Sunak deseja que os eleitores acreditem que ele oferece um recomeço, mas suas políticas são intrinsecamente ligadas às de seus predecessores", pontua o professor de Buckingham, que faz críticas à abordagem do primeiro-ministro. "Mesmo quando suas políticas são fortes, como quando se trata das guerras da Ucrânia e entre Israel e Hamas, ele as aborda de um jeito fraco, em que falta impacto. O Brexit não apenas enfraqueceu o Partido Conservador; ele enfraqueceu o Reino Unido, e Sunak não consegue consertá-lo", conclui.

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