Oriente MÉDIO

Criador da série Fauda: 'O Exército de Israel faz progressos impressionantes em Gaza'

Avi Issacharoff, jornalista e ex-combatente da Unidade Duvdevan das Forças de Defesa de Israel (IDF), conhecida pela fluência em árabe, é um dos criadores da série Fauda ("Caos", em árabe), junto a Lior Raz, ator principal

Avi Issacharoff, 50 anos, retornava de Kfar Aza, um dos kibbutzim atacados pelos extremistas do Hamas, em 7 de outubro, quando participou de uma videoconferência com cerca de 90 jornalistas de vários países. Criador da premiada série Fauda, Avi tinha acabado de ajudar a recuperar os equipamentos que moradores deixaram em suas casas, abandonadas depois dos atentados que mataram 1.400 pessoas. Também recolheu o lixo das residências e os alimentos estragados na geladeira.

"Tenho acompanhado o Hamas pelos últimos 23 anos, na condição de jornalista e analista. Estive nas Forças de Defesa de Israel (IDF) e fui baleado por terroristas do Hamas em 1994. Nada havia me preparado para o que ocorreu em 7 de outubro e todas as atrocidades que vi no sul de Israel. Tudo aquilo me chocou por completo, assim como a todos os israelenses. Ninguém previa que o Hamas enviasse entre 1.500 e 2 mil integrantes para cruzarem a fronteira, tomarem cidades e massacrarem civis. O que vemos em Gaza, hoje, é resultado dos ataques do Hamas", afirmou.

Veja os trechos da entrevista separados por tópicos:

Ofensiva terrestre em Gaza
"Nos últimos dez dias, o Exército israelense começou sua operação terrestre. Pelo que escutei, ela segue de acordo com o plano. Temos feito progressos no terreno, nas áreas do norte de Gaza, como Beit Hanoun e Beit Lahiya, e na Cidade de Gaza, especialmente no bairro de Zeitoun. Parece-me que as IDF se aproximam cada vez mais do centro da Cidade de Gaza, o local essencial para o regime do Hamas. O símbolo do regime do Hamas. Esse local compreende a área de segurança do Hamas, o Hospital Al Shifa e a Universidade Islâmica. Em 2007, eu estava lá. As IDF estão muito perto desses locais."

Morte de civis
"O Hamas cometeu os maiores ataques contra Israel e matou o maior número de judeus desde o Holocausto. O que eles fizeram depois disso foi se esconderem no subsolo. Eles entraram nas casas dos bairros da Cidade de Gaza, esperando que as IDF não os bombardeassem, pois se escondiam entre escudos humanos. Se Israel atacasse, mataria muitos civis, e o mundo inteiro nos acusaria de crimes de guerra. É exatamente o que vemos. O Hamas planejou isso, quis isso. E, de alguma forma, foi bem-sucedido. Queiramos ou não, Israel está matando civis. É claro que não gostamos disso. Mas Israel também fez progressos militares impressionantes. Mais de 2 mil membros do Hamas foram mortos. As IDF estão causando danos à ala militar do Hamas. Não estou dizendo que o Hamas está debilitado. Se alguém do Hamas tiver a capacidade de compreender o que acontece no entorno do grupo, entenderá que há uma grande máquina de guerra, que faz progressos diários. No fim do dia, o preço pago por Gaza é terrível. O preço pago pelo Hamas também é muito alto."

Combates com o Hamas
"Os combates travados em Beit Hanoun, em Beit Lahiya e na Cidade de Gaza são muito densos e complicados. Envolvem artilharia pesada, bombardeios aéreos, incursões com veículos blindados e tropas terrestres. A meta é desmantelar mais células terroristas do Hamas e chegar aos túneis, localizados sob a Faixa de Gaza. Não se trata de uma operação cirúrgica. Não mais. Agora, é uma guerra. E uma guerra contra um inimigo que se enraíza em meio à população local, esperando e rezando para que os israelenses matem os próprios palestinos. Parece algo terrível e cínico, mas essa é a meta do Hamas. Quanto mais civis palestinos morrerem, melhor para o Hamas. Isso faz o outro lado parecer terrorista e criminoso de guerra. E coloca mais pressão sobre Israel para adotar um cessar-fogo. Seria algo perfeito para o Hamas, sem que Israel consiga derrubar o governo do Hamas e a ala militar."

Os túneis do Hamas
"A infraestrutura de túneis sob Gaza é imensa. É algo que nem podemos imaginar. Algo próximo ao que os vietcongues tinham, mas algo como 2 mil vezes maior do que a estrutura montada pelos vietcongues no Vietnã. É um imenso sistema de túneis, que permite o transporte e o trânsito de terroristas, reféns, motocicletas, artilharias e foguetes. Sob quase todas as cidades de Gaza você encontrará um túnel. Foi por isso que, nos últimos dias, após pesados bombardeios ao campo de refugiados de Jabalia, vimos que as casas foram como que sugadas pelo chão. Elas estavam localizadas sobre grandes túneis. As IDF sabiam disso e bombardearem esses locais."

Táticas de guerrilha
"O Hamas adota uma tática semelhante aos combates de guerrilha. Eles não travam uma guerra cara a cara com o Exército de Israel, pois entendem que o inimigo é mais forte. Então, dois ou três terroristas saem do túnel, protegidos por um ataque de drones. Depois do ataque com drones, eles disparam um lança-foguetes contra o tanque ou o blindado. Então, entram no túnel e fogem novamente. A coisa triste é que o Hamas não se importa com o povo palestino e utiliza os civis como escudos humanos. Vimos isso no Hospital Al Shifa. Na primeira temporada de Fauda, cinco anos atrás, tínhamos o Hospital Al Shifa como o centro de comando da ala militar do Hamas. Sabíamos que, sob o Shifa, havia um grande quartel-general do Hamas. Juro a vocês que cada criança em Gaza sabe que, sob o Hospital Shifa, há um quartel-general do Hamas. Isso é algo com o que os israelenses terão que lidar, de um jeito ou de outro. Espero que as IDF tenham uma solução para isso."

O futuro do Hamas
"O governo do Hamas em Gaza está acabado. Não acho que Israel permitirá, jamais, que um governo do Hamas continue a funcionar em Gaza. A ala militar é um caso diferente. Não seremos capazes de eliminar cada cara com um fuzil AK-47 que se chame combatente do Hamas. No entanto, nós podemos danificar, de forma severa, as capacidades militares do Hamas. Há uma diferença entre eliminar e danificar gravemente a ala militar do Hamas."

O dia seguinte após a guerra
"O grande problema será o dia seguinte. Esse será o maior desafio. Nós, israelenses, realmente não sabemos o que acontecerá no dia seguinte. Alguns ministros têm planos de ocuparmos Gaza. Outro ministro, não tão inteligente, Amichai Elyahu (dos Patrimônios), sugeriu lançarmos uma bomba atômica sobre Gaza. Foi suspenso. Temos pessoas estúpidas nesse governo e que falam coisas estúpidas. As opções que temos em Gaza são a ruim e a pior. Temos que ficar com a menos pior. Se você me perguntar, temos que incluir a Autoridade Palestina. Eu sei que a Autoridade Palestina, hoje, é fraca, corrupta, Seu líder (Mahmud Abbas) tem 88 anos. Honestamente, a longo prazo, não vejo nenhuma outra opção. Podemos falar sobre uma força internacional, mas não vejo nenhum país enviando tropas para Gaza. Nem o Egito, nem a Jordânia. Se quisermos algum tipo de envolvimento da Autoridade Palestina, precisamos de algum tipo de progresso político com ela. O atual governo (Benjamin Netanyahu) não deseja nenhum tipo de discussão política com a Autoridade Palestina sobre uma solução para o conflito baseada em dois Estados."

A crise dos reféns
"A questão dos 242 reféns deveria ser uma prioridade, é claro, mas devemos entender que Israel precisa lidar com o Hamas, primeiro. Israel precisa lidar com a ameaça representada pelo Hamas. Sei que há tentativas de uma negociação para a libertação dos reféns. Pelo que sei, o Hamas não está interessado, agora, em negociações ou em qualquer tipo de libertação de reféns. Pelo menos até a completa suspensão das batalhas em Gaza."

Autoridade Palestina
"A Autoridade Palestina preveniu centenas de atentados terroristas contra israelenses, contra colonos e soldados, nos últimos 15 anos, desde 2007. Desde o golpe em Gaza. A Autoridade Palestina limpou a Cisjordânia de armas, de militantes e de explosivos. E realizou uma impressionante campanha contra a fauda, o caos. Eliminou fauda das ruas da Cisjordânia. Isso foi um fenômeno chocante para mim. Vi isso com meus próprios olhos. Todo mundo na Cisjordânia diz que a Autoridade Palestina é fraca e que Abbas é uma galinha sem penas. Em 2007, depois de uma forte reforma nas forças de segurança, a Autoridade Palestina conseguiu desmantelar os militantes e reconquistar poder e soberania na Cisjordânia. Isso pode ocorrer de novo em Gaza? Não sei. Honestamente, não sei. Mas ter uma força ocupante em Gaza é a pior ideia, para mim."

A maior ameaça para o Hamas
"A maior punição ou a sentença de morte para o Hamas seria um processo de paz entre Israel e os palestinos. Isso não é algo capaz de ser alcançado agora. Mas seria uma sentença de morte. A maior ameaça para o Hamas seria se a Autoridade Palestina retornasse à Faixa de Gaza. Eles ficariam loucos, porque perderiam tudo o que investiram, além de legitimidade."

O Hamas como uma ideologia
Ao ser questionado pelo Correio sobre o fato de o Hamas ser uma ideologia para muitos palestinos de Gaza e sobre o risco de o grupo ressurgir com mais força, depois da guerra, Avi respondeu: "Não há maneira de ter a certeza de que o Hamas não ressurgirá mais forte. Eu apenas posso esperar por isso. Minha fantasia, algo vindo da mente de um roteirista, é que a Autoridade Palestina estará lá em Gaza, fazendo o que fez na Cisjordânia nos últimos 15 anos. Em 1997, aconteceu. Em algum ponto, depois de Israel e a Autoridade Palestina firmarem algum entendimento sobre um acordo, Yasser Arafat deu a ordem e as forças de segurança prenderam centenas de pessoas do Hamas, as puniram, as torturaram e as jogaram na cadeia. Algumas vezes, milagres acontecem.Isso pode voltar a ocorrer? Não sei."

Reprodução - Série Fauda (Caos, em árabe)

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