GUERRA

Um mês no inferno: o drama de familiares à espera de notícias dos reféns

Familiares de israelenses sequestrados pelo Hamas relatam drama ao Correio. Incerteza, angústia e medo convivem lado a lado com a esperança do retorno para casa

Nas últimas 720 horas, as famílias de sequestrados pelo Hamas têm enfrentado um pesadelo. Desde aquele 7 de outubro, quando o grupo extremista palestino assassinou 1.400 pessoas e arrastou 242 para a Faixa de Gaza, o horror, o medo, a angústia, a incerteza e a insônia convivem com a esperança e o sonho de um abraço depois do retorno para casa.

Supervisora de uma companhia de seguros na cidade de Herzliya, a cerca de 11km de Tel Aviv, Mirit Regev, 50 anos, tinha acabado de retornar das férias no México. "Eu e meus filhos, Itay e Maya, chegamos em casa por volta da meia-noite de 6 de outubro. Duas horas depois, eles decidiram ir para a festa rave Nova, no kibbutz de Re'im", contou ao Correio, por meio do WhatsApp. Re'im está localizado a apenas 150m da Faixa de Gaza.

Em 7 de outubro, Mirit e o marido, Regev, foram surpreendidos com um telefonema de Maya, 21 anos. "Papai, eles atiraram em mim! Eles atiraram em mim!", gritou a filha. A voz do irmão, Itay, 18, aparece ao fundo: "Papai!". Regev perguntou onde os dois estavam. "Eu não sei. Ele está nos matando. Papai, ele está nos matando. Itay, pegue a direção. (...) Nós estamos mortos. Eles atiraram em nós", respondeu. Regev pede que eles se escondam. "Papai, eu te amo. Não podemos. Estamos no carro", reagiu. 

Pouco depois, o casal viu um vídeo de Itay algemado na caçamba de uma picape. As Forças de Defesa de Israel (IDF) foram à residência da família, dois dias depois, e anunciaram o sequestro também de Maya. "As últimas semanas foram um inferno. Cada dia é mais difícil do que a véspera. A falta de saber onde estão, o que estão comendo, onde dormem, se estão vivos... Não temos nenhuma notícia deles no cativeiro. Eu não quero comer, não posso dormir", desabafou Mirit.

A mãe de Itay e de Maya reclama que não recebe nenhuma informação do governo. "Temos pouco apoio. Ninguém nos diz se eles estão vivos ou quando voltarão. Não temos muito o que fazer. Temos concedido entrevistas a veículos de comunicação."

Segundo ela, todas as famílias dos 242 reféns têm protestado para tê-los de volta. "Eu e meu marido tentamos conscientizar o mundo sobre a situação dos sequestrados, especialmente nossos filhos", concluiu.

No kibbutz de Kfar Aza, a apenas 2km da Faixa de Gaza, Alon Shamriz, 26, enviou uma mensagem pelo WhatsApp para o irmão, Jonathan, às 9h59 daquele 7 de outubro. "O Hamas entrou em minha casa. Por favor, chame todos", escreveu. Jonathan respondeu pedindo-lhe que ficasse quieto e completou: "Nós amamos você". Às 10h02, Alon replicou com um emoji de coração e se silenciou. Pai de Alon e de Jonathan, Avraham Lulu Shamriz, 61, relatou ao Correio que, horas antes, às 6h30, o Hamas disparou vários foguetes em direção à comunidade. "Enquanto corríamos para o abrigo, os terroristas vieram ao nosso kibbutz. Eram mais de 150 deles. Foram até as casas dos civis, arrancaram as pessoas de suas residências e as executaram na rua", disse.

De acordo com Avraham, os extremistas atearam fogo aos imóveis e mataram, inclusive, jovens. "Eles vieram à minha casa e tentaram uma invasão. Eu os impedi. Então, a partir da sacada, começaram a disparar para dentro, mas não foram capazes de entrar. Então, invadiram as casas de dois vizinhos e mataram pessoas lá", relembra.

Massacre

Ele explicou que Alon estava do outro lado do kibbutz, na parte oeste. Mais de 150 extremistas do Hamas adentraram na residência, o arrancaram dali, com um amigo, e os levaram até Gaza. Cerca de 100 dos 400 moradores de Kfar Aza foram massacrados. "Os terroristas usaram granadas e queimaram alguns deles. Ficamos no abrigo durante 18 horas, até que as Forças de Defesa de Israel (IDF) vieram e nos levaram para fora do kibbutz até uma área segura", comentou Avraham.

O pai de Alon afirmou que passou mais de 10 dias sem nenhuma notícia do filho. "Não tínhamos nenhuma sinalização sobre ele. Não sabíamos o que tinha lhe acontecido. Foi então que recebemos uma mensagem de um vizinho por meio do WhatsApp. Ele me disse que meu filho tinha sido sequestrado. Até agora, não sabemos se ele está vivo ou morto. Não sabemos o que aconteceu ao nosso filho", desabafou. Ainda segundo Avraham, Alon é um "cara durão" e tinha confiança de que as IDF chegariam em poucos minutos. 

Mayya Zin, 52, mãe de Dafna, 15, e de Ela, 8, tenta se apegar a um resquício de esperança. "Abro o WhatsApp e vejo uma foto de Dafna sentada de pijamas sobre um colchão, em Gaza, com o comentário 'em roupa de oração seria melhor'", disse à agência France-Presse. Foi a única prova de vida das filhas, recebida em 8 de outubro e feita por meio do celular de Dafna. As garotas foram levadas da casa do pai delas, Noam, e da esposa Dikla, no kibbitz de Nahal Oz, junto à fronteira com o enclave palestino. 

Na manhã de 7 de outubro, a madrasta começou a transmitir uma live pelo Facebook. Nas imagens, aparecem dois homens encapuzados com uma bandana verde do Hamas filmando a casa dos israelenses. O pai está ensanguentado. Ela, com os olhos transparecendo medo, está de joelhos. Noam e Dikla foram mortos pouco depois. Os corpos, encontrados crivados de balas. 

"Às vezes, imagino que as estupram, depois, me digo que há tantas crianças ali, que são obrigados a tratá-las bem", disse Maayan. "Eu as vejo em túneis, em casas sem luz, debaixo da terra ou se refugiando em hospitais para não serem bombardeadas. Eu as vejo mortas, feridas."

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Gil Cohen-Magen/AFP - Maayan Zin mostra as fotos das filhas Dafna, 15, e Ela, 8: prova de vida em foto enviada pelo celular